domingo, 20 de janeiro de 2013

Quem não trabalhar as terras vai ficar sem elas

OPINIÃO

Escrevo esta crónica antes de bater a meia noite do ano velho. Ao
contrário do que seria meu desejo venho dar uma péssima notícia aos
meus fiéis leitores. Sobretudo aos emigrantes que não ouvem rádios,
não vêem televisão, nem lêem Jornais diários.
O governo já havia anunciado que iria tomar conta das terras
abandonadas. Na altura em que ouvi a ministra da Agricultura pensei
que fosse uma peta do1º de Abril. Infelizmente essa peta já foi
transformada em lei, (62/20065) já foi promulgada no DR nº 238 – 1ª
série em 10 dezembro e até já entrou em vigor, 10 dias depois de
promulgada.
A opinião pública vive anestesiada pelo medo da crise que bateu no
fundo em meados de 2011 que provocou eleições antecipadas e que o
actual governo, com o pretexto de pagar os calotes herdados, está a
levar tudo à sua frente como o tsunami mais destruidor das últimas
décadas.
Em síntese, a famigerada Lei permite ao Estado vender as terras
abandonadas, ao fim de 15 anos. Ou seja: os malefícios da adesão à
União Europeia, camuflados de tires e de carruagens cheias de euros,
que foram parar aos bolsos dos tubarões, logo se sentiram nos
primeiros tempos. Portugal tinha vocação agrícola e marítima. Durante
séculos vivemos daquilo que a terra e o mar davam. Nunca fomos um país
industrializado. Mas sempre tivemos terra e mar para produzir aquilo
que se come e se bebe: produtos dos melhores do mercado, gado caprino
e bovino, frangos, coelhos e perus; peixe de todas as qualidades.
Havendo braços humanos, ousadia e persistência não havia fome, nem
sede. Um país abundante em águas naturais e medicinais; rios em número
e qualidade, praias desde Caminha a Vila Real de Santo António. Portos
de mar para cruzeiros e para a pesca.
Um país de clima temperado. Liberto de tufões e de ciclones que ao
oriente e ao ocidente tantos danos têm causado. Um solo que dá tudo
aquilo de que o homem se alimenta: vinhos dos melhores, fruta de
variadas qualidades e exigências comerciais. Tubérculos como a batata,
o nabo, a cenoura, a cebola, os legumes, o limão. O arroz, o centeio,
o trigo, o milho. Que outros países se conhecem que tenham mais e
melhor do que Portugal?
Dos rios se fez luz a jorros, com barragens como as do sistema Cávado-
Rabagão; a do Picote, Bemposta, Carrapatelo, Picote, Castelo de Bode,
dezenas delas que deram para abastecer o país e para enriquecer alguns
políticos que vivem hoje, como nababos, desde a Ibéria à China.
Quando os países europeus começaram a reerguer-se após a II guerra
mundial, Portugal isolara-se no seu cantinho, quase obrigado pela
ligação ao Império Afro-Asiático. Não soubera libertar-se dessa junção
umbilical, o que levou ao genocídio dos mais válidos e generosos
braços humanos. Nove mil tombaram no campo de batalha. Quase um milhão
serviu de troféu para justificar essa carnificina. Regressaram, mais
mortos do que vivos e, após uma traição cobarde e vergonhosa daqueles
que os comandaram, apoiados nos barbaramente traídos e caluniados.
Ainda hoje essa insídia social, prolongada com o drama dos
«retornados» que sofreram idêntico holocausto, não foi reparada,
sobretudo pelos falsos salvadores da «pátria» que, graças à influência
de que dispunha no regime que combatiam, nem foram à guerra, nem
emigraram, antes usufruíram dos sortilégios que «construíram»,
empoleirando-se em títulos, canudos e profissões que contrastam com a
dos emigrantes que, com sacrifícios supremos, alimentaram o país com o
dinheiro das suas remessas.
Emigrantes, combatentes e «retornados» foram os bodes expiatórios da
sociedade que se criou dessa mescla de anfíbios que saltaram para a
ribalta e que conduziram o país ao descalabro, já por três vezes
repetido. Foram-se as barras de ouro, os quartéis, casas solarengas,
empresas públicas, a REN, vai a Ana e irá a TAP. Nada mais havendo a
hipotecar chega, pelas mãos da direita que nem assim agrada à
esquerda, a lei «assassina» que nenhum político contestou e que a
imprensa encobriu. «Aplica-se aos prédios rústicos e mistos e aos
baldios» Com esses terrenos que herdámos, que comprámos mas que não
podemos trabalhar, cria-se uma «bolsa de terras, » que vai ser gerida
por «uma entidade gestora», certamente constituída por uns quantos
correlegionários de qualquer partido que esteja no governo. Essa
entidade «é competente para celebrar, em nome do Estado, contratos que
tenham por objecto a cedência a terceiros de prédios disponibilizados
na bolsa de terras». Entram nessa «bolsa de terras sem dono conhecido
ou sendo conhecido não estejam a ser utilizadas para fins agrícolas,
florestais ou silvopastoris».
Dura lex, sed lex: a lei é dura, mas é lei. Não deixa, contudo, de ser
uma lei injusta, inoportuna e iníqua. Os pastores de Trás-os-Montes,
das Beiras, do Alentejo, vão ter dificuldades em alimentar as suas
rezes. Os naturais dessas regiões deixarão de roçar mato, lenha ou
outros bens nos baldios que são pertença dessas comunidades, ditas
aldeias, povoações ou freguesias. E quem emigrou e desde há quinze
anos pelo menos, não tenha utilizado esses prédios (herdados,
comprados ou oferecidos), ipso facto, vai ser confrontado com
resistências burocráticas, com coimas, com procedimentos que só quem
dali é, sabe quão doloroso vai ser, para medir a gravidade da sua
aplicação. Oxalá me engane!

Por
Barroso da Fonte, Dr.

http://www.dodouro.com/noticia.asp?idEdicao=427&id=28635&idSeccao=4888&Action=noticia

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