quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A fúria do açúcar

15/12/10 00:04 | Helena Cristina Coelho

É o último artigo que se espera ver desaparecer das prateleiras das
lojas, sobretudo quando o tempo é de festa e se esperam doces na mesa
para, pelo menos, compensar um Natal cheio de amargos de boca.
Mas o certo é que, nos últimos dias, o açúcar começou a evaporar-se em
vários supermercados e grandes superfícies do País. Primeiro, porque
muitos vendedores começaram a moderar - e depois racionar - a venda
dos seus 'stocks'. Depois porque os próprios consumidores, inflamados
pelo pânico de faltar açúcar nas despensas ou, pior, de o terem de
pagar ao preço do caviar, correram às lojas para comprar o máximo que
podiam. Uma espécie de pilhagem que acelerou o desaparecimento de
açúcar das lojas e que levou até o ministro da Agricultura a apelar à
calma dos portugueses.

Portugal torna-se assim no primeiro país europeu a enfrentar uma crise
do açúcar, algo que não vivia há mais de 30 anos. Uma escassez que se
conta em três colheradas: os preços da matéria-prima, regulados por
Bruxelas, caíram para valores abaixo dos praticados nos mercados
internacionais, levando os tradicionais exportadores a preferir vender
a matéria-prima para outros países.
Por cá, a falta de açúcar em rama levou mesmo refinarias, como a da
RAR, a suspender temporariamente a produção e, como efeito secundário,
vários hipers e supermercados decidiram limitar as vendas. A redução
de matéria-prima disponível está, por isso, a provocar hipertensão no
preço do açúcar no mercado que continua a subir nos mercados
internacionais. E, se a procura continuar a aumentar enquanto a oferta
se torna mais escassa, há receios de que a escassez volte às
prateleiras das lojas nos primeiros meses de 2011.
Como as refinarias portuguesas continuam a ser alimentadas pelo açúcar
de cana que compram fora do País, a agitação dos mercados
internacionais pode trazer novas preocupações. Mas essa é uma
dependência que podia evitar-se se projectos como o da produção de
açúcar de beterraba em Portugal não tivessem sido abandonados. Há
cerca de 17 anos, a DAI criou uma sociedade para produzir açúcar a
partir de beterraba sacarina em Coruche. Foram até dados incentivos
aos agricultores da região para produzirem a matéria-prima. Passados
uns anos, a mesma Comissão Europeia que incentivara a aposta, diminuiu
a quota de açúcar de beterraba atribuída a Portugal por, alegadamente,
não ter conseguido cumprir as metas de produção definidas. Uma decisão
que, aliada a outros factores, inviabilizou a fábrica. E a empresa
acabou por trocar a lógica da beterraba pelo tradicional açúcar de
cana.
A dificuldade em ter alternativas próprias (que a produção de
beterraba, neste caso, poderia alimentar), é mais um exemplo de como
Portugal se coloca nas mãos dos mercados internacionais. É assim na
dívida pública, no financiamento da banca e em muitas outras
situações. Depender de terceiros pode ser confortável a curto prazo,
porque evita preocupações imediatas. Mas, como tudo o que é doce,
também se acaba. E, no final, essa dependência paga-se cara.
____
Helena Cristina Coelho, Subdirectora
helena.coelho@economico.pt
http://economico.sapo.pt/noticias/a-furia-do-acucar_106775.html

Sem comentários:

Enviar um comentário