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Por Manuel Carvalho
21.11.2014
Sem grandes alardes, começa a desenhar-se uma vaga de fundo no vinho português que aponta para a criação de perfis menos pesados, mais frescos e com arestas. O mercado ditará a sorte desta mudança.
O leitor inclui-se no grupo de apreciadores de vinhos com elevado teor de álcool, com aromas expressivos de fruta madura e um toque evidente de madeira? Daqueles vinhos que se bebem jovens e impressionam os sentidos pela sua intensidade e exuberância no nariz e na boca? Pois então prepare-se: não é por aí que estão a evoluir os padrões do gosto mundial para os vinhos de topo nem é esse o perfil que uma parte significativa dos enólogos e empresas portuguesas vão defender no futuro próximo, principalmente nas gamas médias e altas.
Para seu conforto, há sempre a constatação de que no vinho "o factor moda é terrível" e como "os enólogos vão fazendo vinhos ao sabor das modas", como nota o jornalista e crítico de vinhos João Paulo Martins, o que é hoje verdade é amanhã mentira. Depois, como nota o enólogo Luís Soares Duarte, "fala-se mais da mudança do que se faz na realidade. Mas se faz questão de alinhar a sua enofilia com o estado actual da arte, ou da moda, então já sabe: as palavras de ordem dos próximos anos serão, cada vez mais, "frescura", "elegância", "acidez" e "carácter".
Convém, desde logo, situar à partida o âmbito de uma discussão que, de facto, interessa muito mais aos que cultivam o vinho e as suas tecnicalidades do que o consumidor comum que compra uma garrafa, ou uma bag in box, com a mesma simplicidade com que adquire uma caixa de cereais num supermercado. Por isso, sempre que se fala de mudança de perfil dos vinhos A ou B, da região X ou Y, estamos a referir-nos aos vinhos das gamas médias e superiores.
A este propósito, o enólogo Domingos Soares Franco não tem dúvidas quanto ao seu pragmatismo. "Sou daqueles que aceita o que o mercado quer, principalmente nos vinhos de combate, que são os que nos pagam o ordenado. Mas os super-premium, esses não mudo. Continuo a fazer o que mais me interessa. São vinhos de autor", explica o responsável pelos vinhos da José Maria da Fonseca.
Está por se saber se os clientes indiferenciados, que compram um vinho a dois euros ou por vezes menos, se preocupam com a erudição das discussões sobre a maturação, os taninos rugosos ou a falta deles. Talvez não. Para esses, a resposta do vinho português é já bastante satisfatória. "Há uma tendência de nos aproximarmos do gosto dominante do mercado, que procura cada vez mais vinhos elegantes, mas a grande transformação é a consistência qualitativa do vinho português. Hoje já "não é um risco comprar vinho português", considera Jorge Monteiro, presidente da Viniportugal, a entidade responsável pela promoção externa do sector.
Muitas empresas continuarão por isso a fazer o que fazem, com as antenas dirigidas para o mercado, "que ainda revela preferência por vinhos com extracção e volume de álcool", na avaliação de Luís Soares Duarte, numa lógica de concorrência directa com vinhos sul-africanos ou chilenos, muito mais focadas em factores como a normalização do que no perfil. Mas, para lá do mass market, há mais vida para o sector nacional do vinho. E é principalmente aí que se pressente o início de um processo de mudança de estilos.
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