Ativistas consideram que é preciso trabalhar na aceitação de alimentos com formas e aspetos diferentes, bem como no reaproveitamento de produtos agrícolas que não chegam às prateleiras da grande distribuição.
Feios, pequenos, grandes ou tortos. Mais de um terço dos frutos e legumes produzidos na Europa não chegam a ser comercializados por razões estéticas, de acordo com um estudo da Universidade de Edimburgo, publicado no Journal of Cleaner Production.
Segundo a mesma investigação, que fez uma estimativa sobre os alimentos descartados no Espaço Económico Europeu, 50 milhões de toneladas de frutos e vegetais produzidos na Europa não chegam às prateleiras dos supermercados, porque não correspondem às exigências.
Em causa estão os elevados padrões estéticos impostos pelos hipermercados e as expectativas dos consumidores sobre a forma como os alimentos devem apresentar-se.
"Os dados sobre desperdício alimentar são normalmente bastante chocantes, na produção, distribuição ou consumo. Os números são assustadores", diz Susana Fonseca, da direção da ZERO (Associação Sistema Terrestre Sustentável). Do ponto de vista ambiental, a ativista lembra que "quando produzimos alguma coisa, precisamos de recursos - solo, água, energia, pesticidas, fertilizantes - que têm impacto ambiental".
Há casos, lembra Susana Fonseca, em que a fruta e os legumes que não são integrados no mercado são canalizados para conservas, papas, aproveitados para processamento na indústria ou para alimentação animal. "Mas, em muitas situações, nem para compostagem são usados." Por isso, alerta, "ainda há muita coisa a fazer, quer na aceitação social de todas as formas e aspetos quer no que pode ser aproveitado e integrado na economia de outras formas".
Um milhão de toneladas por ano
Por cá, o PERDA - Projeto de Estudo e Reflexão sobre o Desperdício Alimentar concluiu, em 2012, que é desperdiçado um milhão de toneladas de alimentos por ano - 17% do que é produzido pelo país.
Relativamente aos produtos agrícolas, Iva Pires, uma das autoras do estudo, diz que "o grande problema é que há uma triagem muito grande entre os produtores e a distribuição, que tem critérios de estética muito apertados. Diz que não consegue vender os alimentos se forem feios, o que faz que haja um desperdício muito grande logo na primeira fase".
Na opinião da docente da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Nova de Lisboa, "foi-se longe de mais no critério estético, mas, felizmente, estamos a dar alguns passos atrás. Já começa a dar-se mais atenção à qualidade, e percebe-se que qualidade e estética não estão necessariamente ligadas".
Segundo a docente, não existem estudos mais recentes sobre o desperdício alimentar em Portugal. E, ressalva, o que há normalmente são estimativas, porque é muito difícil ter estatísticas nesta área. O mesmo confirma o Ministério da Agricultura em respostas enviadas ao DN. À espera de arrancar estão também várias das medidas previstas na Estratégia Nacional de Combate ao Desperdício Alimentar (ENCDA), nomeadamente aquela que prevê a criação de locais específicos para venda de produtos em risco de desperdício. Segundo o Ministério, "pelo seu impacto mediático, o processo de diálogo entre a CNCDA [Comissão Nacional de Combate ao Desperdício Alimentar] e os representantes do retalho agroalimentar está em curso, com o objetivo de estabelecer, até ao final do ano, um compromisso voluntário para a criação de pontos de venda" que tenham este tipo de produtos, embora neste caso se esteja a falar mais de bens alimentares próximos da data de fim de validade e não de hortofrutículas "feios".
Em Portugal, há projetos, como o Fruta Feia, que visam combater o desperdício ao nível da produção, colocando no mercado fruta e hortaliça "feias", mas que respeitam a segurança e a qualidade alimentar. Atualmente, lê-se no site da cooperativa, conta com a participação de 162 produtores, 11 delegações e 4679 consumidores.
O Governo destaca exatamente o projeto Fruta Feia como um bom exemplo e esclarece que "estes produtos 'feios' não têm qualquer impedimento de comercialização, desde que estejam em condições sanitárias para o consumo humano". E sublinha: "Contrariamente ao que habitualmente é referido, as normas de comercialização da UE não são o motivo desse desperdício, pois apenas definem padrões para garantir que os consumidores são defendidos nos seus interesses, pagando um preço justo e adequado ao standard que está a adquirir, e garantem a respetiva normalização. Para combater esta tendência, há que primeiro esclarecer o consumidor, e por outro lado, desenvolver iniciativas que promovam e valorizem o consumo dos produtos que não reúnem tais critérios."
Em declarações à BBC, Stephen Porter, do Departamento de Geociências da Universidade de Edimburgo, diz que "encorajar as pessoas a serem menos exigentes relativamente à aparência da fruta e dos vegetais podia ajudar a reduzir o desperdício alimentar, diminuindo o impacto da produção de alimentos no clima".
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