segunda-feira, 11 de março de 2019

Água reciclada ganha mais volume na agricultura


Ânia Ataíde e António Sarmento 02 Março 2019, 19:00

Segundo os especialistas, o regulamento agora aprovado pelo Parlamento Europeu deverá aumentar a utilização de água reciclada. Portugal deve apostar na eficiência e redução de perdas.

As alterações ambientais são cada vez menos um conceito abstrato, com os principais agentes nacionais e internacionais a procurarem desenvolver respostas concretas de combate e minimização dos efeitos nefastos. Com as secas a ameaçar cada vez mais países, a reutilização da água na irrigação agrícola ajuda a gerir a escassez deste bem tão precioso.


No dia 12 de fevereiro, o Parlamento Europeu (PE) aprovou regras para facilitar esse processo. "Este tipo de medidas, que permitem racionalizar os nossos recursos são por demais necessárias, sobretudo no setor da água onde percebemos que Portugal pode ter algumas vulnerabilidades. Por um lado, temos o impacto das alterações climáticas, com a subida global da temperatura média, que tem agravado situações de seca em alguns locais do país. Por outro lado, devido à nossa circunstância de proximidade marítima, temos a ameaça da salinização (entrada de água do mar) nos aquíferos que são explorados perto da costa", diz o eurodeputado José Inácio Faria, pelo Movimento Partido da Terra (MPT), ao Jornal Económico.

A ideia da reutilização da água já tinha sido implantada na Diretiva-Quadro da água e na Diretiva relativa ao tratamento de águas residuais urbanas. No entanto, considera o eurodeputado, "para esta avaliação devem contribuir todos os atores da cadeia de abastecimento, recuperação e tratamento, com o seu conhecimento técnico-científico e prático". Apesar de alguns Estados-membros do sul da Europa terem já alguns requisitos aplicáveis à reutilização de água, o problema não está restrito a esta zona, com vários outros países da UE a sofrerem períodos de seca e de sobreexploração das suas fontes de água. "Não há necessidade de termos água potável para consumo humano em todos os contextos de utilização de água. Pois se a UE concordou num Plano de Ação para a Economia Circular e se temos boas práticas em algumas nações europeias para a reutilização de água, faz todo o sentido que aproveitemos para outros fins as águas que passaram por nós uma vez, obviamente que com critérios de tratamento diferenciados para que sejam seguras em cada situação de reutilização", sublinha o eurodeputado.

Para Carla Graça, vice-presidente da Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável, este regulamento, agora aprovado pelo Parlamento Europeu, pode revestir-se de uma importância significativa. "Desde que se garanta a transferência da água reciclada dos centros urbanos – e dos grandes centros urbanos no litoral, onde o volume de água reciclada será maior e mais custo-eficaz – para as regiões com maior necessidade de água para as culturas agrícolas, que não se situam necessariamente no litoral", acrescenta a responsável.

O impacto em Portugal

Sobre que papel poderão ter as autoridades nacionais na promoção desta área, Carla Graça explica ao Jornal Económico que o principal papel depende da forma como as autoridades apliquem as regras em Portugal. "Deverão ser implementados sistemas junto das autarquias para que a água reciclada seja a principal origem nos usos urbanos de lavagem de frotas e pavimentos e regas de jardins e espaços verdes. Uma campanha sem que as opções sejam claras e a infraestrutura esteja criada terá pouco ou nenhum impacto".

Sobre o impacto desta medida no nosso país, onde medidas semelhantes já estavam a avançar, em paralelo com as diversas políticas de gestão de água que têm sido emitidas neste mandato da Comissão Europeia, José Inácio Faria explica: "Por via da pressão do problema da seca severa é interessante que, em Portugal, se pensem em utilizações alternativas para reutilização de água que não só a irrigação agrícola, como fez a Comissão Europeia e que motivou também as propostas de alteração do Parlamento Europeu".

É preciso não esquecer que Portugal e a Península Ibérica serão precisamente das zonas da Europa mais afetadas pelas alterações climáticas, estimando-se que as secas e o stress hídrico se venham a tornar cada vez mais frequentes.

"Portugal tem também que apostar na eficiência do uso da água e na redução de perdas, em todos os sectores, nomeadamente no abastecimento público de água (onde alguns municípios ainda registam perdas reais da ordem dos 70%) e na agricultura (com perdas estimadas da ordem dos 37%). Dificilmente, a utilização de água reciclada atingirá este nível de uso, pelo que reduzir perdas é talvez o factor mais determinante a resolver nos próximos tempos", conclui Carla Graça, vice-presidente da Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável.

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