26.05.2018 19:00
O quilo do ouro branco vai custar mais de 120 euros este ano. Culpados: a seca - as pinhas são mais pequenas - e a chuva que atrasou a apanha. É que esta ainda é feita à mão.
Portugal tem o melhor pinhão do mundo, mas são poucos os portugueses que comem regularmente o mais caro dos frutos secos. O chamado ouro branco, cujo quilo já atingiu os 120 euros em anos anteriores, é exportado e se volta ao País é misturado com pinhões turcos, chineses e paquistaneses, de pior qualidade.
Apesar disso, o preço mantém-se elevado e deverá aumentar este ano devido à seca, que não deixou crescer as pinhas. No início deste mês, o preço à porta da fábrica era de €41/kg, um valor que atinge mais do dobro quando chega ao consumidor.
Outra das razões é a colheita das pinhas ser ainda manual. Entre 15 de Dezembro e 31 de Março, o prazo legal para a apanha, centenas de homens sobem aos pinheiros mansos por escadas de ferro presas aos troncos e trepam pelos ramos até atingir a copa das árvores, muitas com 18 metros de altura. Aí, com a ajuda de varas com ponteiras ou ganchos, tocam nas pinhas para estas caírem no chão. É um trabalho demorado e perigoso e, por essa razão, bem remunerado: cerca de €100/dia.
Este ano, o prazo da apanha foi estendido até 15 de Abril por causa da chuva. "Os homens podem escorregar e cair e não trabalham quando chove. Só que a chuva não parou e não estamos a ter bons resultados", explica à SÁBADO Pedro Silveira, presidente da Associação de Produtores Florestais do Vale do Sado, onde se concentram 68% dos 78.000 hectares de pinheiro manso em Portugal. A campanha já terminou, mas ainda ficou muita pinha nos pinheiros e os produtores pediram nova prorrogação ao Ministério da Agricultura.
O preço do pinhão poderia diminuir se a apanha fosse mecanizada. Já existe um vibrador, que agarra o tronco e abana a árvore para fazer cair as pinhas, mas não é usado. "Os pinhais não foram plantados para fazer passar o tractor e o vibrador, semelhante ao da apanha da azeitona, só pode vibrar entre cinco a oito segundos e a determinadas rotações. Também não se pode vibrar a copa se tiver chovido ou se tiver caído geada", explica a engenheira florestal Conceição Santos Silva, assessora técnica da Associação de Produtores Florestais do Concelho de Coruche, outra das zonas produtoras. O uso incorrecto faz cair as pinhas que ainda estão a crescer e põe em causa a produção dos anos seguintes.
O ouro branco é fruto também da pouca quantidade de pinhões que cada pinha produz: um quilo (três pinhas) rende 15 a 45 gramas de pinhão. As pinhas demoram três anos a crescer e o rendimento tem baixado na última década. "Antes conseguíamos 4% de pinhão por cada quilo de pinha. Agora, não vamos além dos 2,5%", explica Pedro Silveira.
A quebra está a ser investigada por universidades portuguesas, mas é atribuída sobretudo a pragas. Em Alcácer do Sal, a qualidade do pinhão é considerada superior, devido à proximidade do mar, que protege as árvores de algumas pragas. Mas não de todas. "Há cerca de 10 anos foi introduzido um insecto dos Estados Unidos, o Leptoglossus, que suga o interior do pinhão. Ainda não sabemos como combatê-lo", diz o presidente da Associação de Produtores Florestais do Vale do Sado.
Para piorar, este ano foi também a seca que afectou a produção do pinhão. "No início da apanha colhemos pinhas em diversos locais e concluímos que a pinha é menor e tem menos pinhões" garante Conceição Santos Silva. Em Janeiro, o Sistema de Informação de Mercados Agrícolas (SIMA) confirmava uma quebra de produção de pinha de cerca de 25%.
Pinhão chinês e paquistanês
O pinhão português é considerado o melhor do mundo, mas é provável que não o tenha provado. "O pinheiro manso é mediterrânico, mas há pinheiros de outras espécies que também dão pinhão. Só que o nosso é melhor: mais comprido, estreito e com um sabor e um valor nutritivo excepcionais", diz Conceição Santos Silva.
O problema é que a maior parte dos produtores exporta a pinha ou o pinhão com casca, chamado pinhão negro. Os compradores - espanhóis, italianos e turcos - descascam o pinhão e vendem-no misturado com outros que provêm do Paquistão e da China, de menor qualidade.
Para evitar esta mistura, foi pedida, em 2015, a Denominação de Origem Protegida (DOP), que reconhece as características únicas de um produto oriundo de uma região geográfica específica. O pedido foi alterado para Indicação Geográfica Protegida e tem de ser aprovado pela União Europeia.
O valor do pinhão português foi reconhecido por três empresários que em 2014 criaram a fábrica PineFlavour. A ideia surgiu quando Pedro Amorim leu a tese de doutoramento que a mãe fizera sobre o pinheiro manso. "Ele ficou surpreendido por Portugal exportar cerca de 70% da pinha e perder a mais-valia do pinhão", conta à SÁBADO Margarida Martins, consultora de empresas que decidiu investir na fábrica de Grândola.
Inaugurada há um ano, a PineFlavour faz uma avaliação antes de comprar a pinha. "Não compramos a olho. Recolhemos 10 quilos de pinhas de várias zonas e calculamos a quantidade de pinhões de cada", diz Margarida Martins. A empresa também está a sentir os efeitos da seca: a pinha está 40% mais cara.
Em 2017, a PineFlavour facturou meio milhão de euros. Este ano, a previsão é o dobro e a equipa deve aumentar - de cinco para os oito funcionários. O objectivo é processar 25 toneladas de pinhões e foram compradas 600 toneladas de pinhas. Em Maio, estas serão espalhadas numa eira ao sol, entre cinco a sete dias, até abrirem. "Podíamos acelerar o processo numa estufa, mas abrir ao sol dá outro sabor ao pinhão."
O descasque do pinhão é moroso. Depois de aberta, a pinha é partida numa máquina que separa o pinhão negro. Este é guardado em sacas e colocado dentro de água durante 10 horas para amolecer. Fica a repousar 12 horas, seguindo-se um choque térmico que provoca uma fissura na casca. Então o pinhão passa para um ventilador que o dispara contra uma parede de aço e solta o miolo. Mas fica ainda uma pele castanha que é sugada do pinhão por outra máquina. O miolo é então lavado num jacúzi, seco a 75 oCelsius para eliminar bactérias e refrigerado. Segue-se uma escovagem para lhe dar brilho, uma selecção que separa os partidos e pigmentados e está, por fim, pronto a ser embalado.
Artigo originalmente publicado na edição 729, de 19 de Abril de 2018.
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