SOCIEDADE 30.06.2018 às 12h33
Mais do que plantar vegetais, a Grow to Green quer expandir uma nova tecnologia que põe a engenharia ao serviço da agricultura sustentável – e sem uma gota de pesticidas
Sónia Calheiros
SÓNIA CALHEIROS
Dentro do laboratório, em Castelo Branco, em que toda a produção energética autónoma deriva de energias renováveis, os técnicos usam máscaras, toucas e batas. Não para se protegerem a si próprios mas para resguardarem as plantas. O sistema de agricultura vertical da Grow to Green é estanque, daí que não se deva levar contaminações para dentro das câmaras climáticas. Ao contrário de outros laboratórios, neste, as luzes para a horticultura são magenta, pois a mistura de duas componentes (azul e vermelho) corresponde aos comprimentos de onda cuja energia é aproveitada com maior eficiência pelas plantas para o seu processo de fotossíntese. É num ambiente fechado, totalmente controlado, que estão a ser cultivadas alfaces, rúculas, couves, agrião e ervas aromáticas, entre outros vegetais de folha verde, sem qualquer tipo de preocupação com as condições climáticas – o "indoor farming", com a Holanda e o Japão à frente da tendência, marca o caminho de uma agricultura cada vez mais sustentável e de uma indústria agroalimentar com um pé no futuro.
Qual o agricultor que não desejou ter controlo absoluto sobre o sol, a chuva, a humidade e o vento, fatores naturais que interferem no cultivo dos produtos hortícolas? As primeiras saladas portuguesas provenientes do "indoor farming" já podem ser provadas no Mercado da Ribeira, em Lisboa, na carismática Manteigaria Silva. Tenras e firmes, as folhas de alface têm o tamanho certo e um gosto intenso, numa mistura de diversos verdes que são sinónimo de sabor à primeira vista.
CLIMA SEMPRE FAVORÁVEL
Será a Grow to Green uma tendência de engenharia ou da área alimentar? "É a engenharia a responder à alimentação", sublinha João Alves Pereira, responsável pela empresa, o mais recente projeto do Grupo ISQ – Instituto de Soldadura e Qualidade e da Aralab, um dos principais fabricantes europeus de câmaras climáticas.
A hidroponia, surgida em Portugal há meia dúzia de anos, já permitia o cultivo de morangos, por exemplo, uma flor invertida em altura, sem solo, cujos frutos são alimentados através de uma solução nutritiva aquosa. Agora, esta nova tecnologia possibilita controlar a temperatura, a humidade, a velocidade do ar, o dióxido de carbono, a nutrição e a luminosidade, mantendo a planta sempre em situação de conforto. "Passámos a não estar dependentes das condições climáticas, e aumenta-se a qualidade do vegetal, alargando-se também o seu prazo de validade para cerca de 15 dias", garante o engenheiro civil.
Esse domínio sobre o estado do tempo mantém afastadas dos vegetais bactérias como a E.coli ou a salmonella. "Um vegetal em campo aberto tem 300 mil bactérias por grama; esta alface tem menos de dez, sendo que o limite regulamentar em Portugal para um vegetal ser vendido pronto a consumir são 300 bactérias. Tudo acontece sem aditivar qualquer hormona, pesticida ou desinfetante. Não entrou qualquer contaminante no circuito de produção."
FALTAM LED MAIS BARATOS
Apesar de se apresentarem no seu estado mais puro, os vegetais da Grow to Green não são considerados biológicos. Na Europa, a empresa portuguesa não consegue certificar esta tecnologia como biológica, porque não faz uso integrado do solo. Mas, nos Estados Unidos da América já é possível. "Neste momento, a certificação dos biológicos incide no processo e não no produto", lamenta João Alves Pereira. "A Europa não está a acompanhar o desenvolvimento tecnológico.
A legislação comunitária está atrasada face à tecnologia."
Tanto na agricultura convencional como no laboratório é usada água da rede. A diferença está nos litros gastos por alface: 50 na terra vs. menos de um litro no laboratório. Sem dúvida que está garantida a eficiência hídrica. O mesmo não se poderá dizer do consumo de energia. Se os campos de cultivo a céu aberto não têm quase nenhum gasto de energia, na Grow to Green a iluminação LED é um custo, logo, uma desvantagem. "Temos de aproveitar os tarifários com horas de vazio, por isso o ciclo de luz da planta é invertido", explica João Alves Pereira. "Conseguimos pôr um vegetal a crescer mais depressa se lhe dermos mais intensidade luminosa, mas isso só acontecerá se tivermos mais barras LED, e, por enquanto, estas também são muito caras", acrescenta. E as plantas germinadas em câmara são até três vezes maiores do que as plantadas em estufa.
Com o custo inicial de instalação superior, entre oito e dez vezes, ao de uma estufa equivalente (de €100 por metro quadrado passa para €1 000 por metro quadrado), só à medida que o preço do LED baixar se conseguirá otimizar a redução de custos. Outra das desvantagens é não poder aplicar a tecnologia de "indoor farming" em legumes sem serem de folha verde ou em frutos. Apesar de a Grow to Green já ter feito experiências de sucesso com rabanetes, cenouras e feijões, os frutos exigem polinização e, por enquanto, ainda não é possível pôr a abelha dentro da câmara. "Do ponto de vista da tecnologia, conseguimos produzir qualquer coisa, até eucalipto, mas, do ponto de vista económico, tudo o que demore muito tempo a crescer não é rentável."
CAMPO ABERTO
VS. LABORATÓRIO
Um vegetal na terra
tem 300 mil bactérias por grama, em laboratório tem menos de dez por grama
Na agricultura de campo aberto, facilmente
se gastam 50 litros
por alface, enquanto
no laboratório é menos
de um litro por cada alface
Em Portugal, a área
de cultivo exclusivamente de alfaces corresponde ao concelho de Odivelas (26,54 km²), com a tecnologia da Grow
to Green ocuparia apenas
a área do Estádio da Luz
NÚMEROS
98% poupança de água
99,4% menos bactérias
23% mais fibras alimentares
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