quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Depois da Internet das Coisas eis-nos perante a Internet das Vacas


05.01.2019 às 18h00


São vacas totalmente tecnológicas que emitem informação em tempo real para o dono da manada. Estão ligadas via wi-fi à base de dados do agricultor, que fica imediatamente a saber se estão satisfeitas ou agitadas, doentes ou robustas, se saltaram a cerca ou, simplesmente, se estão prontas para dar à luz. Chegou a era da agricultura de precisão, com as vacas a produzirem mais e com mais qualidade
Vítor Andrade
VÍTOR ANDRADE
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Deambulam pelos pastos verdejantes munidas de sensores nas orelhas, à volta do pescoço, nas patas e também na cauda. As 'vacas tecnológicas' enviam informação em tempo real para a aplicação que o agricultor tem no seu smartphone sobre a temperatura do corpo, sobre os tempos de ruminação, as horas que passam a comer, os passos que dão, os trajetos que fazem e ainda sobre as vezes que levantam a cauda para expelir fezes, o que significa emissões de gás metano.

O que é que isto tem a ver connosco? Muito, especialmente se pensarmos que a informação enviada pelas vacas para a base de dados da exploração agrícola pode ajudar a ter animais mais saudáveis, mais robustos, mais eficientes e mais produtivos, o que, no fim do dia, pode significar leite ou carne de melhor qualidade à mesa do consumidor, com a certeza de que esses produtos vieram de uma exploração mais amiga do ambiente.

O NEGÓCIO FLORESCENTE DAS VACAS TECNOLÓGICAS
Por outro lado, a internet das vacas, que nasce do conceito da internet das coisas – vulgarizado pela expressão em inglês Internet of Things (IoT) - está a fazer despontar uma nova e florescente área de negócios: a venda de dispositivos eletrónicos e sistemas de informação para as grandes explorações agrícolas.

A IoT fornece dados sobre objetos e a internet das vacas envia dados sobre as manadas, permitindo a análise pormenorizada sobre o estado de saúde e sobre o comportamento de cada animal.

Os fornecedores tradicionais de fertilizantes e sementes, hoje já vendem também uma vasta gama de aparelhos para aplicar nas vacas e nas maquinarias agrícolas em geral, o que está também a contribuir para o surgimento de novas profissões tecnológicas ligadas à agricultura

"Estamos claramente na era da agricultura de precisão, com a chegada em força da digitalização ao mundo rural", frisa Ricardo Braga, professor do Instituto Superior da Agronomia e especialista em agricultura de precisão.

Explica que, como o agricultor está sempre a tomar decisões, com o manancial de informação que todos os dispositivos colocados nos animais lhe enviam em tempo real, "a sua intervenção no processo produtivo passa a ser feita com muito mais precisão e eficácia".

SE ESTÁ AGITADA, OU ESTÁ COM O CIO OU QUER PARIR
Por exemplo, se uma vaca emite sinais de alterações significativas na temperatura do seu corpo, o agricultor sabe de imediato que aquele animal em concreto pode estar doente e, assim sendo, será tratado de imediato.

Imagine-se, por outro lado, que uma vaca está mais agitada que de costume, dando indicações de trajetórias erráticas ou de que dá mais passos que o habitual, "provavelmente está com o cio ou, se já está prenha, pode ser um sinal de que está prestes a parir".

Ricardo Braga nota que a partir de agora o produtor de gado passa a dispor de um manancial 'brutal' de informação sobre os seus animais como nunca teve no passado. Resta agora saber tratar toda essa informação e, dessa forma, obter melhores níveis de conforto para os animais, mais produtividade por cabeça e mais rentabilidade por exploração.

Em Portugal já há algumas experiências em curso no Alentejo, na zona de Évora, com algumas manadas de animais. São casos isolados mas, em termos de agricultura de precisão, atualmente haverá, segundo o professor do ISA, perto de 40 grandes empresários do sector a utilizar já algumas tecnologias.

AGRICULTURA DE PRECISÃO JÁ VALE €3 MIL MILHÕES
A nível global os investimentos em agricultura de precisão representaram, em 2016, quase €3 mil milhões, segundo uma empresa de dados sedeada na Califórnia (Estados Unidos). Alguns analistas do sector, estimam que dentro de cinco anos, este conceito poderá valer qualquer coisa como €7 mil milhões e com tendência para continuar a aumentar.

Afinal de contas, e ainda de acordo com Ricardo Braga, a digitalização dos processos produtivos da agricultura vai de encontro às recomendações da FAO (organismo das Nações Unidas para a alimentação): com a população mundial a aumentar e a procura de alimentos a subir – e menos pessoas a produzir -, só uma gestão mais eficiente e mais inteligente poderá dar uma resposta adequada a esta nova realidade.

"Uma coisa é certa: com tantas vantagens associadas à agricultura de precisão, quem não souber tirar partido das tecnologias que já estão disponíveis em termos de digitalização da atividade produtiva dos campos vai ficar, seguramente, a perder".

O problema é que a maioria dos agricultores, tanto em Portugal, como no resto da Europa, têm explorações de pequena dimensão e, regra geral, não dispõem de recursos financeiros suficientes para se equiparem do ponto de vista tecnológico. "Por isso mesmo, é importante que o futuro pacote de Política Agrícola Comum (PAC) já inclua apoios específicos para este efeito, dirigidos aos pequenos agricultores", acrescenta Ricardo Braga.

GANHOS DE 30% NAS PRODUÇÕES AGRÍCOLAS
Este professor do ISA, que também faz parte do grupo de peritos da PAC, está ciente de que não há volta a dar em matéria de agricultura de precisão. "A digitalização do processo produtivo na agricultura disparou, à escala mundial, nos últimos quatro/cinco anos, depois de muito ceticismo. Mas os produtores já perceberam que só têm a ganhar pois, com a gestão minuciosa das suas explorações, conseguem identificar problemas atempadamente, isolá-los e solucioná-los de imediato, ganhando com isso tempo e dinheiro, reduzindo simultaneamente os custos ambientais".

Há relatos de casos internacionais que apontam para ganhos de produtividade – com a aplicação de suportes digitais na agricultura – da ordem dos 30%.

Ricardo Braga diz mesmo que o avanço tecnológico é tão rápido, neste domínio, que chega a ultrapassar a própria investigação. "Há tecnologias que alguns agricultores já adquiriram, que ainda nem sequer são utilizadas a 100% por ninguém estar ainda devidamente preparado para as utilizar em pleno", remata o professor.

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