COMUNICADO
Crise do sector sofrerá novo agravamento
Na sequência do acordo assinado com a Troika e tal como referido no
Programa do Governo, é do conhecimento público estar em curso um
processo de revisão das listas anexas (taxa reduzida e taxa
intermédia) ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado.
Não são ainda conhecidas as propostas do novo Governo nesta matéria,
nem, obviamente, a amplitude desses eventuais agravamentos. No
entanto, face à repetida referência à possibilidade de inclusão de
alguns produtos lácteos no conjunto de produtos cujas taxas serão
agravadas, a ANIL dirigiu-se ao Sr. Primeiro Ministro (e aos ministros
das Finanças e da Agricultura) para dar conta da forte apreensão com
que esta matéria está a ser vivida na fileira do leite em Portugal.
O Código do IVA integra, actualmente, na sua Lista I (de produtos à
taxa reduzida) diferentes verbas onde são abrangidos diversos produtos
lácteos. Todos esses produtos têm como matéria-prima essencial, quando
não mesmo exclusiva, o leite e têm, no seu conjunto, um forte impacto
a nível:
económico: sendo um factor de produção de riqueza, de emprego e de
ocupação do território;
social: são produtos direccionados para todos os grupos da população,
para todos os escalões etários, para todos os estratos sociais;
nutricional: os produtos lácteos são reconhecidos de forma unânime e a
nível mundial como alimentos completos, com um apport fundamental a
nível proteico, vitamínico e mineral (nomeadamente através do cálcio),
contribuindo para uma alimentação diversificada e saudável e possuindo
um importante papel na prevenção de inúmeras patologias.
Os produtos lácteos são, sem excepção, produtos ESSENCIAIS na
alimentação humana. São produtos amplamente consumidos por portugueses
de todas as idades e de todos as classes sociais, sendo - até pelo seu
preço muito moderado - dos alimentos mais utilizados, dos que mais
contribuem para uma alimentação saudável e equilibrada e dos que
melhor se integram no regime alimentar da maior parte das famílias
portuguesas.
São, para além disso, produtos em larguíssima medida, produzidos em
Portugal, por empresas portuguesas, com matéria-prima nacional.
Recordamos, a este propósito, que o sector do leite e produtos lácteos
vale, hoje, um volume de negócios anual próximo dos dois mil milhões
de euros, vale 1,3% do PIB, vale quase 15% do sector agro-alimentar e
é um dos mais importantes subsectores do complexo agro-alimentar
nacional. Lembramos que do sector lácteo depende - directa e
indirectamente - o rendimento de quase 100 mil famílias.
É, pois, nossa firme convicção que os Produtos Lácteos, no seu
conjunto - considerada a sua matéria-prima única ou quase exclusiva: o
Leite - são Produtos Essenciais e, nessa medida, não deverão ser
objecto de agravamento fiscal em sede de IVA.
Porém, recordando as propostas apresentadas pelo anterior Governo no
quadro do Projecto de Lei do Orçamento de Estado para 2011, tememos
que algumas verbas incluídas na Lista I anexa ao Código do IVA possam
vir a ser equacionadas no âmbito daquele processo de "transferência de
categorias". Reagimos veementemente em Outubro último àquelas
propostas, tal como o faremos agora caso decisões do mesmo tipo venham
a ser adoptadas.
Algumas das verbas da Lista I do Código do IVA que o Governo presidido
pelo Eng.º José Sócrates pretendia penalizar fiscalmente em 17 pontos
percentuais (de 6 para 23%) contêm produtos cuja definição é bastante
complexa. É, para nós, fundamental, chamar a atenção para o facto de
existirem determinados produtos que sendo claramente semelhantes no
seu fabrico e consumo e sendo percebidos de forma idêntica pelos
consumidores, assumem, por meras particularidades de índole legal,
diferentes designações de venda.
A distinção, por exemplo, entre Iogurtes Líquidos, Leites Fermentados
e Bebidas Lácteas, pode residir, por imperativo legal, apenas no
respectivo teor de gordura. De igual modo, os chamados Leites de
Crescimento e os Leites Especiais, que na essência são Leite UHT a que
foram adicionados ingredientes, enriquecidas ou subtraídas fracções,
podem, dependendo da tipologia de intervenção e da legislação
aplicável, assumir designações de venda distintas: Leite
Ultrapasteurizado, Leite Enriquecido, Bebida Láctea.
Tal significaria, a verificarem-se alterações em sede de IVA, que
alguns destes produtos sofreriam fortes agravamentos dos seus preços
de venda ao público, introduzindo confusão e irracionalidade junto do
consumidor.
Refira-se também que a lei que regula a produção e comercialização de
iogurtes e leites fermentados é nacional e as suas regras são
distintas das praticadas noutros países. Não faria sentido que
produtos que em Portugal assumem, por exemplo, a designação de Bebidas
Lácteas, fossem penalizados fiscalmente perante produtos idênticos,
importados, que nos seus países de origem, podem ostentar a designação
de venda Iogurte ou Leite Fermentado.
Em suma, as alterações que serão eventualmente adoptadas, caso afectem
os produtos lácteos, poderão penalizar ainda mais um sector, que
atravessa desde há anos uma crise cada vez mais profunda, e serão um
ataque fiscal à inovação e à diferenciação, implicarão uma
significativa perda de valor, quer pela diminuição ou abandono do
consumo, quer pela transferência do consumo para as gamas de menor
valor, terão forte impacto sobre o escoamento e valorização da
matéria-prima e sobre os preços dos produtos mais básicos.
Tal como referíamos em Outubro passado, estes produtos contribuem para
o escoamento de mais de 200 milhões de litros de leite produzidos em
Portugal; contribuem para o rendimento de milhares de explorações
leiteiras espalhadas por todo o país e que na sua quase totalidade se
localizam fora dos grandes aglomerados urbanos; contribuem para o
rendimento de milhares de trabalhadores que se espalham ao longo da
fileira (fornecedores, produtores, trabalhadores das indústrias).
Para além disso, essas eventuais alterações tenderão a induzir um
desvio do consumo para classes de produto com maior peso das chamadas
"marcas brancas", reforçarão - ainda mais - o poder negocial dos
operadores da grande distribuição e, considerando o aprovisionamento
no estrangeiro de muitas dessas "marcas brancas", penalizarão a nossa
balança comercial, aumentarão a nossa dependência externa e motivarão
a constituição de excedentes de menor e mais difícil valorização.
Todos estes factores, a concretizar-se uma alteração das taxas de IVA
aplicáveis a diversos produtos lácteos, terão um impacto negativo -
quer pela via dos volumes, quer pela via da valorização - sobre o
preço do leite na origem e tenderão a induzir o afastamento do preço
ao produtor pago em Portugal do preço pago nos nossos parceiros
comunitários.
Por tudo isto, queremos mostrar a solidariedade da fileira do leite
relativamente ao esforço de reequilíbrio das finanças públicas que
Portugal terá de obrigatoriamente levar a cabo, mas não podemos,
contudo, deixar de manifestar a nossa inteira discordância quanto à
perspectiva da necessária captação de receitas fiscais adicionais ser
feita à custa de alguns produtos, de algumas empresas, de alguns
postos de trabalho.
Vimos de há muito defendendo a necessidade de uma revisão cuidada das
Listas I e II do Código do IVA, mas uma revisão motivada por questões
de racionalidade legal e económica, não descurando a defesa dos
produtos nacionais e que são realmente essenciais e não exclusivamente
por imperativo de aumento de receitas.
Se esse é o objectivo a concretizar e até colocando enfoque na
maximização do respectivo impacto nas receitas, será preferível
adoptar decisões proporcionadas e horizontais, não penalizando
produtos específicos, empresas específicas, trabalhadores específicos.
E, ao mesmo tempo, cuidar da forma como é feita a repassagem do efeito
desse eventual agravamento fiscal no preço de venda ao público dos
produtos, para que o respectivo impacto não venha a recair
integralmente sobre os ombros dos respectivos fabricantes.
Porto, 06 de Julho de 2011
A Direcção da ANIL
Sem comentários:
Enviar um comentário