ZIF Entre Douro e Sousa foi a 1.ª do Norte e 2.ª do país. Tem 7223 hectares, de 186 proprietários
Zonas de Intervenção Florestal gerem de forma agrupada terrenos de um grande número de proprietários, mas vivem sem perspetivas de sustentabilidade.
Do Alto da Regadinha (Penafiel), da torre de vigia de onde os sapadores alertaram para várias ignições em simultâneo, num sábado negro de 2017, toda a mancha verde que o olhar abarca faz parte da Zona de Intervenção Florestal (ZIF) Entre Douro e Sousa, uma das 188 do país. Naquele sábado de agosto, ardeu parte da floresta, menor do que teria desaparecido se não fosse tratada desde 2007. Preservar o que existe é, para já, a meta. Os objetivos são mais ambiciosos, mas para isso são precisos meios. "As ZIF são como bebés de dois anos, a quem o Estado tira todo o apoio e manda crescer sozinhos", diz Américo Mendes, presidente da Associação Florestal do Vale do Sousa, que gere quatro zonas florestais.
Sapadores prestam serviços a terceiros, para ter receitas
Foto: José Carmo/Global Imagens
As ZIF foram criadas em 2005 para incentivar os proprietários a unirem-se e entregarem a gestão das suas propriedades a uma entidade profissional. Com isso, é possível agrupar pequenas áreas até ter dimensão suficiente para viabilizar uma exploração económica, que dê rendimento aos proprietários e assegure a sustentabilidade e diversidade da floresta - em vez de a deixar ao abandono, como hoje é frequente. "Esse será o objetivo último, mas estamos longe de lá chegar", diz Américo Mendes.
Longe sobretudo porque as ZIF vivem "sem saber como será o mês seguinte". A consequência é visível, no terreno. Numa das raras tardes de sol deste início de primavera, encontramos uma das equipas de sapadores da associação a limpar uma mata que fica na berma da estrada, mas que não integra a ZIF, nem pertence a um associado. É um contrassenso: quando se prepara a defesa da floresta contra incêndios, os sapadores estão a trabalhar para terceiros, em vez de proteger a sua floresta. A razão é simples, diz Américo Mendes: "É preciso pagar salários".
Américo Mendes preside à Associação Florestal do Vale do Sousa
Foto: José Carmo/Global Imagens
É assim que se percebe por que razão, dos cinco elementos que devem integrar uma equipa de sapadores, só três avançavam pelo terreno à força de motosserras e motorroçadores, liderados por Francisco Ferreira, 63 anos e sapador florestal desde a criação das equipas, em 1999. O trabalho é duro e paga pouco mais do que o salário mínimo, que nem sempre chega ao banco a horas. Um segundo está doente e um terceiro trabalhou menos de um mês, até encontrar melhor emprego. No intervalo para lanche, Francisco Ferreira fez as contas a quantos sapadores já passaram pela sua equipa. "Mais de 50", calcula.
Causas e consequências
A causa dessa instabilidade financeira, identifica Américo Mendes, é a falta de apoio público a um tipo de projeto que demora anos a estruturar-se, ganhar força e dinâmica, até ser capaz de sobreviver sozinho.
Primeiro, o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas contrata um determinado número de horas de trabalho às equipas de sapadores para vigilância e prevenção de incêndios, no verão. Em troca, paga 40 mil euros, o que não chega sequer para os salários. E paga em tranches. "Recebemos no final de março e a tranche anterior tinha sido paga em outubro. Foram seis meses sem receita, numa altura em que não há trabalho alternativo", lamenta Américo Mendes. "Se fosse pago em fevereiro, quanta aflição se tinha poupado".
Segundo, muitas autarquias continuam alheadas da floresta, mesmo depois dos incêndios de 2017. As ZIF geridas pela associação abarcam Felgueiras, Paredes, Paços de Ferreira, Lousada, Penafiel e Castelo de Paiva. Destas, só uma - Felgueiras - tem assinado um contrato-programa com os sapadores, que executam no terreno as medidas do Plano Municipal de Defesa da Floresta Contra Incêndios. Fica a cargo de cada autarca decidir se contrata as equipas de sapadores e ajuda à sua sustentabilidade.
Envolver o poder local na sustentabilidade das organizações é fundamental, para que tenham viabilidade, defende Américo Mendes. Tal como atribuir os 25 milhões de euros do Fundo Florestal Permanente de acordo com a titularidade da floresta (95% é privada) e mediante a assinatura de contratos-programa de médio prazo, com metas auditáveis. "É preciso continuar a apoiar as organizações, até que um número suficiente de proprietários deleguem a gestão da sua floresta". Os sinais vindos da Secretaria de Estado das Florestas são, ao que parece, positivos.
Perguntas & Respostas
O que é uma ZIF?
l Uma Zona de Intervenção Florestal (ZIF) é uma forma de gestão agrupada da floresta, criada em 2005. Não tem personalidade jurídica, quem o tem são as entidades gestoras: são quase todas associações de produtores ou de proprietários florestais, mas há algumas cooperativas e empresas.
Porque foram criadas?
l Em Portugal, sobretudo nas regiões Norte e Centro, o tamanho médio das propriedades é notoriamente pequeno. A ZIF pretende agrupar, sob uma gestão única, um grande número de micropropriedades, de forma a ganhar economias de escala (dividir custos de limpeza e proteção, por exemplo) e rentabilizar a floresta (um objetivo ainda longe de ser cumprido).
Que critérios a cumprir?
l No final do ano passado, os critérios de constituição de ZIF foram aligeirados. A última versão do Decreto-Lei n.º 127/2005, de 5 de agosto, indica que tem de ter uma área de entre 500 e 20 mil hectares e incluir, pelo menos, 25 proprietários ou produtores e 50 prédios rústicos. Os terrenos devem ser contínuos.
Que vantagens tem?
l Um produtor ou proprietário pode entregar a gestão do seu terreno a uma ZIF e assim certificar-se de que cumpre a lei, com um menor custo. Além disso, se a gestão for profissional, aumenta a resiliência contra incêndios florestais. Nas candidaturas ao PDR 2020 (fundos europeus), o projeto terá uma maior pontuação.
Que serviços presta?
l Uma ZIF pode dar apoio técnico (conselho sobre espécies a instalar, controlo de pragas e doenças ou serviço de limpeza), realizar o cadastro do terreno com recursos a GPS, ajudar a avaliar e a vender madeira, apoiar candidaturas a apoios financeiros e acompanhar a relação do associado com entidades públicas, entre outros.
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