segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Leite: Estudo sobre índices de preços na cadeia de abastecimento alimentar

Leite: Estudo sobre índices de preços na cadeia de abastecimento alimentar
Utilização absurda de informação estatística não reflecte repartição de valor ao longo da cadeia

Metodologia utilizada no "Estudo" retira toda a credibilidade as respectivas constatações
"Estudo" é totalmente contraditório com relatório recente na Autoridade da Concorrência no que se refere a repartição de valor ao longo da cadeia
"Estudo" esquece todo o impacto sobre os preços das relações contratuais entre fornecedores e distribuidores
Confusão metodológica provocará igual enviesamento de conclusões em "Estudos" similares que sejam desenvolvidos para outros sectores
O Gabinete de Planeamento e Políticas (GPP) do Ministério da Agricultura e a Direcção Geral das Actividades Económicas (DGAE), divulgaram no final de Dezembro de 2012, no quadro de actividades da PARCA (Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Alimentar), um documento intitulado Índices de Preços na Cadeia de Abastecimento Alimentar para o sector do Leite, o qual mereceu agora atenção da comunicação social.

Este documento apresenta falhas metodológicas graves que condicionam todo o Estudo e que dão origem a constatações distorcidas e muito distantes da efectiva repartição do valor ao longo da cadeia.

Refira-se que dados estatísticos trabalhos de forma idêntica originarão o mesmo tipo de distorções, seja qual for de actividade que venha a ser analisado.

Toda a construção do documento parte de comparações entre em três conjuntos de dados:

- preços do leite ao produtor
- preços dos produtos lácteos (à saída de fábrica)
- preços dos produtos lácteos ao consumidor

Os preços do leite ao produtor são mensalmente colhidos junto de uma amostra muito representativa de empresas e, até por via das regras do sistema comunitário de quotas leiteiras, reflectem efectivamente a remuneração da matéria-prima, absorvendo diferentes realidades produtivas, sistemas de produção e distintas regiões geográficas. Os dados apresentados demonstram claramente as dificuldades que estão a ser atravessadas pela produção de leite, muito em especial por via do inflacionamento dos respectivos custos de produção.

Por outro lado, o preço dos produtos lácteos ao consumidor é público e notório, sendo que o respectivo cálculo poderá apenas ser influenciado pela representatividade de cada produto/marca na amostra. Lembre-se, a propósito, que o crescimento galopante da quota de mercado das chamadas "marcas brancas" provoca uma diminuição do valor real das compras dos consumidores, em larga medida provocada por uma transferência de consumo para produtos de mais baixos preços.

Já os preços à saída de fábrica são afectados por uma relação contratual complexa e ampla, na qual o valor facturado corresponde apenas ao valor máximo teórico de acordo com o qual o produto pode ser pago. No âmbito daquela relação contratual, existe uma larga diversidade de descontos contratuais e extra-contratuais que afectam fortemente o preço efectivo recebido pela empresa fornecedora.

De há anos a esta parte, as empresas do sector vêm comunicando ao Estado os valores relativos às suas tabelas de preços, não havendo sido solicitado – neste âmbito – qualquer informação sobre os preços efectivamente recebidos (os chamados preços 'net-net') pelas empresas em contrapartida dos seus fornecimentos.

Em verdade o conceito de preços à saída de fábrica não existe e, pelo menos no sector de lacticínios, os preços comunicados são bastante superiores aos preços líquidos efectivamente recebidos pelas empresas, o que distorce completamente a análise efectuada.

Chame-se ainda a atenção que por força dos múltiplos descontos que incidem sobre os produtos, o diferencial a menos recebido pelos transformadores, corresponde a verba não paga (e como tal, a receita adicional) para os distribuidores.

Em 2010, a Autoridade da Concorrência publicou um relatório sobre estas mesmas relações na cadeia alimentar (relatório referenciado no actual documento), sendo que as respectivas conclusões apresentam sentido totalmente distinto. Esse relatório da AdC não se ficou pela mera análise dos preços facturados pelos fornecedores aos seus clientes, tendo também avaliado as implicações dos contratos de fornecimento e das sucessivas penalizações que os mesmos geram.

Desta forma, os dados incluídos no actual documento, estão longe de corresponder aos preços efectivamente recebidos pelos operadores da indústria de lacticínios e, por via disso, são desajustadamente empoladas as conclusões a partir deles extraídos.

Assim, muito em especial a terceira conclusão que surgem expressa no ponto "Principais Constatações" do relatório, bem como diversas outras referências ao longo do mesmo, não traduzem a realidade dos factos, colocam a indústria numa posição muito mais favorável do que a que efectivamente se verifica, expressam uma falta de solidariedade entre produtores e transformadores que em nada corresponde à realidade e, em vez de esclarecimento, geram desinformação junto da opinião pública.

Finalmente, refira-se que vem a fileira do leite (a exemplo, aliás, do que acontece com inúmeras outras fileiras do sector alimentar) desde há muito reclamando uma maior transparência, um maior equilíbrio negocial e uma mais justa repartição do valor ao longo da cadeia. Essas reclamações foram constantes ao longo de todo o período abrangido pelo presente relatório. As próprias autoridades têm constatado sistematicamente um comportamento desleal da moderna distribuição e predatório ao nível dos preços e margens que pratica.

Parece pois estranho que, independentemente dos dados estatísticos que disponha, estas mesmas autoridades venham agora divulgar um Estudo que, utilizando dados que não foram recolhidos com esse fim, chegue a conclusões que são manifestamente contraditórias com aquelas mesmas constatações e com outros Estudos (como o da Autoridade da Concorrência) que levaram essa análise a um grau de profundidade muito mais amplo.

Em conclusão, somos de opinião que este Estudo em nada corresponde aos objectivos de melhoria da qualidade da informação e reforço da transparência no seio da cadeia alimentar que constituem os pilares sobre os quais assentou a constituição da Plataforma para o Acompanhamento das Relações na Cadeia Alimentar (PARCA).

Uma última nota para referir que queremos acreditar que o destaque dado - nesta altura - pela comunicação social a este relatório, dois meses após a sua divulgação pública, será uma mera casualidade mediática, não tendo qualquer relação nem pretendendo influenciar a preparação do novo diploma legal relativo às denominadas práticas comerciais restritivas, o qual pretende limitar determinados comportamentos abusivos da Grande Distribuição e contribuir para o reequilíbrio das relações entre fornecedores e distribuidores!

Porto, 25 de Fevereiro de 2013

http://www.agroportal.pt/x/agronoticias/2013/02/25a.htm

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