segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Os pressupostos para uma visão optimista da agricultura

OPINIÃO

A. Sevinate Pinto
À medida que a experiência e a formação que tive o privilégio de viver
e de receber ao longo de toda a minha vida profissional, se começou a
encaixar, de forma a proporcionar-me, não só uma série de fortes
convicções mas também um pensamento global sobre a agricultura
portuguesa, quer em termos absolutos, quer em termos da sua inserção
na Europa e no mundo, acredito, cada vez mais e com cada vez mais
segurança:
- que poderíamos ter um sector agrícola, florestal e agro-industrial,
com um nível de desenvolvimento muito superior ao actual;
- que poderíamos (em valor) ser auto-suficientes em produtos
alimentares de base agrícola e grandes exportadores líquidos de
produtos florestais;

- que poderíamos ter uma agricultura desenvolvida e sustentável, onde
desse gosto trabalhar, quer como produtor, quer como técnico e/ou
investigador.
Digo-o com sinceridade mas também com consciência de que os nossos
recursos naturais, particularmente o solo e o clima, têm imensas
limitações para as actividades agrícolas, especialmente se comparados
com os dos países com os quais concorremos mais directamente.
Nunca considerei a Politica Agrícola Comum um factor limitativo, e
muito menos a "causadora da destruição da nossa agricultura", como o
fazem muitos dos nossos compatriotas, distorcendo a realidade que, em
regra, não conhecem.
Contudo, agora, quando tantos portugueses, em tão diferentes níveis de
responsabilidade pública, se pronunciam sobre o contributo possível
que a agricultura pode dar para atenuar a crise em que vivemos, quer
como geradora de riqueza a curto prazo, criadora de emprego, ou
redutora da nossa dependência externa, parece-me indispensável referir
os pressupostos, que considero básicos, para que essa possibilidade se
concretize.
Não o fazer, isto é, não associar ao discurso das potencialidades e
das possibilidades, a reserva dos pressupostos, é favorecer o risco de
mais uma frustração colectiva.
De facto, a nossa agricultura só se desenvolverá, de acordo com o
desejo generalizado dos portugueses, se, e quando, além dos preços e
dos custos que mais preocupam os agricultores, pelo menos dois
pressupostos se concretizarem:
O pressuposto do investimento na modernização das unidades produtivas,
que tem que ser intenso, permanente, facilitado e esclarecido;
O pressuposto da aquisição de capacidade técnica (conhecimento), por
parte dos agentes económicos com ligações ao sector, o que implica
que, de uma vez por todas, de uma forma responsável, racional,
rigorosa e não perdulária, se aposte na investigação, no ensino e na
transmissão de conhecimento até aos seus utilizadores finais.
A verdade é que, infelizmente, quer o primeiro, quer o segundo desses
pressupostos parecem longe de se concretizar.
Independentemente dos méritos e dos atributos, da actual Ministra da
Agricultura, que parecem ser muitos, as verbas de que dispõe para
gerir a acção do Ministério são mais determinados pela crise do que
pela esperança de desenvolver a agricultura.
A Ministra pode pensar em não devolver dinheiro a Bruxelas e pode
consegui-lo. Dir-se-á que já não será mau se tal acontecer. Pode até
conseguir evitar as brutais multas por incumprimentos vários que,
quando tomou posse, toldavam o futuro agrícola nacional. Também já não
será mau.
Quanto ao resto, como diz o ditado, não poderá fazer omeletas sem ovos.
Vejamos então porquê, de uma forma mais detalhada.
A agricultura tem evoluído a uma velocidade sem paralelo na história
da humanidade.
Essa evolução é baseada na ciência e na tecnologia e exige
assimilação, organização e investimento permanente, por parte dos seus
agentes.
Malgrado os fracos recursos naturais de que dispomos, e que muitos,
por desconhecimento, julgam melhores do que eles na realidade são,
estamos hoje a concorrer directamente, em mercado aberto, quer na
União Europeia, quer fora dela, por via da globalização, da qual não
nos podemos escapar.
Na disputa dos mercados, as exigências são enormes. Em novas técnicas,
novos equipamentos e novos factores de produção, que não estão ao
alcance de agricultores descapitalizados, mal informados, envelhecidos
e sem condições de acesso aos investimentos produtivos.
Apesar dos nossos handicaps, naturais e estruturais, o que tem
permitido que os agricultores e a agro-indústria nacional se tenham
aguentado nas últimas décadas sem desaparecer, e até, em alguns casos,
se tenham desenvolvido, tem sido o apoio público aos investimentos,
fortemente baseado nos apoios estruturais comunitários, dos quais
temos vindo amplamente a beneficiar.
É por isso, e só por isso, que, ao contrário da percepção negativa que
os portugueses têm da sua agricultura, apesar do aumento da população
e sobretudo das capitações do consumo terem crescido exponencialmente
(nos últimos vinte anos aumentámos 63% o consumo per capita de
hortícolas, 41% de carne e 24% de leite) alcançámos a autosuficiência
no sector do azeite, do leite, do arroz e de alguns outros sectores
pecuários (aves e ovos), somos exportadores líquidos de produtos
hortícolas e horto-industriais (frescos e transformados) e de vinho,
além de também o sermos em todo o sector florestal, incluindo na
cortiça.
Pela mesma razão, temos hoje uma moderna rede de matadouros, de
lagares de azeite, de adegas, de unidades de tratamento e de
transformação de leite, de estações fruteiras e de produtos
hortícolas, de infra-estruturas de conservação e de armazenagem e de
muitas outras em todas as fileiras produtivas nacionais, com destaque
para os regadios públicos e privados, cuja dimensão e qualidade pouco
tem a ver com as de que dispúnhamos antes da adesão à CEE.
Para uma agricultura "desaparecida" e "destruída", como muitos
sentenciam, não perece mau!
Aliás, não conheço nenhuma unidade de produção moderna (agrícola e
agro-industrial) que não tenha sido feita, ou modernizada, sem um
decisivo apoio público e maioritariamente europeu.
Para uma PAC responsável pela nossa "ruína agrícola", também não parece mau!
Estas estruturas, não só se comparam com o que há de melhor na Europa,
como permitem aos consumidores portugueses, quanto à qualidade dos
produtos que consomem, uma segurança de nível igual ao verificado nos
países mais desenvolvidos.
Infelizmente, temos colectivamente a tendência, errada, de seguir os
inúmeros comentadores e alguns políticos que, sem conhecerem a
realidade, insistem em dizer que a agricultura foi destruída. Para
ilustrar o que dizem, recorrem à ideia de abandono, chegando-se a
dizer que "há em Portugal 3 milhões de hectares de terras agrícolas
por cultivar" (tal como li na comunicação social há uns meses atrás).
Mais um monumental disparate, comprovando além do mais, que o rigor se
dá mal com o nosso ADN colectivo.
Ninguém diz que a área abandonada são 125 000 ha (cerca de 3% da nossa
superfície agrícola utilizada), tal como o determinou o INE no mais
recente recenseamento, em 2009. Não é pouco, é pena que assim seja, e
deve ser fortemente contrariado, mas também é pena que tenhamos tanta
tendência para o exagero e para o masoquismo.
Esses comentadores e alguns políticos a que me referia, certamente
para tentarem comprovar os seus errados pontos de vista, recorrem ao
disparate de dizer, sem pensarem ou fazerem contas, que a nossa
auto-suficiência alimentar de base agrícola é de 30%, quando nunca foi
inferior a 70%! Houve alguém que cometeu o erro de o dizer e, como de
costume, muitos outros mais não fazem do que repeti-lo (e é tão
simples consultar as estatísticas!
Tornou-se de tal forma banal ler e ouvir este tipo de afirmações que
até se estranha que alguém diga o contrário, mesmo que o faça apoiado
em números e em factos concretos.
Um dos benefícios que Portugal retira da PAC é o que resulta do facto
do estado português gastar actualmente, do seu orçamento, com o apoio
à agricultura, um montante anual irrisório, quando comparado com o que
gastava antes da adesão à CEE.
De facto, só em subsídios ao leite, à carne, ao pão, às oleaginosas,
às rações e aos adubos, sem contar com o apoio aos investimentos,
Portugal gastava nessa altura, a preços correntes, mais do dobro da
totalidade dos gastos directos actuais com o conjunto do sector
(incluindo agora também as florestas e a agro-indústria).
Se esta comparação fosse feita, como deveria, calculando esses
montantes a preços reais, a diferença não seria de duas vezes mas sim
de seis ou sete vezes mais.
É, por isso, incompreensível, a dificuldade que o país tem revelado
para considerar no seu orçamento as verbas necessárias para,
associadas ás verbas europeias, permitirem concretizar o que deveria
ser um desígnio nacional: o do desenvolvimento da agricultura.
De facto, o Plano de Investimentos do Estado para a agricultura, tem
sido, nos últimos anos, fortemente limitado e muitíssimo inferir ao
que foi no passado, mesmo no passado recente, uma vez que é inferior a
um terço do que foi entre 2002 e 2004.
Note-se aliás, que o dinheiro que o Estado gasta na componente pública
nacional dos apoios a projectos de investimento produtivo nas
explorações agrícolas – qualquer coisa como, no máximo, 10%1 do total
investido, resultante de 25% de comparticipação nacional no subsidio
público máximo de 40% – tem retorno através da cobrança de impostos
(sobretudo IVA, IRC/IRS e TSU).
O que se tem dito pouco é da dimensão desse retorno.
Com base na análise de inúmeros casos de projectos de investimento
concretos, de natureza diversa e em vários sectores, estamos em
condições de afirmar e de provar:
1. Que o Estado recebe sempre mais e, frequentemente muitíssimo mais,
do que aquilo que paga;
2. Que recebe uma parte antes mesmo de pagar qualquer importância;
3. Que a diferença, positiva, variando em função do tipo e da
rentabilidade de cada projecto, pode variar de cinco vezes a dez vezes
mais se tomarmos em consideração a vida útil dos projectos.
Finalmente, podemos afirmar que, sem apoio público, raros são os
agricultores ou empresas que arriscam fazer investimentos de
modernização na medida em que, de uma forma geral, a rentabilidade dos
projectos, está fortemente dependente desses apoios e os elevados
montantes necessários, são muito pouco acessíveis aos agricultores de
pequena e média dimensão.
A prova foi feita durante o longo e negro período, de 2005 a 2009, em
que esses apoios não estiveram disponíveis e em que os poucos que se
arriscaram foram sobretudo grandes empresas e multinacionais, com
substancias meios próprios e acesso ao crédito, uma vez que só
bastante mais tarde receberam os respectivos subsídios.
O número de projectos apresentados e aprovados, nos três anos em que o
PRODER deu sinais tímidos de vida (de 2009 e 2011), parecendo alto,
representa apenas uma pequena fracção do que anualmente acontecia,
quer antes da entrada de Portugal na CEE, quer depois, em que a média
anual dos projectos de modernização apoiados, ultrapassava quase
sempre a dezena de milhar (tendo chegado, de 2002 a 2005 a mais de 16
000 por ano).
Se nada mudar, mais uma vez se dirá que não podemos contar com a
agricultura e que o que comemos vem sobretudo do estrangeiro, por
incapacidade dos nossos agricultores e da nossa agricultura que está
destruída e abandonada.
Se tal vier a acontecer, o que ainda tenho esperanças que não venha a
ser o caso, será o resultado de uma insensibilidade urbana dominante,
que se mostrará, incapaz de compreender a natureza e a importância do
apoio público à agricultura, quer pelos valores em causa, quer pelas
ligações aos apoios comunitários, quer pelos efeitos sobre a produção,
sobre os reequilíbrios regionais, sobre o défice comercial com o
exterior, quer ainda pelo facto de, por via fiscal, esses apoios se
tornarem positivos para os cofres do estado.
Além disso, as dificuldades no apoio público à agricultura, pouco ou
nada terão a ver com a contenção da despesa pública noutros sectores e
será pouco razoável argumentar-se com os cortes, na saúde, na
educação, ou na segurança, até porque se a agricultura e outros
sectores produtivos se não desenvolverem, mais cortes serão
necessários no futuro, nessas áreas tão sensíveis para a vida dos
portugueses.
Quanto ao conhecimento, o segundo dos pressupostos que mencionei,
ainda que possa ser controverso, considero que é nessa área, a par com
os seus fracos recursos naturais e as dificuldades de financiamento,
que Portugal tem hoje as maiores desvantagens comparativas para poder
enfrentar, em condições mínimas de igualdade, os seus concorrentes, no
mercado interno e externo.
De facto, o significativo enfraquecimento da acção concreta
desenvolvida nesta área pelos organismos do Estado na sector agrícola,
florestal e agro-industrial, não foi suficientemente compensado pelo
seu alargamento nas universidades e institutos politécnicos, nem pelo
aumento da participação de investigadores portugueses em projectos
financiados pela EU, que, apesar de interessante e com aspectos
positivos (em alguns casos responsável por úteis transferências de
tecnologia), tem-se frequentemente desviado de interesse prático em
termos nacionais.
Esta circunstância, de carência de conhecimento prático, adaptado às
nossas necessidades específicas, não é, evidentemente, generalizada.
Há, entre nós, excepções pontuais e casos de sucesso e até de
excelência, que deveriam ser estudados para melhor se compreender as
razões da sua existência.
As carências não derivam exclusivamente da falta de produção
científica, mas também de evidentes fragilidades no ensino agrário no
seu conjunto e, obviamente, na ineficácia da transmissão do
conhecimento até aos seus utilizadores finais, sempre que ele está
disponível na origem. Isso acontece, quer pela falta de estruturas de
intermediação, quer por múltiplas outras razões, até culturais, que
afastam uma grande parte dos agricultores do conhecimento técnico e
científico.
Infelizmente, em matéria de conhecimento técnico/cientifico
incorporado em práticas agrícolas, florestais e agro-industriais,
Portugal tem-se vindo a afastar de muitos países no âmbito da EU, onde
se procura activamente, modernizar, inovar e encontrar os 8 caminhos
de uma nova agricultura, competitiva e sustentável, que dê resposta
aos grandes desafios, quer do nosso tempo, quer daqueles que não
estando ainda completamente presentes, já produzem sinais de grande
aproximação, como acontece, por exemplo, com as alterações climáticas.
A única maneira de desenvolver a nossa agricultura e tornar
sustentável o seu desenvolvimento é fazer acompanhar o reforço do
investimento produtivo, já mencionado, por um grande esforço de
aquisição e de transmissão de conhecimentos, articulando o ensino com
a investigação e com a formação profissional e mobilizando os meios
humanos e materiais, nestas três frentes, no âmbito de um projecto
comum, com benefícios públicos demonstráveis, com prioridades bem
definidas e no qual as maioria dos portugueses se possam rever e
acreditar.
Se as condições não forem criadas, com todo o Governo, qualquer que
ele seja, a acreditar e a fazer acreditar, que isso é possível e
desejável, de muito pouco servirá, o esforço de alguns agricultores e
as boas intenções do Ministério da Agricultura.
16 de Janeiro de 2012-01-13
Armando Sevinate Pinto
Agrónomo

1 E desde há algum tempo, apenas 6%, resultante do facto da
componente europeia ter subido de 75% para 85%.
http://www.agroportal.pt/a/2012/aspinto.htm

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