domingo, 17 de fevereiro de 2013

Um quilo de lombo de cavalo pode custar menos 14 euros do que o de vaca

ALEXANDRA PRADO COELHO 16/02/2013 - 00:00

No talho de Carlos Espadilha, em Alvalade, vendem entre dois e três
cavalos por semana NUNO FERREIRA SANTOS

A maior parte da carne dos cavalos abatidos em Portugal é para
exportação. Criadores dos puro sangue lusitano dizem que há cada vez
mais estrangeiros a comprar animais da raça e que as vendas não caíram

No talho de Carlos Espadilha, junto ao Mercado de Alvalade, é fácil
perceber qual é a carne de cavalo - muito mais escura do que a de
vaca, ocupa um lugar de destaque na montra frigorífica. À volta,
vários cartazes com cavalos a correr em campos verdes anunciam
hambúrgueres de cavalo, ou carne para guisar ou estufar, sempre a um
preço muito mais baixo, se comparada com a de vaca.

Um hambúrguer de carne de cavalo custa 40 cêntimos, enquanto um quilo
de carne picada está marcado a 3,98 euros, três euros mais barato do
que um quilo de carne de vaca. Se falarmos em bifes, a diferença é de
quatro euros (5,98 o quilo de cavalo, 9,98 o de vaca). E se passarmos
para lombo (o cavalo tem os mesmos cortes que a vaca), comprar cavalo
custa 12,98, enquanto a vaca atinge os 26,98, uma diferença de 14
euros. Não admira, portanto, que em época de crise as vendas de carne
de cavalo estejam a aumentar. "Nos últimos dois ou três meses as
pessoas têm comprado mais", confirma o proprietário do talho, que
começou a vender carne de cavalo há cerca de dois anos e meio.

A preocupação de Carlos Espadilha é deixar claro que o escândalo que
começou na Irlanda e Reino Unido e alastrou a outros países europeus
(ver texto nestas páginas) não tem nada a ver com as vendas de carne
de cavalo em Portugal. "O problema é que eles estão a vender gato por
lebre, fazendo passar a carne de cavalo por carne de vaca", diz. Aqui,
quem entrar neste talho não tem dúvidas sobre que carne está a
comprar.

"Os cavalos não são criados para abate", explica. "Os criadores
escolhem para abater um cavalo de uma linha menos bonita, uma égua que
já não pode produzir". Os animais que recebe no seu talho - onde vende
entre dois e três cavalos por semana, cerca de 300/350 quilos de carne
- são-lhe trazidos por um fornecedor que se abastece junto de vários
criadores, "todos nacionais". Este fornecedor escolhe a carne melhor
para o talho e vende a restante ao Jardim Zoológico.

A carne "tem muito sangue e por isso muito ferro", diz Carlos
Espadilha, o que lhe dá "um sabor mais intenso". E lembra que "os
nutricionistas quando aconselham alguém a comer carnes brancas incluem
a de cavalo porque tem menos gordura que a de vaca".

Matadouros são no Norte

Este tipo de carne está a vender-se mais em Portugal, mas não em
quantidades que justifiquem os números relativos ao aumento de abates
- o que significa que grande parte da carne de cavalos enviados para
matadouros é exportada. O Ministério da Agricultura, do Mar e do
Ordenamento do Território (MAMAOT) confirma que a maioria segue para o
mercado espanhol.

Os números do MAMAOT mostram um aumento significativo: em 2010 foram
abatidos 768 animais, em 2011 o número subiu para 1066 e em 2012
saltou para 3178. É no Norte que se regista um aumento maior: de 312
animais em 2010, passou-se para 2345 em 2012. Mas estes números têm
uma explicação muito simples: a maior parte dos matadouros
certificados para abate de cavalos situa-se no Norte do país.

Os dados não discriminam, contudo, a raça dos animais abatidos. Em
Dezembro, a TSF citava Luís Vinhas, presidente da Associação
Portuguesa de Criadores do Cavalo Puro Sangue Lusitano, dizendo que
havia muitos destes animais a ir para matadouros. Contactado pelo
PÚBLICO, Luís Vinhas explicou que, se houver abates, eles não são
comunicados à associação.

Mas traçou um quadro bastante menos negro do mercado de venda do
cavalo lusitano. "Os dados que temos são relativos aos pedidos de
registo de mudança de proprietário, e esse número nunca foi tão
elevado". Em 2012 houve 2000 pedidos de registos, o que indica que o
mercado de venda esteve particularmente activo - em 2011 tinham sido
1700, em 2010 foram 1900, em 2009 ficaram abaixo dos 1500.

A grande diferença é que os animais estão a ser vendidos muito mais
para o estrangeiro do que entre compradores nacionais. Se em 2008, dos
1900 pedidos de registo de mudança de proprietário, 1400 eram
nacionais e 500 estrangeiros, em 2012 o panorama mudou (1100
nacionais, 900 estrangeiros). A única incógnita, afirma Luís Vinhais,
é o preço - a associação ignora se as vendas estão a realizar-se a
preços inferiores aos do passado. Mas está confiante num aumento do
prestígio dos lusitanos. "Nunca como agora houve tantos cavalos
lusitanos a participar em importantes provas internacionais", frisa.

Este cenário é confirmado por António Saraiva, presidente da Companhia
das Lezírias, também produtora de cavalos de raça lusitana. Embora "o
negócio da venda de cavalos tenha caído", tanto a Companhia como a
Fundação Alter Real (antiga Coudelaria Nacional) a ela ligada
"venderam mais em 2012 do que no ano anterior", tendo sido evidente um
aumento das vendas para o exterior. "No mercado de exportação tem
havido maior procura do lusitano", diz ao PÚBLICO, acrescentando que
"o preço médio por animal subiu" na Coudelaria de Alter.

Em Novembro, durante a Feira Nacional do Cavalo da Golegã, José Veiga
Maltez, presidente da Câmara da Golegã e da Associação Nacional de
Criadores de Raças Selectas, traçou um cenário menos positivo. Em
declarações à Rede Regional disse que há actualmente cavalos a mais
para um mercado que está em crise, nomeadamente a nível da procura
externa por parte de países que tradicionalmente importam raças
nacionais. "O abate de cavalos é inevitável porque é impossível manter
o mesmo número de animais", declarou Veiga Maltez à Rede Regional,
defendendo que uma saída para o excedente é o mercado da carne.

Relativamente ao escândalo da fraude da venda de cavalo por vaca em
vários países europeus, o secretário de Estado da Alimentação, Nuno
Vieira e Brito, reiterou quinta-feira que não foi detectada em
Portugal qualquer situação semelhante. A Autoridade de Segurança
Alimentar e Económica (ASAE) tem vindo a recolher desde terça-feira
amostras de produtos à base de carne de vaca para realizar testes de
ADN. E ontem a cadeia de supermercados Lidl Portugal anunciou que não
comercializa os tortellini da marca Gusto que na Áustria foram
encontrados com recheio de carne de cavalo.

http://www.publico.pt/portugal/jornal/um-quilo-de-lombo-de-cavalo-pode-custar-menos-14-euros-do-que-o-de-vaca-26075076

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