Maxwell Gomera | Edward Mabaya
15 de julho de 2018 às 14:00
Por todo o mundo em desenvolvimento, os agricultores estão a expandir áreas de cultivo numa busca interminável por solo fértil. Nesse processo, importantes habitats de vida selvagem estão a ser destruídos a um ritmo alarmante.
No passado dia 3 de Abril, o Reino Unido anunciou uma proibição de venda de marfim que se tornou "uma das mais rígidas do mundo". Ao restringir o comércio de marfim, o Reino Unido juntou-se a outros países – incluindo a China e os Estados Unidos – que recorrem a mecanismos de mercado dissuasores para desencorajar a caça furtiva e proteger uma espécie em vias de extinção. Tal como referiu o ministro britânico do Ambiente, Michael Gove, o objectivo é "proteger os elefantes para as gerações futuras".
Estes são, sem dúvida, gestos louváveis ao serviço de um objectivo nobre. Mas acabar com a venda de marfim, por si só, não irá reverter a diminuição nas populações de elefantes. Com efeito, a maior ameaça com que se deparam esta e muitas outras espécies reside numa actividade humana bastante mais comum: a agricultura.
Por todo o mundo em desenvolvimento, os agricultores estão a expandir áreas de cultivo numa busca interminável por solo fértil. Nesse processo, importantes habitats de vida selvagem estão a ser destruídos a um ritmo alarmante. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), se a actual tendência se mantiver, em 2050 o solo cultivável de todo o mundo terá aumentado em cerca de 70 milhões de hectares e grande parte das novas terras aráveis estará localizada em zonas que estão actualmente florestadas. O risco é maior na América do Sul e na África Subsaariana, onde o crescimento da população e a procura de alimentos afectarão mais intensamente as zonas de floresta tropical.
A pobreza está na raiz desta crise ecológica, mas as más práticas agrícolas perpetuam o ciclo da fome e da perda de habitats. Em África, por exemplo, o rendimento persistentemente baixo das culturas – muitas vezes correspondem a apenas 20% das médias globais – está relacionado com a fraca qualidade das sementes, a indisponibilidade de fertilizantes e a falta de irrigação. À medida que a saúde dos solos se vai deteriorando e a produção agrícola vai diminuindo, muitos agricultores não vêem outra alternativa a não ser procurar novos terrenos de cultivo.
Felizmente, existe uma forma de acabar com este ciclo vicioso. Estudos recentes revelam que a tecnologia e melhores práticas agrícolas podem aumentar a produtividade agrícola, ao mesmo tempo que reduzem a perda de habitats e protegem a vida selvagem. Esta abordagem, conhecida como "intensificação sustentável", visa impulsionar a produção das terras existentes recorrendo a técnicas como a gestão integrada de colheitas e o controlo avançado de pragas. Se aplicada amplamente, a intensificação sustentável pode até mesmo reduzir o a quantidade total de terras actualmente cultivadas.
Não se trata de um objectivo impossível. Nos últimos 25 anos, os agricultores de mais de 20 países de todo o mundo melhoraram a segurança alimentar, ao mesmo tempo que mantiveram ou aumentaram o coberto florestal. Segundo um estudo, entre 1965 e 2004 os agricultores dos países em desenvolvimento que plantaram sementes de elevada qualidade conseguiram reduzir os terrenos aráveis em perto de 30 milhões de hectares – uma área que é praticamente do tamanho de Itália. Estes ganhos poderiam ser ainda mais expressivos se os pequenos agricultores tivessem acesso a equipamento moderno, a uma melhor recolha e análise de dados, e a mais financiamento.
Os críticos argumentam que o aumento da produtividade das pequenas explorações agrícolas pode ser contraproducente, especialmente se isso incentivar os agricultores mais pobres a expandirem as suas áreas cultiváveis na esperança de aumentarem os lucros. Para evitar este cenário, as estratégias de intensificação devem fazer-se acompanhar por um sólido planeamento de conservação.
Ao mesmo tempo, contudo, não se pode simplesmente pedir aos agricultores dos países em desenvolvimento que deixem de usar os recursos não-agrícolas adjacentes aos seus terrenos. Muitas pessoas que vivem nas comunidades pobres dependem dos produtos florestais para terem combustível e materiais de construção, pelo que as políticas governamentais que proíbam o uso desses recursos sem oferecerem alternativas adequadas estarão provavelmente condenadas ao fracasso. Em vez disso, a abordagem ideal para a conservação nos países em desenvolvimento deverá associar o apoio agrícola e económico a limites rígidos à expansão das terras de cultivo.
Isso está longe de ser o que hoje acontece. Em todo o mundo, são investidos milhares de milhões de dólares anualmente na tentativa de resolução da degradação ambiental e da pobreza; muitos dos 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU estão de algum modo relacionados com estas duas preocupações. E, ainda assim, a maioria dos programas destinados a lidarem com estes problemas operam isoladamente. Isto é um erro: as soluções para a insegurança alimentar e para a perda de habitats devem estar mais bem integradas se quisermos que estes problemas sejam resolvidos.
Ninguém duvida que medidas bem intencionadas como a proibição do comércio de marfim possam reduzir o impacto ecológico da actividade humana. Mas, neste momento, a agricultura – a actividade com mais responsabilidade nos danos ao bem-estar de muitas espécies – não está a conseguir atrair a devida atenção dos decisores políticos. Enquanto isso não mudar, é bem provável que as estratégias governamentais de protecção da vida selvagem "para as gerações futuras" não sejam suficientes.
Maxwell Gomera é director do Departamento de Biodiversidade e Ecossistemas no Programa do Ambiente das Nações Unidas. Edward Mabaya é investigador senior na Universidade de Cornell.
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