segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Em Lisboa há um parque agrícola só para deficientes

Mara Gonçalves

09/12/2012 - 08:51

(actualizado às 16:36)

Os talhões de terra estão ao nível da cintura para que possam ser
trabalhados por pessoas em cadeiras de rodas. Quanto aos canteiros têm
uma largura estreita a pensar nos braços de quem tem mobilidade
reduzida.


Dinis Almeida, de 52 anos, sempre gostou de cultivar produtos
hortícolas. Os pais estão ligados à agricultura e Dinis tem mesmo "uma
horta na varanda", "só que é pouco e mais à base de ervas aromáticas".

Agora planta alfaces, couves, tomates e outros produtos na primeira
horta adaptada a pessoas portadoras de deficiência da Alta de Lisboa.
"Na minha zona não há nada que seja acessível, esta é a primeira que
eu conheço".

Inaugurada em Maio pela Associação para a Valorização Ambiental da
Alta de Lisboa (AVAAL), a horta tem como objectivo "garantir que
cidadãos com menor mobilidade possam ter acesso às mesmas actividades
que os [cidadãos] com mobilidade normal". "Quer seja para os cidadãos
sem dificuldades de mobilidade, quer seja para os cidadãos com mais
dificuldade de mobilidade ou outras limitações, o gosto pela produção
dos seus próprios alimentos, o gosto do contacto com as plantas e a
terra, o gosto de sentir ligado ao ciclo da natureza são
fundamentais", defende Jorge Cancela, presidente da associação
promotora do futuro Parque Agrícola da Alta de Lisboa, onde já se
integra a horta acessível e que deverá estar terminado "em meados de
2013". "Sempre quisemos que [o parque agrícola] fosse para todos".

O terreno do parque agrícola, com cerca de 17 mil metros quadrados,
situado na Quinta dos Cântaros, foi cedido pelo município à associação
através de um protocolo assinado em Dezembro de 2011, por uma quantia
simbólica anual de 427 euros. Por um período de seis anos, renovável,
a AVAAL compromete-se a utilizá-lo para promover a sensibilização e
educação ambiental, a dinamização social daquela comunidade e a
produção alimentar.

Concebida para cidadãos portadores de deficiência física ou mental, a
horta tem talhões elevados ao nível da cintura, de modo a puder ser
trabalhada tanto em pé como por pessoas em cadeiras de rodas. Além
disso, os canteiros têm uma largura estreita, que não ultrapassa "o
tamanho dos braços" e permite "trabalhar lateralmente" a terra,
explica Jorge Cancela. Já os corredores são largos, onde cabem duas
cadeiras de rodas lado a lado, e há guias no chão para auxiliar os
invisuais. Numa ponta existem ainda canteiros mais baixos, para as
crianças.

Actualmente a horta tem quatro utilizadores, três adultos e uma
criança. Mas "outros quatro estão a chegar", avança o responsável,
referindo que o limite será "entre oito a 12 pessoas" e "eventualmente
quatro crianças". Dinis Almeida confessa que "é um bocado raro"
encontrar as outras duas horticultoras inscritas e "gostava que
houvesse mais pessoas". "Quanto mais pessoas houver melhor, até mais
para o convívio [e] porque depois podemos trocar os produtos".

Mesmo que muitas vezes não tenha a companhia de outros horticultores,
Dinis Almeida "gosta de estar" na horta, "ver as plantas" e o ciclo de
crescimento e amadurecimento dos frutos, "mexer na terra e depois
comer as coisas" que cultiva. "Até ofereço às outras pessoas e digo
'isto fui eu que plantei'". Também Célia Gaspar, com paralisia
cerebral, "adora isto", conta Cristina Morais, coordenadora dos
projectos da AVAAL. "Às vezes já não tem nada para plantar nem para
regar e está só aqui picando a terra".

Projecto está a ser bem acolhido pela comunidade
Dinis Almeida costuma ir acompanhado da mulher ou de um dos irmãos,
que o ajudam nas várias tarefas agrícolas, e até já levou primos e
sobrinhos. "Um dia juntámos aqui oito pessoas". Quando não podem ir
acompanhados de familiares ou de amigos, Cristina Morais vai dar uma
ajuda. "Trago as plantas, ajudo-os a remexer a terra, que por vezes
não têm força suficiente, ajudo a regar, a carregar a água".

O espaço está equipado com dois armazenadores de água, um contentor
para a compostagem e um abrigo em madeira onde são guardadas as
ferramentas e os materiais. No início houve uma casa de banho para
deficientes, mas como "não era usada" e "custava algum dinheiro" foi
retirada. Só quando o parque agrícola estiver concluído é que "haverá
todo esse tipo de apoio em situação permanente", adiantou o presidente
da AVAAL.

A utilização da horta tem um custo de cinco euros por mês por cada
dois metros de talhão e os utilizadores têm de se fazer sócios da
AVAAL (não tem um valor de quota fixo). A água e a maioria das plantas
são fornecidas pela associação, mas o transporte é neste momento
assegurado pelos utentes. "Os transportes públicos aqui não são fáceis
e portanto [os atuais utilizadores] são pessoas que têm já os seus
meios de locomoção própria", afirma Jorge Cancela.

"Nós sentimos que algumas pessoas que gostavam se calhar de utilizar
este espaço não têm forma autónoma de cá chegar", admite. Mas mesmo
entre os atuais utilizadores, há também quem vá menos à horta por
indisponibilidade da família. "A Madalena Brandão está em cadeiras de
rodas e é a que vem menos vezes porque precisa de acompanhamento para
sair do carro", conta Cristina Morais. Contudo, a AVAAL já fez "uma
candidatura para, com outras associações, pudermos ter um veículo
adaptado para pudermos ter um meio de irmos buscar essas pessoas",
avançou o responsável da associação, adiantando que o resultado da
candidatura deverá ser conhecido dentro de um mês.

Sendo um colectivo de cidadãos e sem fontes de rendimento, a AVAAL
vive de apoios, donativos e de candidaturas a programas de
financiamento. Grande parte da verba para a construção da horta
acessível veio do Programa EDP Solidária 2011 e do projecto Entre
Gerações da Fundação Calouste Gulbenkian. "O resto tem vindo de apoio
de empresas, de um grande envolvimento de cidadãos e de voluntários".

O projecto, dizem os elementos da associação, está a ser bem acolhido
pela comunidade envolvente. "Nós tínhamos um certo receio de que,
estando este espaço sempre aberto, que pudesse haver algum
vandalismo", confessa Jorge Cancela. Mas as pessoas "adoptaram muito
bem a horta acessível, então sabemos de muitos casos em que as pessoas
vêm aqui sem lhes pedirem nada, vêm regar, no outro dia vieram aqui
arrancar as folhas secas", conta Cristina Morais. "É muito curioso
esta dimensão num bairro que se diz que é complicado, onde este espaço
está completamente disponível, qualquer pessoa pode cá entrar, e
ninguém mexe. Julgo que é um bom indicador de aceitação que a
comunidade acaba por dar a este espaço", conclui Jorge Cancela.

Notícia actualizada com informação sobre cedência do terreno por parte
da Câmara de Lisboa

http://www.publico.pt/local/noticia/em-lisboa-ha-um-parque-agricola-so-para-deficientes-1576543

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