domingo, 3 de junho de 2012

Pressupostos para o fomento e a consolidação do investimento florestal em Portugal

Quando olhamos para o setor florestal em Portugal impressionam os
números, muitas vezes repetidos, do peso no PIB, da percentagem do
setor nas exportações, na elevada tecnologia e na qualidade,
internacionalmente reconhecida, dos produtos obtidos a partir da
cortiça, da pasta celulósica e da madeira serrada. Contudo, quando nos
acercamos da origem desses produtos, as florestas propriamente ditas,
o panorama está longe de corresponder à imagem que a indústria
florestal proporciona. Apesar de estar na origem do mais alto Valor
Acrescentado Bruto por hectare nos 27 países da União Europeia (310
€/ha), de proporcionar o mais alto Valor Acrescentado Nacional entre
os setores exportadores nacionais (0,90 € por cada Euro exportado),
nas florestas é evidente a ausência de uma gestão ativa, de uma
atitude empresarial associada quer a produção de bens, quer a
prestação de serviços. Afinal de contas, vale a pena ou não investir
nas florestas em Portugal? Temos nós, ou não, condições vantajosas
para usufruir, nos planos económico, social e ambiental, dos espaços
florestais em Portugal? Parece haver unanimidade de opiniões pela
positiva e os resultados de vários setores silvo-industrais
confirmam-no. Então o que falta?



Enquanto na indústria é possível vislumbrar estratégias empresarias,
que podem passar ou não pelas florestas em Portugal (cada vez
importamos mais material lenhoso), já no setor primário, onde é
impossível deslocalizar, é marcante a ausência efetiva de uma visão,
de uma estratégia: O que pretendemos das nossas florestas? Que bens
queremos e podemos produzir? Que serviços conseguimos ou nos
interessam prestar? Como conseguiremos levar alguém a investir, face
ao elevado risco associado ao investimento florestal? Como pretendemos
otimizar os recursos públicos, nacionais e comunitários, de apoio à
floresta?

Usualmente, no que respeita aos instrumentos de política florestal, os
sucessivos governos, e o presente não parece até agora ser excepção,
preocupam-se quase e só com a organização da Administração Central,
curiosamente sem que tal se tenha até agora traduzido, no mínimo, na
melhoria da gestão florestal nas Matas Nacionais e nos baldios geridos
pelo Estado.

Embora já previstos na Lei de Bases da Política Florestal (Lei n.º
33/96, de 17 de agosto), publicada há mais de 15 anos, importa listar
os pressupostos que, do ponto de vista da Acréscimo, são condição
obrigatória para o pretendido e essencial fomento e consolidação de
investimento nas florestas em Portugal:

1. Definir uma Visão para as Florestas: Sem uma estratégia clara e
consequente, não se confere segurança a um investimento caracterizado
pelos médios a muito longos períodos de retorno, com elevada incerteza
e riscos associados.

2. Organizar a produção florestal: O esforço na constituição de Zonas
de Intervenção Florestal (ZIF), ou de Sociedades de Gestão Florestal
(SGF), está muito aquém do desejável. Com ou sem o cadastro rústico, o
processo tem de ser acelerado. O único fundo de investimento
imobiliário florestal existente em Portugal, proporcionou até agora
resultados que estão muito aquém das perspetivas iniciais e das
potencialidades reais deste instrumento.

As florestas em Portugal são detidas em 98% por proprietários privados
e por comunidades locais. Na sua esmagadora maioria são propriedades
de minifúndio.

3. Assessorar a produção florestal: Os apoios ao Associativismo e à
Investigação têm sido estruturados em função de ciclos políticos, mais
numa estratégia de atribuir o "peixe" do que dar a "cana de pesca",
motivando a dependência financeira do poder político. As regras para a
Formação Profissional são desajustadas à realidade da atividade
silvícola.

O País precisa de um verdadeiro serviço de Extensão Florestal, seja ao
nível da Administração Pública, seja com base na parceria desta com o
Associativismo Florestal e Agrícola. Contudo, sempre com forte suporte
da Investigação e assente em planos de profissionalização dos agentes.

Importa reforçar o papel da Administração, nomeadamente com a criação
de serviços técnicos de Controlo e Fiscalização das operações
florestais, a par do que já acontece no setor da construção civil e
noutros países com fortes fileiras florestais, assegurando, no plano
técnico e financeiro, resultados positivos aos investimentos
florestais. Este aspecto assume especial importância nos investimentos
concretizados com cofinanciamento público. A par do que vai
acontecendo com os serviços de implementação de sistemas de gestão
florestal e de cadeia de responsabilidade, e sua certificação, estes
serviços técnicos de controlo e fiscalização de operações florestais
podem ter um forte impacto no emprego de técnicos superiores
qualificados. Os custos inerentes à criação e ao funcionamento destes
serviços são rapidamente assegurados pelos aumentos de produtividade
gerados e pela maior garantia de retorno financeiro proporcionado aos
investidores.

A assessoria técnica e os esforços de Investigação deverão basear-se
não apenas na vertente da produção de bens e serviços hoje com valor
no mercado, mas também na qualificação e na quantificação das
externalidades, nos bens e serviços ainda intangíveis mas, num futuro
muito próximo, essenciais à formação do rendimento nas propriedades
com superfícies florestais.

4. Incentivar e fiscalizar a gestão florestal sustentável: Sejamos bem
claros, sem a implementação de medidas de fomento de uma gestão
sustentável, necessariamente ativa, dos espaços florestais, com o
subsequente controlo e fiscalização, o insucesso de qualquer política
florestal é garantido. As últimas décadas comprovam uma ineficiente
aposta na gestão ativa dos espaços florestais, com o flagelo crescente
dos incêndios florestais e a proliferação de pragas e doenças. A
ausência de uma gestão sustentável das florestas portuguesas é o nosso
principal problema, sendo os incêndios, as pragas e as doenças as
consequências diretas da inação neste domínio. De que vale gastar
fundos em florestações, as quais sem uma subsequente gestão ativa
serão, muito provavelmente, pasto para a proliferação da "indústria do
fogo"?

No plano da fiscalização, nos investimento cofinanciados por fundos
públicos, que Organismo Público assegura, ao longo do tempo, a
execução dos planos orientadores de gestão associados aos projetos
apoiados, designadamente os que foram objeto de ajuda no âmbito do
PEDAP, do PAMAF e do Programa AGRO? Ou de outra forma, quem no
Ministério garante que os esforço dos contribuintes, portugueses e
europeus, para com florestas portuguesas tem minimamente assegurado o
retorno económico para o País?

5. Adequar os instrumentos financeiros: Os instrumentos financeiros
públicos, têm sido infelizmente objeto de uma má aplicação. O caso do
PRODER constitui um exemplo do pior que é possível fazer. O Fundo
Florestal Permanente está a ser alvo, desde novembro último, de uma
inspeção por parte do MAMAOT.

Claramente, sem um ajustamento dos fundos com a Visão para as
florestas, com uma adequada planificação, ajustada à realidade e às
necessidades do setor, estaremos mais uma vez a derramar dinheiro dos
contribuintes sem assegurar retorno económico para o País. Na
definição dos apoios públicos a disponibilizar a partir de 2014, quem
está a elaborar um plano estratégico florestal e adequar a
planificação desses fundos aos objetivos e metas desse plano? Face às
fracas capacidades financeiras da quase generalidade do setor
produtivo florestal, como podem ser ultrapassados os constrangimentos
á indisponibilidade dos capitais próprios necessários, já que os
apoios públicos dificilmente ultrapassarão taxas de apoios de 50% na
atribuição de subsídios não reembolsáveis?

Não deverá o Estado criar condições adequadas ao fomento da
intervenção dos privados no financiamento ao investimento florestal,
designadamente através da criação de estímulos à constituição de mais
fundos de investimento imobiliário florestal, bem como à intervenção
de fundos de garantia florestal?

Ainda nos instrumentos financeiros, são ainda pouco consequentes, ou
mesmo uma miragem, os esforços para a adequação da política fiscal á
produção florestal e na criação de seguros florestais. Sem estes
instrumentos será difícil, ou quase impossível, atrair investidores
privados externos ao setor florestal.

6. Assegurar a transparência dos mercados: Face à concentração
empresarial existente no setor industrial nas principais fileiras
florestais em Portugal, importa garantir a transparência dos mercados,
tendo em vista uma adequada e justa formação dos preços, nos bens e
nos serviços de natureza florestal, evitando potenciais fenómenos de
cartelização ou uma desajustada supremacia de uma das partes sobre a
outra. Este é um fator determinante para criar e assegurar
expectativas de renda aos proprietários florestais e assim fomentar
uma gestão ativa nas suas explorações.

Uma política de preços equilibrada, associada a programas de
investigação e de extensão, integrados numa lógica de fileira,
desenvolvidos no passado recente, estão na base do rápido crescimento
da área de eucaliptal em Portugal. Embora o exemplo mencionado tenha
sido alvo de controvérsia nalguns setores sociais, o que importa aqui
reter é que o "segredo" está desvendado, há apenas que criar condições
similares, com os devidos ajustes face ao atual conhecimento técnico,
também para os demais bens e serviços de base florestal,
particularmente para aqueles que se caracterizam pelos maiores
períodos de retornos de investimento, inclusive com a aposta em
sistemas florestais multifuncionais.

7. Acelerar as medidas estruturais: Tudo leva a crer que o cadastro
rústico será, em grande parte, concluído na presente legislatura. Este
é outro fator chave para se identificarem e caracterizarem os donos
das florestas em Portugal, assegurando adequadamente a implementação
das várias medidas e dos instrumentos de política florestal. Na
produção legislativa, o Legislador tem de ter um adequado conhecimento
sobre o público alvo dos diplomas legais que produz, caso contrário só
encontrará árvores do outro lado. Essas servem para produzir papel,
mas não sabem ler.

Igualmente preponderante é a redução da carga burocrática excessiva
associada à atividade florestal. È urgente simplificar procedimentos
administrativos, assegurando o rigor, o respeito pelos princípios de
desenvolvimento sustentável, a que o País esta vinculado no plano
internacional, e o incentivo ao respeito pelos princípios de
responsabilidade social e ambiental por parte dos agentes do setor.

Muitos são os que ultimamente têm defendido a aplicação de sanções,
designadamente de natureza fiscal, sobre os proprietários rústicos
absentistas, escusando-se a interrogar-se sobre o que motiva esse
absentismo. Não será essa atitude absentista, ou a prática de uma não
gestão, uma consequência das fracas, nulas ou negativas expectativas
financeiras desses proprietários sobre os bens ou os serviços de que
podem usufruir nas suas propriedades? Afinal de contas, faz sentido
investir em certas produções florestais com os atuais riscos de
investimento? Faz sentido ter de suportar uma carga burocrática
desmesurada, sem que se garanta rigor e eficiência? Faz sentido
investir nas florestas na ausência quase total, salvo o esforço
desenvolvido por algumas organizações de produtores e empresas, de
serviços de extensão florestal, de aconselhamento sobre a condução
técnica e financeira desse investimento? Não será estratégica a aposta
na criação de novos mercados, designadamente para os serviços
ambientais, e na garantia de transparência dos mercados de bens
existentes, para a promoção do investimento e da gestão sustentável
das florestas em Portugal?

Se forem criadas expectativas de segurança e de rentabilidade fiável,
quer na produção de bens, mas também na prestação de serviços em áreas
florestais, seguramente os proprietários florestais serão os primeiros
a adotar uma gestão sustentável nas suas explorações.

No caso presente, entende-se o investimento como a aplicação de algum
tipo de recurso com o objetivo de gerar um determinado rendimento no
futuro, visto num sentido amplo, aplicável a qualquer tipo de bem ou
serviço, proporcionado a partir ou com base nas florestas, e que
origine negócio, emprego e desenvolvimento, sobretudo em meio rural,
proporcione melhoria da qualidade de vida às populações, tendo por
base princípios de desenvolvimento sustentável e de responsabilidade
social.

Concluindo, importa realçar que, sem investimento nas florestas
portuguesas serão inconsequentes os esforços políticos e
administrativos para a produção de riqueza, o fomento do emprego, no
combate ao êxodo rural, na conservação da Natureza e da biodiversidade
em cerca de 5 milhões de hectares, mais de metade do Território
Nacional. Para fomentar e consolidar o investimento florestal, seja na
produção de bens: rolaria e madeira de serração, cortiça, biomassa
para energia e outros; seja na prestação de serviços florestais e
ambientais, é necessário concretizar os pressupostos para o seu
fomento e para a sua consolidação.

Lisboa, 31 de maio de 2012

A Direção da Acréscimo

http://www.agroportal.pt/x/agronoticias/2012/06/01k.htm

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