14.07.2018 às 14h00
O fundo de investimento Route One Investment Company, que também tem participações na Google e na Microsoft já começou a plantar as primeiras amendoeiras, no final do ano passado, em Alvito e Aljustrel
Num espaço de três anos, de praticamente inexistente, a amêndoa passou a ser a segunda cultura mais importante em Alqueva, depois do olival
As negociações demoraram dois anos, num processo que envolveu reuniões nos dois lados do Atlântico, muitos prospetos e pedidos de informação técnica sobre características do solo, clima ou água. Até que deu frutos, e o fundo Route One Investment Company decidiu investir em Alqueva. As primeiras amendoeiras foram plantadas no final do ano passado, em Alvito e Aljustrel, mas agora que o ritmo de investimento, assim como a sua dimensão, acelerou é expectável que a pegada destes investidores sedeados em São Francisco, Califórnia, se espalhe para outras terras abastecidas pela água de Alqueva. Até 2020, o objetivo é ultrapassar os 3 mil hectares de amendoeiras, talvez chegar aos 4 mil. Entre aquisição de terra e os custos de plantação, o investimento total andará entre os €140 milhões e os €200 milhões.
A este valor acrescem mais €10 milhões, que estão a ser investidos na primeira de duas unidades de transformação de amêndoa que o fundo tem planeadas, perto de Évora. Quase concluída, a fábrica já vai poder receber as amêndoas que vão começar a ser colhidas naquela região no próximo mês de agosto, quando mais uma campanha arrancar. Além do descasque deste fruto seco, a unidade vai permitir a transformação em produtos alimentares, como snacks e leite de amêndoa, para mercados estrangeiros. Para o futuro, está a ser planeada a criação de uma marca própria. "Este investimento é de longo prazo, entre os 10 e os 20 anos", conta ao Expresso Bill Duhamel, o administrador da One Route. Por agora amêndoas, "mais tarde vegetais ou outros frutos secos, como os pistácios", acrescenta.
O fundo de investimento Route One, fundado em 2010, conta com participações em mais de uma dezena de empresas, do sector alimentar às tecnologias — incluindo a marca de nutrição Herbalife, a cadeia americana de lojas de material de construção Fastenal, o grupo de media Liberty Global ou a Post Holdings, uma das maiores companhias de produtos alimentares norte-americana. E, embora com participações mais modestas, está também presente em gigantes mundiais como a Alphabet (proprietária da Google) e a Microsoft. A carteira de ativos da empresa rondará os 2,3 mil milhões de dólares (€2 mil milhões).
O namoro entre Portugal e os norte-americanos, alheio à guerra comercial lançada por Donald Trump, tem primado pela rapidez, desde que a AICEP, a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, fez o primeiro contacto com estes investidores, na Califórnia. "Já investi em dezenas de países e nunca vi um executivo tão amigo do investimento", garante Duhamel, que ainda no passado mês de junho jantou com o primeiro-ministro António Costa, aquando da sua visita aos Estados Unidos, em que 'vendeu' as potencialidades de Alqueva a vários empresários californianos. Esta semana, foi a vez de o norte-americano deslocar-se a Portugal, para se encontrar com o ministro da Agricultura, Luís Capoulas Santos, e apresentar o projeto de investimento. "Estamos a falar de um investimento 100% privado, que nem sequer concorreu a fundos", sublinha o governante. "Com a situação de seca pela qual a Califórnia, que é o maior produtor mundial de amêndoa, tem passado nos últimos anos, chegar a um sítio como Portugal com disponibilidade de terra fértil e a estabilidade de fornecimento de água garantida por Alqueva é um sonho para estes investidores. Para eles, o Alqueva é a nova Califórnia", realça.
DO ZERO AOS 7 MIL HECTARES
O investimento em Portugal foi intermediado por outro produtor de amêndoas em Alqueva, José Leal da Costa, que viveu mais de duas décadas na Califórnia e trouxe para aquela região alentejana variedades californianas deste fruto seco, com um travo mais doce e uma aparência mais dourada — mais apetecíveis, por isso, aos consumidores, numa altura em que a procura mundial de frutos secos continua a ser maior do que a oferta. Os preços dispararam há quatro anos (para perto de €9 cada quilo de miolo de amêndoa ao produtor) e, desde então, apesar da correção, os agricultores olham com apetite para esta cultura.
O Alqueva não escapou a esta onda de entusiasmo. Por isso, ao lado das oliveiras, que representam metade da área regada pela barragem de Alqueva, avistam-se agora filas e filas de amendoeiras — desenhadas a régua e esquadro, tal como o olival moderno, em regime intensivo e superintensivo. Em sequeiro, um hectare de amendoeiras não dá mais do que 120 quilos; em regadio e em sistema intensivo, a mesma área de terra pode produzir mais de duas toneladas de amêndoa.
Como lembra José Pedro Salema, presidente da EDIA, a empresa que gere as infraestruturas de Alqueva, "em 2015, apenas existiam mil hectares de amendoal inscritos nesta área. Em 2018, são já 6700 hectares, com tendência para aumentar". Por agora, as amendoeiras ainda não estão a substituir oliveiras, visto que a área de olival já chega aos 44 mil hectares, numa altura em que a área de Alqueva ocupada está nos 80%.
Grandes grupos agrícolas espanhóis, que entraram no Alentejo para plantar olival, estão agora a fazer amendoais, como o grupo De Prado, de Córdoba, a companhia catalã Borges International Group ou a valenciana Importaco Terra. E os produtores portugueses também entraram nesta onda. Em Ferreira do Alentejo, no início de 2017, foi inaugurada a primeira unidade de descasque de amêndoa rija do Alentejo, através da Migdalo, uma sociedade gerida pela família Sevinate Pinto.
Nos últimos anos, conta o responsável da EDIA, o perfil dos investidores em Alqueva tem-se vindo a alterar e começam a entrar em cena fundos de investimento, como a Route One Investment Company: "São investidores completamente diferentes, que procuram diversificar produtos e reduzir o risco através da aposta em bens físicos, como terra."
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