Durante três anos, dois projectos europeus vão tentar resolver alguns problemas dos agricultores: um pretende criar um dispositivo barato para os avisar quando devem vindimar e o outro quer espalhar conhecimento sobre alterações climáticas.
Teresa Sofia Serafim 19 de Fevereiro de 2019, 7:17 Partilhar notícia
Uma equipa europeia liderada pelo Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia (INL), em Braga, está a desenvolver um dispositivo com sensores que será integrado em cachos de uva e permitirá avisar o agricultor sobre qual a melhor altura para vindimar. Para tal, tem 2,7 milhões de euros. Já outra equipa – também europeia – coordenada pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) vai ter um milhão de euros para espalhar informação sobre as alterações climáticas na viticultura entre instituições científicas, empresas e produtores.
Em meados de 2017, cientistas do INL tiveram conversas com a Sogrape (empresa de vinhos) em que procuraram resolver problemas dos viticultores através da ciência. Desde então que o INL e o Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores – Microsistemas e Nanotecnologias (Inesc – MN) têm vindo a desenvolver um dispositivo com sensores colocados em cachos de uva para medir remotamente o grau de maturação da uva e o stress hídrico da videira.
No final de 2018, esta investigação ganhou um impulso do programa Horizonte 2020 da Comissão Europeia. Com a duração de 36 meses, o projecto iGrape terá 2,7 milhões de euros, o que permite reforçar a equipa que já desenvolvia este dispositivo e trabalhar com um conjunto de outros parceiros, nomeadamente com a Universidade de Freiburg (Alemanha), a Universidade de Milão (Itália) e a Automation (empresa italiana).
No final, pretende-se que seja criada uma tira com sensores que se coloca no cacho de uva ainda na fase do bago de ervilha. "Como são pequenos e autónomos, os sensores podem ser espalhados ao longo da vinha. Numa área de um hectare podemos ter uma dezena ou mais deste tipo de sensores", explica Paulo Freitas, físico no Instituto Superior Técnico e vice-director-geral do INL.
Depois, nos meses antes da vindima, esses sensores enviarão informação sobre a maturação da uva para um posto na propriedade da vinha. Por fim, a informação chegará ao agricultor (por exemplo) através do telemóvel. O dispositivo terá uma bateria própria, pré-processamento de sinal e um módulo de comunicação sem fios.
"O objectivo final é dar essa informação ao agricultor de maneira barata, fiável e essencialmente instantânea para que possa decidir que parcela vai vindimar na melhor altura possível", diz Paulo Freitas, indicando que actualmente o cacho de uva ou é analisado em laboratório ou em espectrómetros móveis. Este dispositivo pode ser importante em regiões com orografia elevada como o Douro, onde as parcelas têm exposições solares variadas e a vindima pode variar duas ou três semanas em cada parcela.
Numa segunda parte do trabalho (mais difícil e que ainda não começou), pretende-se medir o stress hídrico da videira por detecção óptica. "Particularmente em zonas secas como Douro, até antes de Julho, a planta pode já estar com falta de água", frisa Paulo Freitas. Actualmente, essa medição é feita com equipamentos atrelados a um tractor ou jipe para apanhar folhas e extrair-se a sua água.
Além de simples e remoto, espera-se que o dispositivo seja reutilizável e barato: estima-se que cada conjunto de sensores custe dez euros. "Se se comprar 100 para se espalhar pelas vinhas, fica em mil euros, o que já é um valor razoável", exemplifica o físico.
Até agora, os protótipos foram testados em vinhas na zona do Douro e na Argentina. Contudo, o sistema pode ser usado noutras regiões. "Mas é mais importante em zonas em que haja exposições solares diferentes e onde em poucos hectares faça diferença começar a vindimar hoje ou daqui a três semanas", frisa Paulo Freitas.
O dispositivo poderá ainda vir a ser usado para detectar o nível de maturação de frutas em contentores ou armazéns.
E ajudará a enfrentar as alterações climáticas? "A informação que se tira depois pode ser trabalhada em várias coisas", responde.
As alterações climáticas na vinha são o tema do Clim4Vitis, um projecto também financiado pelo Horizonte 2020 e coordenado pela UTAD (que terá 350 mil euros). O objectivo do projecto é a transferência de conhecimento das instituições científicas de elevado desempenho na ligação com empresas (da Universidade de Florença, do Instituto de Ciência e Tecnologia do Luxemburgo e do Instituto de Investigação sobre o Impacto Climático de Potsdam, na Alemanha) para as instituições com baixo desempenho (a UTAD), empresas e produtores. Este projecto tem ainda a participação da Sociedade Portuguesa de Inovação.
A primeira iniciativa do projecto de três anos ocorre até quarta-feira na UTAD. Além de conferências com especialistas e de oradores como José Roquette (presidente da Herdade do Esporão), haverá workshops e um curso sobre alterações climáticas. O evento dirige-se a investigadores, produtores ou empresas e entrada é gratuita (mediante inscrição).
Durante o projecto (além de outras acções de divulgação), também serão desenvolvidos modelos cada vez mais completos da videira e a análise dos potenciais impactos das alterações climáticas na videira. Afinal, como explica João Santos (da UTAD e investigador responsável pelo projecto), há duas questões centrais sobre as alterações climáticas na vinha.
"A descida da temperatura fará com que as castas que eram mais adaptadas ao Sul do país ou às zonas mais quentes possam migrar para Norte e para maiores altitudes e zonas mais frescas no futuro", refere, frisando que as zonas mais a sul poderão ter de se adaptar a castas de regiões fora de Portugal.
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Há ainda a situação hídrica: todos os cenários de projecções climáticas apontam para uma diminuição da precipitação para Portugal. "Por isso, têm de ser feitas algumas medidas de adaptação e de mitigação desses impactos praticamente de parcela a parcela [de vinhas diferentes ou da mesma vinha] porque as condições climáticas são diferentes."
Sobre a forma como o sector vitivinícola está a encarar as alterações climáticas, João Santos elogia-o: "É um exemplo em Portugal. Acho que está muito avançado nesta questão." O investigador salienta que as grandes empresas e produtores, assim como os pequenos e médios produtores jovens e com formação académica, já têm tomado medidas a pensar num futuro com condições climáticas diferentes das actuais.
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