6 de Abril de 2019, 6:44
O que esta sexta-feira aconteceu no Parlamento do Portugal democrático fica para a posteridade: os deputados dos três partidos de esquerda aprovaram o regresso da Casa do Douro ao seu funesto passado salazarista. Hoje, como no tempo do ditador, o que mobiliza a inteligência e a preocupação dos deputados é a mesma mesquinhez paternalista, o mesmo grau de convencimento de que os lavradores do Douro só sobrevivem sob a asa protectora do Estado, a crença de que na mais rica região agrária do país se trava uma luta de classes entre os agricultores explorados e os exportadores oligopolistas. No futuro, a Casa do Douro será uma instituição pública (o que contraria os modelos de gestão das restantes regiões vitivinícolas do país e da Europa) e, mais grave, quem quiser produzir vinho do Douro ou do Porto terá de se inscrever obrigatoriamente na instituição. O Portugal da esquerda recuperou o Portugal de 1932, ressuscitando no Douro um modelo inspirado no corporativismo de Salazar.
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Convém saber como chegámos até aqui para se ter um perfeito juízo sobre o monstro legal ontem parido pelo Parlamento. A Casa do Douro manteve os seus privilégios corporativos até muito depois do 25 de Abril. Foi sob a égide desses privilégios que se arruinou em negócios insensatos que abriram portas a gestores arrivistas e irresponsáveis. Mudar este estado de coisas que tinham deixado ao Estado uma dívida de 160 milhões de euros exigiu uma solução que, face à gravidade dos problemas, jamais poderia ser perfeita. Fez-se um concurso público para determinar a organização que ficaria encarregue de representar os interesses dos lavradores e para herdar o património remanescente da outrora majestática Casa do Douro. Fez-se o possível, sem que esse figurino institucional impedisse o sucesso dos vinhos do Douro e a notável resiliência dos vinhos do Porto.
Eis senão que a ideologia dos pobres e oprimidos regressa ao vale. Que o Bloco e o PCP, desde sempre defensores da mão de ferro do Estado nos assuntos durienses, advoguem o regresso da Casa do Douro salazarenta ainda se percebe. Mas o que quer o PS, ao questionar o princípio da liberdade de associação? Como vai lidar o Governo com todos os viticultores que, no exercício dos seus direitos, quiserem produzir vinho e recusarem inscrever-se e pagar quotas à nova/velha Casa do Douro? Como vai explicar à Comissão Europeia essa aberração jurídica? No Douro submetido a regras de gestão que resistem há 70 anos era preciso fazer mudanças e acompanhar o sinal dos tempos – até para reequilibrar a lamentável distribuição da riqueza gerada no Douro. Os deputados da esquerda preferiram acentuar esse apego ao passado.
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