Agricultura biológica. Acaba amanhã a Semana Bio, dedicada a esta
fileira crescente. Foi um sucesso para produtores, comerciantes e
consumidores. A INTERBIO lançou um documento-proposta para uma
política nacional no setor.
Luísa Schimdt (www.expresso.pt)
0:00 Quarta feira, 1 de Dezembro de 2010
Um velho arcaísmo mental, tantas vezes mal-intencionado, lançou uma
estranha aura sobre a chamada agricultura biológica. À volta dela não
faltam as ironias. Há sempre uns espertos enérgicos a sacudi-la como
se ela não passasse de um obscurantismo hippie dos anos 60.
A agricultura biológica, ou seja, produzida sem pesticidas de síntese,
sem fitofármacos, e praticada em solos não contaminados, é não só
saudável como não polui águas e terras. Muitas vezes os seus produtos
enquadram-se mal na normalização que desgraçadamente nos foi imposta
durante anos na pós-adesão à UE. Como se o destino de toda a produção
agrícola fosse uma linha de montagem e a automação do mercado. Foi
assim, por exemplo, que se arrancaram milhares de pomares de macieiras
autóctones (camoesa, bravo-de-esmolfo, etc.) para nos porem a comer
insípidas maçãs golden todas calibradas por igual.
Felizmente os tempos mudaram. Os consumidores não pararam nas últimas
décadas de aumentar a procura dos produtos de agricultura biológica.
Tornaram-nos por vezes produtos de luxo, produtos gourmet e portanto
caros. Mas nem sempre. Hoje com uma importante fileira já instalada,
os produtos biológicos impõem-se no mercado por uma simples razão: são
melhores. Melhores em sabor, duração, rendimento, e melhores para a
saúde pública, tanto alimentar como ambiental.
Para mais, esta fileira crescente não só mostrou grande resistência
aos embates da crise como até tem crescido. É por estas e por outras
que na Itália, França, Alemanha, Áustria... se tem expandido, e muito,
a agricultura biológica.
Ora, Portugal, que mercê de razões históricas nem sempre felizes
oferece condições naturais notáveis à criação desta galinha dos ovos
de ouro, parece que prefere negar o que todos os outros países
comunitários lhe mostram como caminho.
Comparem-se apenas as políticas de promoção da agricultura biológica e
das respetivas fileiras de transformação num país como a Áustria e num
país como Portugal. O abismo é imenso. Os governos austríacos têm
promovido uma verdadeira ofensiva estratégica a este nível -
informação, promoção, incentivos de vária ordem, apoio na ligação ao
mercado, etc. Por cá, nada, ou quase...
E não se diga que o problema é não haver em Portugal quem se dedique à
agricultura biológica. Passa-se exatamente o contrário: há cada vez
mais produtores de sucesso nesta área, e cada vez mais gente a querer
dedicar-se a ela. Mesmo com dificuldades, já se exporta. Apenas dois
bons exemplos: em Vila Real de Trás-os-Montes já existe a maior
produção nacional de cogumelos frescos e enlatados para consumo
interno e para exportação. No Alentejo, uma unidade pioneira produz,
desmancha, transforma, embala, distribui e exporta carne fresca
biológica (peru preto, borrego merino, bovino autóctone, porco preto e
cabrito serpentino).
A associação destes agricultores - INTERBIO - acaba de apresentar,
aliás, uma proposta de política nacional para o sector. Justamente
aquilo que angustiosamente lhe falta: políticas eficazes para a
constituição de uma fileira industrial agroalimentar que transforme a
matéria-prima no produto que o consumidor vai adquirir; e políticas
que promovam a exportação destes produtos de excelência.
Tem faltado também algum rasgo empresarial às grandes cadeias de
comercialização. Mas não faz mal, já que, cada vez mais, outros
circuitos mais maneirinhos, mais simpáticos e muito mais flexíveis e
ágeis vão fazendo o bom negócio que as grandes superfícies não foram
capazes de aproveitar. Sabemos que têm as suas razões, mas por alguma
razão essas razões noutros circuitos são menos razoáveis. Só nos
últimos dois anos - em plena crise - abriram várias lojas e pequenos
mercados, e no país já existem mais de 60, fora as lojas online.
Dir-se-ia que muitos consumidores, atingidos nas suas possibilidades
de adquirir pela lógica da quantidade, dão cada vez mais importância à
lógica da qualidade. Só assim se percebe a expansão do sector.
Hoje, que se reconhece a necessidade de apostar na produção, na
excelência, na exportação, não se percebe como é que o país não é já
uma grande referência mundial neste tipo de produtos. Valia a pena
perceber bem que coisas são feitas - ou não são feitas - nos infinitos
serviços do Ministério da Agricultura neste âmbito. Talvez se
entendesse melhor porque temos de viver um destino tão contrário ao da
Áustria, apesar de termos condições mais favoráveis do que ela. É que,
no nosso território minúsculo, apinha-se uma enorme variedade de
condições capazes de multiplicar as boas experiências.
O Estado, nos tempos que correm, não pode desperdiçar o próprio país.
E todos os horizontes viáveis são igualmente importantes: temos
(finalmente!) o cluster do mar. Precisamos do cluster da terra. Uma
terra que ficará duplamente grata: pela excelência do uso que lhe é
dado através da agricultura biológica e pelo inestimável benefício que
traz a qualquer território o cultivo e o cuidado das suas paisagens.
(...)
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