quarta-feira, 27 de novembro de 2013

O nome das coisas: o Decreto-Lei nº 96/2013 é a "Lei do Eucalipto Livre"

JOÃO CAMARGO



Esta lei simplifica plantações de eucaliptos, mas complica a plantação
de espécies florestais autóctones como o sobreiro, o castanheiro, o
carvalho ou a azinheira

15:18 Quarta, 27 de Novembro de 2013 |

Produção de Eucaliptos no viveiro de Espirra, o maior viveiro de
plantas florestais da Europa. Esta unidade dos Viveiro Aliança, do
grupo Portucel Soporcel, tem capacidade para criar 6 milhões de
plantas de eucalipto
Divulgação

A onomástica é o estudo explicativo dos nomes. Nos dias em que vemos o
significado das palavras perder-se, em que os nomes se vão desligando
do que significam, é importante realizar exercícios de onomástica para
chamar as coisas pelos seus nomes.

Por estes dias discutiu-se no Parlamento, na Comissão de Agricultura e
Mar, o Decreto-Lei nº 96/2013 , de 19 de Julho. Para aumentar a
confusão que este número de série produz na cabeça das pessoas, não
tem sequer um subtítulo. Discutido anteriormente como Regime das
Acções de Arborização e Rearborização, seria difícil explicar o que
ele faz através deste subtítulo. Mais difícil ainda é explicar que a
única importância decisiva e histórica deste decreto é liberalizar a
plantação de eucaliptos, pelo que o seu nome verdadeiro não poderia
ser outro que não "Lei do Eucalipto Livre".

Nesta Comissão Parlamentar estiveram várias organizações: de
produtores, de académicos, ambientalistas, de cooperativas, e até
empresas como a Portucel e a Altri. Algumas das entidades presentes
afirmaram que esta lei não era sobre o eucalipto, como defendeu o
próprio Secretário de Estado das Florestas, mais que uma vez, dizendo
que o decreto visava apenas acabar com a burocracia na floresta.

Mas a "Lei do Eucalipto Livre" tem exclusivamente que ver com
eucaliptos e com a liberalização da sua plantação. Senão vejamos: esta
lei simplifica plantações de eucaliptos, mas complica a plantação de
espécies florestais autóctones como o sobreiro, o castanheiro, o
carvalho ou a azinheira, que passa a ter que ser comunicada. Que
simplificação da burocracia é esta, quando passa a ter que ser
comunicada, por exemplo, a plantação de sobreiros no meio do montado
alentejano ou de carvalhos no Douro?

Os autores e os defensores desta lei afirmam que ela deixa de
discriminar o eucalipto em relação às outras árvores. Discriminar? A
espécie predominante da floresta portuguesa é uma espécie
discriminada? Alguém pode defender que uma espécie plantada em 812 mil
hectares, 8,9% da área do país, é uma espécie atacada? Afirmam ainda
que esta lei não liberaliza a plantação de eucaliptos, uma vez que a
comunicação prévia, que é um deferimento tácito à plantação de
eucaliptos, apenas se aplica a áreas arborizadas abaixo dos 2
hectares. Mas se observarmos objetivamente que mais de 80% das
propriedades florestais do país têm menos de 2 hectares de área ou que
o prédio rústico tem em média de 0,5 a 1,2 hectares, podemos concluir
que há um deferimento tácito para plantação de mais de 80% das
propriedades florestais do país com eucalipto.

É nas áreas de plantação de eucalipto e pinheiro desordenadas, como
aquelas que esta lei criará em grandes e contínuas extensões, que o
país mais arde, ano após ano. São estas áreas que a "Lei do Eucalipto
Livre" pretende continuar a expandir, entregando a floresta portuguesa
nas mãos da fileira da celulose, que não quer ter nenhuma
responsabilidade pela floresta e pela sua manutenção, ordenamento ou
equilíbrio, mas apenas a possibilidade de extração máxima de madeira
produzida pelos milhares de pequenos proprietários que arcarão com
todo o risco.

O relatório mais recente do Painel Intergovernamental para as
Alterações Climáticas aponta uma subida de temperatura global em cerca
de 4,8ºC. Para a Península Ibérica, este valor chega a uma previsão
máxima de aumento de 10ºC, sendo a previsão mínima de 1,5ºC no Verão.
Com uma área de eucaliptal desordenado em expansão, uma das maiores do
mundo, as consequências são claras, e por isso a "Lei do Eucalipto
Livre" é também a "Lei do Incêndio Livre".

A "Lei do Eucalipto Livre" está neste momento em apreciação
parlamentar na Assembleia da República. Esta é a altura de
participarmos e de nos manifestarmos acerca da mesma. É altura de
contactarmos os representantes eleitos e em particular a Comissão de
Agricultura e Mar , que é a primeira responsável pelo parecer que será
transmitido ao Plenário do Parlamento sobre esta lei. É altura de
contactarmos os deputados e deputadas dos vários grupos parlamentares:
Vasco Cunha, Jorge Fão, Abel Baptista, Mário Simões, Isabel Santos,
Manuel Isaac, João Ramos, Helena Pinto, José Luís Ferreira, Cristóvão
Norte, Fernando Marques, Luís Pedro Pimentel, Maria José Moreno, Nuno
Serra, Pedro Alves, Pedro do Ó Ramos, Pedro Lynce, Ulisses Pereira,
Fernando Jesus, Glória Araújo, Miguel Freitas, Renato Sampaio e Rosa
Maria Bastos Albernaz . Porque é importante que nos lembremos não
apenas do nome das coisas, mas também do nome das pessoas. Perante uma
lei que tem um impacte histórico desta dimensão, é importante darmos
os nomes certos às pessoas e às leis. Contactem os deputados da
Comissão através do site da Assembleia da República, neste link:
http://www.parlamento.pt/sites/COM/XIILEG/7CAM/Paginas/Composicao.aspx
.

Se esta lei for revogada, não será a garantia de que no futuro tudo
correrá melhor. Se esta lei não for revogada, temos a garantia de que
no futuro, na nossa floresta e no nosso território as coisas correrão
bastante pior. Se ela seguir avante, poderemos prever para o ano de
2113 importantes alterações onomásticas, e provavelmente os nomes
Silva, Pinheiro ou Carvalho terão perdido todo o significado. Talvez
na aldeia de Eucaliptal de Cima, o Sr. Eucalipto se venha a casar com
a Dona Fogo para tentar emigrar para o grande Deserto do Sul. Não
temos tempo a perder com confusões linguísticas.

Revogar é a única palavra que temos de associar a este decreto-lei.

http://visao.sapo.pt/o-nome-das-coisas-o-decreto-lei-n-962013-e-a-lei-do-eucalipto-livre=f759210

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