A substituição do pastoreio só poderá dar-se por outra atividade que garanta o mesmo retorno económico, como a agricultura intensiva, ou então dar-se-á abandono.
O Roteiro Nacional de Baixo Carbono (RNBC), que esteve recentemente em discussão pública, preconiza uma redução significativa do número de bovinos em Portugal em 2050 com base na constatação, correta, de que constituem um significativo contributo para as emissões de metano, um gás com forte efeito de estufa.
Atualmente, as emissões de gases com efeito de estufa de cada país são contabilizadas no que se chama uma perspetiva territorial, em que a totalidade da responsabilidade pela geração de emissões é do produtor. Assim, a Portugal são atribuídas as emissões dos animais no país, e não a totalidade das emissões geradas na produção de produtos animais consumidos no país. Logo, ter menos vacas implica contabilizar menos emissões. No limite, se Portugal importasse todo o leite e carne, as emissões animais creditadas ao país seriam zero. Porém, é claro que o consumo em Portugal é corresponsável por emissões que ocorrem noutros países por via das importações – e para o planeta, em termos das emissões de gases de efeito de estufa, o local onde se dá a geração do metano é irrelevante.
Globalmente, esta medida apenas terá então vantagens claras para o clima se a redução dos efetivos animais for acompanhada pela diminuição do consumo de produtos de origem animal ("espontâneo" e/ou devido a políticas públicas). Caso a diminuição dos efetivos bovinos seja compensada pela importação, existe um duplo efeito nefasto. Economicamente, o aumento de importações pioraria o saldo da balança comercial. Ambientalmente, o total de emissões geradas pelo consumo português de produtos animais poderia ainda aumentar, quer por maiores impactes da produção estrangeira, quer pelas emissões associadas ao transporte.
Adicionalmente, a redução do efetivo de bovinos não pode esquecer o ditado "no Alentejo, ou cem vacas ou sem vacas", isto é, a viabilidade da produção animal extensiva depende crucialmente da escala. É muitas vezes esquecido que a redução do efetivo terá, assim, de ser feita pelo abandono da atividade por alguns produtores, sendo então necessário responder à questão: o que acontecerá à terra quando deixar de ser usada para produção animal e o que farão os produtores? Tal implica conhecer as atividades económicas que substituirão a produção animal. O facto de os animais serem uma fonte de emissões não significa que os usos alternativos gerem menores impactes.
A substituição do pastoreio só poderá dar-se por outra atividade que garanta o mesmo retorno económico, como a agricultura intensiva, ou então dar-se-á abandono. Uma substituição, por exemplo, por produção cerealífera poderia produzir maiores perdas de solo em zonas que já são das mais desertificadas do mundo, como é o caso do sul de Portugal. Caso ocorra o puro abandono de qualquer atividade não florestal, é possível que os ecossistemas evoluam no curso natural de sucessão ecológica, acumulando cargas combustíveis que podem promover a ocorrência de incêndios, como já identificado para outras regiões no centro do país, o que seria inclusive um fator de insustentabilidade da exploração florestal no montado.
Finalmente, devemos ter em conta que a evolução tecnológica e das sociedades até 2050 vai ser enorme (comparemos o presente com o que era a tecnologia e a sociedade em 1990) – portanto, não devemos também trancar soluções para hoje com base no que será o mundo em 2050. A definição de políticas monotemáticas ambientais não pode ter vistas estreitas e não podemos fazer política de redução de metano em bovinos em Portugal, esquecendo efeitos económicos e sociais, os bovinos noutros países, o sequestro de carbono nos solos, as emissões devido aos incêndios florestais, a adaptação às alterações climáticas, a proteção do solo e a proteção da biodiversidade.
1 comentário:
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