terça-feira, 15 de setembro de 2020

Agricultura prepara futuro com agenda ambiciosa


14.09.2020 às 18h38

Os oradores dos debates da Agroglobal destacaram a importância de fazer uma aposta forte, e de longo prazo, na modernização e sustentabilidade do sector agrícola

TIAGO OLIVEIRA
Dez anos. É o tempo que a Agenda da Inovação para a Agricultura 2030 — proposta pelo Governo e apresentada ontem (9 de setembro) na Agroglobal pela ministra Maria do Céu Antunes — define para mudar estruturalmente o sector em Portugal e deixá-lo mais capaz de enfrentar o que vai surgir ao longo do caminho. "Esta agenda surge", explica, porque "temos consciência dos desafios que temos pela frente, desde as mudanças climáticas à alteração de modelos de consumo e da digitalização".


São apenas algumas das dimensões do documento, que aparece numa fase em que o sector teve que enfrentar o teste da pandemia e foi elogiado pela resiliência que demonstrou. Mas, mais do que ser capaz de resistir, pedem-se respostas efetivas que permitam à agricultura portuguesa prosperar e tornar-se mais competitiva, sem olhar só para o curto prazo. E mesmo perante o obstáculo covid-19 há uma base de bons resultados recentes que permite preparar o futuro.


Os dados mais recentes apontam para um crescimento das exportações de 0,4% no primeiro semestre deste ano, em comparação com o período homólogo, o que, apesar de significar um abrandamento, mantém uma trajetória de subida que se conservou praticamente ininterrupta nos últimos 10 anos. "Ao longo da última década, as exportações agroalimentares cresceram a uma média de 5% e representaram 11% do total das exportações de bens no ano passado", acrescentou o primeiro-ministro, António Costa, no arranque da conferência. Com a ressalva de que a pandemia continuará a pairar sobre a economia por tempo indeterminado e a incerteza, mesmo perante bons sinais, merece algumas reservas.


Regista-se uma "evolução positiva da agricultura nas últimas décadas", mas os resultados podiam ser melhores, menciona Francisco Avillez. No que diz respeito ao "valor de produção", por exemplo, "temo-nos mantido praticamente estagnados nos últimos 10 anos", revela o coordenador científico da Agro.ges. Os "desequilíbrios territoriais advêm hoje em dia da falta de capacidade de tirar mais rendimento dos recursos endógenos", defende o presidente da Comissão Científica do Fórum Futuro Gulbenkian, Miguel Poiares Maduro, com a certeza de que só "se pode transformar o ciclo vicioso num ciclo virtuoso" se houver uma aposta séria na criação de condições que permitam "atrair massa crítica".


"Autonomia estratégica"
Por isso surge agora este plano, que começou a ser elaborado em dezembro de 2019, que, mais do que "um mero instrumento de utilização de fundos públicos", quer funcionar quase como um mapa estratégico assente em metas concretas em cinco desafios, que pode conhecer melhor na coluna ao lado. Numa fase em que as alterações climáticas põem em risco a mera existência do sector, Maria do Céu Antunes coloca a tónica na necessidade de pensar a longo prazo. "Atualmente temos um grau de autoaprovisionamento geral de 85%", com sectores como o dos cereais panificáveis a não chegar "aos 4%". Para a ministra, é essencial "garantir um nível mínimo de produtos que assegure a nossa autonomia estratégica".


A meta de aumentar o valor da produção agroalimentar em 15% foi um dos mais discutidos na conferência e é visto como essencial para cimentar esta intenção de transformação estrutural. "A única forma de fazer isto funcionar é através da inovação", garante o diretor da Nova SBE, Daniel Traça, ao passo que António Costa Silva — presidente da Comissão Executiva da Partex Oil and Gas e responsável pelo documento "Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030" — não tem dúvidas de que "temos que ter mais materiais orgânicos e transformá-los em riqueza". "Acho que isso é possível", atira, antes de deixar um aviso "polémico" à navegação: "Nós, o povo português, somos excecionais a responder à anormalidade e somos medíocres quando há normalidade." Algo que tem de mudar.


Trata-se de um esforço que "vai exigir uma grande concertação e atenção a tudo o que são oportunidades para colocar em prática esta agenda", com a ministra a destacar a importância de trabalhar na ótica da política comunitária. Portugal vai assumir a presidência do Conselho da União Europeia no primeiro semestre de 2021 e Maria do Céu Antunes não esconde que "concluir a reforma da PAC [Política Agrícola Comum]" é o grande objetivo para este período. Reforçando a vontade de que esta agenda sobreviva e seja um elemento agregador que traga uma nova geração para os campos, que bem precisam, com a média de idade dos agricultores a superar os 55 anos. "Temos muito trabalho e muitas coisas a fazer juntos", apontou o ministro da Agricultura de Espanha, Luis Planas, para quem é essencial "assegurar que todos consigam ter rentabilidade empresarial" e perceber que "passar de uma economia linear para uma economia circular" representa uma "oportunidade que não deve ser desperdiçada".

Essa é também a opinião de Humberto Rosa, diretor para o Capital Natural D-G Ambiente da Comissão Europeia, que fala da "segurança alimentar" como uma "prioridade absoluta" e da estratégia Biodiversidade 2030 da UE como um instrumento que "pode fazer a diferença no uso do terreno agrícola". Metas como estabelecer áreas protegidas em, pelo menos, 30% das terras na Europa ou reduzir os efeitos prejudiciais dos pesticidas em 50 % até 2030 são vistas como essenciais. A dificuldade é agora passar das intenções à prática, mas António Costa deixa um voto de confiança. "Ao contrário do que muitos dizem, a agricultura não é uma atividade do passado. Tem um grande futuro. Enquanto houver seres vivos, vão ter que se alimentar."

MELHORES FRASES
"O mundo tem enfrentado desde fevereiro deste ano 
um desafio enorme. Muitos pararam, mas outros não puderam parar e mantiveram-se em plena atividade, 
entre eles o mundo agrícola. Asseguraram que, do prado 
ao prato, nada 
nos tivesse faltado"
António Costa
Primeiro-ministro

"Não há golpes 
de magia para resolver 
o problema das alterações climáticas. Será uma soma de pequenas, médias 
e grandes vitórias 
para contribuir 
para esse objetivo"
Joaquim Pedro Torres
Responsável pela Agroglobal


"Não sou muito 
otimista quanto 
à forma que se quer 
que estas iniciativas funcionem, o que 
não quer dizer que 
não considere notável. 
É fundamental 
que esta rede de inovação seja eficaz"
Francisco Avillez
Coordenador científico da Agro.ges

A agenda de inovação 2030
SAÚDE E DIETA
O plano do Governo a dez anos 
para a agricultura — apresentado pela ministra da pasta, Maria do Céu Antunes, na Agroglobal — pretende valorizar o consumo dos produtos 
de época e das cadeias curtas 
de distribuição, com a meta 
de aumentar, em 20%, o nível 
de adesão à dieta mediterrânica.


INCLUSÃO E INTERIOR
Potenciar a atração de mais jovens para os territórios rurais e para 
a atividade agrícola, com a meta 
de instalar 80% dos novos jovens agricultores nos territórios do interior, com menor densidade.


MAIS RENDIMENTOS
Criar melhores condições 
para o aumento do rendimento 
para os produtores, de forma a tornar a atividade agrícola mais rentável, com a meta de aumentar o valor 
da produção agro-alimentar em 15%.


FUTURO SUSTENTÁVEL
Apostar num melhor aproveitamento dos produtos endógenos e 
da atividade do sector, com a meta 
de atingir mais de 50% da área agrícola em regimes de produção sustentável reconhecidos.


INOVAÇÃO E INVESTIGAÇÃO
Privilegiar a introdução de novas tecnologias no sector agrícola 
e ao mesmo tempo garantir a capacitação de todos, com o objetivo de aumentar, em 60%, o investimento em investigação e desenvolvimento.


PORTAL ÚNICO
Vai ser criado uma plataforma 
de ligação com o Governo que simplifica o acesso dos produtores 
à resolução de problemas.


REDE DE 24 ESTAÇÕES
A agenda contempla a criação 
de uma rede de 24 estações espalhadas pelo país, cada 
uma dedicada a fileiras específicas 
no território onde se insere.

domingo, 13 de setembro de 2020

Agricultura estabelece metas de dez anos na Agroglobal 2020


11.09.2020 às 17h48


Projetos Expresso. A apresentação da "Agenda de Inovação para a Agricultura 2030" por parte da ministra da Agricultura, Maria do Cêu Antunes - com a presença de António Costa na plateia - marcou o último dia de debates da maior feira profissional do sector, que conta com o apoio do Expresso

"O investimento é crítico para o futuro. Temos que produzir numa altura em que sabemos que os recursos escasseiam". Palavras de António Costa no último dia da Agroglobal 2020, em que o panorama da agricultura portuguesa e o trabalho que está a ser feito para garantir o seu futuro esteve em discussão ao longo dia. A ocasião foi marcada pela apresentação da "Agenda de Inovação para a Agricultura 2030" por parte da ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, que estabelece um plano a dez anos de transformação estrutural do sector para garantir a sua competitividade e contribuir para a sustentabilidade.

O plano (que pode conhecer em pormenor na edição impressa do Expresso, amanhã nas bancas) foi o ponto de partida para uma conversa durante a manhã que contou com a presença de Francisco Avilez, coordenador científico da Agro.ges; António Costa Silva, presidente da Comissão Executiva da Partex Oil and Gas e responsável pelo documento "Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030"; Miguel Poiares Maduro, presidente da Comissão Científica do Fórum Futuro Gulbenkian; e Daniel Traça, diretor da Nova SBE. A abertura ficou a cargo do presidente da Câmara Municipal do Cartaxo, Pedro Ribeiro; e do responsável pela Agroglobal, Joaquim Pedro Torres, com o ministro da Agricultura de Espanha, Luis Planas, também a fazer questão de estar no certame.

Já da parte da tarde, o foco esteve na estratégia comunitária para a promoção de uma agricultura mais eficaz e promotora da biodiversidade e teve as intervenções de Eduardo Diniz, diretor-geral do Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral; Wolfgang Burtscher, diretor-geral da European Commission's Directorate-General for Research and Innovation; Humberto Rosa, diretor para o Capital Natural D-G Ambiente da Comissão Europeia; Paula Carvalho, subdiretora geral da Direção Geral de Alimentação e Veterinária; e Fernando Miranda Sotillos, secretário geral de Agricultura e Alimentação de Espanha.

Conheça as principais conclusões do dia:

POPULAÇÃO
Urge preparar o sector para o aumento de população e necessidades alimentares que vão surgir. "Nos próximos 30 anos, temos que produzir mais 70% de alimentos, segundo a FAO", diz Joaquim Pedro Torres
Especialistas pedem que o foco seja colocado mais na qualidade do que na quantidade de produção
"Somos [Portugal] deficitários em muitos alimentos essenciais para o nosso consumo", lembra Paula Carvalho
BIODIVERSIDADE
Fazer do sector um interveniente consciente e promotor da biodiversidade ambiental é visto como essencial
Temos que "alicerçar a produtividade com a sustentabilidade na agricultura", diz Daniel Traça
Portugal é um dos países que vai sofrer mais com as alterações climáticas desde a escassez de água à erosão da costa. Isto é, se nada for feito
POLÍTICA EUROPEIA
A Política Agrícola Comum (PAC) está a ser revista para ir de encontro a todos estes objetivos
O "Green Deal", a Biodiversidade 2030 e a estratégia do Prado ao Prato foram desenvolvidas para estabelecer metas claras aos estados-membros
Europa quer ser exemplo na agricultura

Costa coloca agricultura "no centro das preocupações"


11.09.2020 13:37 por Lusa0
O chefe do executivo defendeu o papel da inovação no setor, sublinhando que o digital é "tão importante como a enxada".

O primeiro-ministro considerou hoje, em Valada (Cartaxo), que a agricultura tem de ser colocada "no centro das preocupações" e defendeu o papel da inovação no setor, sublinhando que o digital é "tão importante como a enxada".
António Costa falava hoje numa sessão realizada no âmbito da Agroglobal, que se realiza no Mouchão do Esfola Vacas, na freguesia de Valada, concelho do Cartaxo (Santarém), destinada a apresentar a visão estratégica para a agricultura, alimentação e território, aprovada quinta-feira em Conselho de Ministros.

O chefe do executivo afirmou que a visão estratégica proposta por Costa Silva para a próxima década tem como um dos eixos principais a coesão, a agricultura e a floresta, pelo que, na tradução dessa visão em instrumentos de política, foi aprovada na quinta-feira a agenda para a inovação na agricultura, hoje apresentada pela ministra Maria do Céu Antunes.

No âmbito da visão estratégica para o país na próxima década, "a primeira prioridade foi aprovar uma agenda para a inovação na agricultura", salientou.

Frisando que "a inovação vai ter um papel fundamental para continuar a assegurar que a alimentação contribui cada vez mais para uma melhor saúde, para assegurar uma maior coesão territorial e maior sustentabilidade ambiental", Costa sublinhou que o digital "não é o oposto do trabalho agrícola".

"Cada vez mais as tecnologias da informação são uma ferramenta de trabalho tão importante como a enxada para o trabalho agrícola", declarou.

Salientando o papel da agricultura, sobretudo no período de confinamento devido à pandemia da covid-19, Costa quis deixar um agradecimento aos agricultores "pela sua capacidade de se terem mantido em atividade e assegurado que nada faltasse na alimentação dos portugueses".

Costa afirmou ter feito questão de apresentar a agenda para a inovação na agricultura na Agroglobal, certame que tem dado "um grande contributo para a inovação no mundo agrícola".

Para o primeiro-ministro, foi graças à inovação que Portugal reduziu, na última década, em cerca de 400 milhões de euros por ano o seu défice alimentar e que viu crescer as exportações no setor agroalimentar, em média, 5% ao ano.

Em 2019, referiu, as exportações do setor representavam 11% da totalidade da exportação de bens no país, sendo os produtos agroalimentares portugueses colocados em 185 mercados, mais de 50 abertos nos últimos cinco anos.

Costa apontou a estratégia da União Europeia para a recuperação pós pandemia, assente no reforço da resiliência e do acelerar da dupla transição digital e climática, salientando que, nos últimos meses, ficou claro que não é possível ficar dependente de cadeias de valor globalizadas, em que a interrupção num elo leve à rutura de abastecimento de bens essenciais.

"Por isso, a Europa vai ter de saber produzir mais e melhor", declarou.