Os alimentos estão entre os mais penalizados pelas subidas dos preços,
mas os metais básicos e preciosos também conhecem novos recordes.
Jorge Nascimento Rodrigues e Vítor Andrade (www.expresso.pt)
16:22 Segunda feira, 10 de Janeiro de 2011
4 comentários
Partilhe
Principais variações percentuais dos preços das matérias-primas ao
longo de todo o ano de 2010. Da esquerda para a direita: açucar, ouro,
trigo, cobre, milho, café, prata e algodão
Se não tivesse caído tanta chuva no último mês, este ano poderia ser
de fortes ganhos para os produtores de cereais em Portugal. Ao
contrário, poderá ser particularmente mau para os consumidores, que
deverão ver subir ainda mais os preços de bens essenciais como o pão,
a carne ou o leite.
Os preços das matérias-primas agrícolas estão em alta e a subir, mas o
excesso de chuva acabou por ser nefasto para as sementeiras de outono.
A salvação do ano agrícola poderá estar nas sementeiras de primavera.
"Se estas correrem bem, os agricultores vão certamente sair a ganhar",
nota Vasconcelos e Sousa, presidente da Associação Nacional dos
Produtores de Milho e Sorgo (ANPROMIS).
Clima alterado traz mais fome
Em termos internacionais o cenário pode ser bem mais ameaçador. É que,
segundo Abdolreza Abbassian, economista-chefe da FAO - Organização das
Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, é muito provável que
os preços dos bens alimentares continuem a subir, devido à escalada
dos valores das matérias-primas. "Se, por exemplo, as condições
climáticas se traduzirem numa seca, na Argentina, e se começarmos a
ter problemas com o frio no hemisfério norte, a danificar as
sementeiras de trigo, então tudo será pior". Explica que está
preocupado e a verdadeira razão para isso é a imprevisibilidade das
colheitas. A tudo isto não será também estranho o facto de a população
mundial estar a ficar cada vez mais urbana, com menos gente a produzir
e mais a consumir.
Vasconcelos e Sousa concorda e reforça que com as alterações
climáticas a atividade agrícola em geral ficou muito mais vulnerável.
Nota que não há, neste domínio, uma procura perfeita e que,
normalmente, "quem tem fome não tem dinheiro e quem tem dinheiro não
tem fome". Defende ainda que estes mercados deviam ser regulados, até
porque cada vez mais se assiste à entrada de especuladores financeiros
neste domínio e que nada têm a ver com agricultura.
Se há uma relação direta entre a ação dos especuladores e o aumento
dos preços ou não, não se sabe ao certo. Seguro, é que o indicador de
preços da FAO para 55 matérias-primas alimentares alcançou no mês
passado os 214,7 pontos, acima do anterior máximo de 213,5 pontos
registado em junho de 2008, no pico do disparo dos preços das
commodities (mercadorias transacionadas em bolsa) anterior à falência
do Lehman Brothers e ao agravar da Grande Recessão.
Ganhos especulativos
Mas o ano passado não foi apenas de subidas nos preços agrícolas.
Praticamente, todas as commodities dispararam. Os mercados trocaram as
voltas aos economistas em 2010. Os analistas passaram parte do ano que
findou embrenhados a discutir se haveria uma recaída na recessão (a
célebre expressão americana double-dip), enquanto os grandes
investidores institucionais nas matérias-primas e nos metais preciosos
amassaram fortes ganhos especulativos.
O índice das commodities, do Commodity Research Bureau Index, disparou
67% entre o ponto mais baixo em 2009 e o final de 2010. Os campeões da
subida de preços em 2010 foram o algodão (mais de 98%), o café (mais
de 54%), o milho (quase 39%) e o cobre (cerca de 34%), apesar do maior
mediatismo que recolheram o trigo (seca da Rússia) e o açúcar (ainda
recentemente nas prateleiras dos supermercados).
No centro das atenções esteve o ouro, que viu o preço da onça subir de
1117 dólares em janeiro para 1422 a 31 de dezembro, batendo sucessivos
máximos históricos em valor nominal ao longo do ano. Mas,
completamente esquecida pelos media esteve a prata, que aumentou quase
70% - o que compara com 25% para o caso do ouro. A onça de prata subiu
de 18 dólares no início do ano passado para quase 31 no final do ano.
Este metal precioso procedeu ao longo de 2010 a uma correção na sua
relação com o metal amarelo. Em janeiro de 2009, uma onça de ouro
valia 77 onças de prata, mas em dezembro do ano passado o rácio desceu
para cerca de 50, e a tendência continua em baixa, ainda que muito
longe da relação histórica de 15 onças de prata para uma de ouro.
André Ribeiro, analista da BonsInvestimentos.com, diz que ao longo do
ano que agora começa, tanto o ouro como a prata irão passar por fortes
correções, o que pode resultar em excelentes oportunidades para
comprar. "Mas para os próximos 18 meses estima-se que o preço da onça
de ouro possa passar dos atuais 1400 para 2000 dólares, e da prata dos
29/30 para 40". Por seu lado, Bill Witherell, economista-chefe da
Cumberland Advisors, não deixa de sublinhar o papel da financeirização
extrema dos mercados de commodities como um facto novo na última
década. Witherell chama a atenção para o papel dos fundos de
investimento conhecidos pela designação técnica de Exchange-Trade
Funds (ETF, no acrónimo) cujo apetite por commodities tem disparado.
Um dos 'motores' desta financeirização é o excesso de liquidez global.
Entre 2000 e a primeira metade de 2008, este excesso aumentou 71% e as
políticas posteriores de combate à crise por via orçamental e
monetária alimentaram a injeção brutal do que muitos chamam 'dinheiro
quente'.
Para muitos analistas, esta tendência especulativa não vai, por isso,
abrandar. Para o professor Luís de Sousa, editor português do The Oil
Drum, poderá mesmo ocorrer um "pânico" a iniciar no mercado da prata,
que conduza a um disparo extraordinário dos preços nos metais
preciosos e depois, por arrasto, em todas as commodities. Algo similar
ao que ocorreu no mercado da prata e depois do ouro em finais de 1979
e em 1980. No caso de um pânico deste tipo, os bancos centrais terão
de intervir radicalmente. Mas os analistas não arriscam que políticas,
então, poderão ser tomadas.
Hiperinflação na China
O reverso da medalha deste disparo nas bolsas de commodities foi a
hiperinflação em diversos bens alimentares e nos fornecimentos a
vários sectores industriais. A China pode ser apontada como um caso
paradoxal. Segundo o Ministério do Comércio daquele gigante asiático,
18 produtos agrícolas em 36 cidades principais viram os preços crescer
62,4% nos primeiros dez dias de novembro em relação a igual período do
ano passado.
No cabaz mensal das famílias e nas contas das empresas, a outra
commodity que pesa é o petróleo. No caso da variedade de referência na
Europa, o Brent, o preço do barril de crude aumentou quase 14% no ano
passado, subindo para quase 95 dólares no final do ano, um valor que
já não se via desde março de 2008.
Petróleo a caminho dos 100 dólares
O preço do barril de petróleo não está no "clube" das commodities que
mais subiram em 2010. A variação anual do preço da variedade Brent, de
referência na Europa, foi de 14%, mas o suficiente para "saltar" de
patamar de preços.
De pouco mais de 83 dólares em janeiro para quase 95 dólares no final
de dezembro passado. O preço continua com oscilações diárias - por
vezes 'selvagens', de mais de 2% para cima e para baixo - mas
mantém-se perto dos 95 dólares. Numa observação mais longa, o preço do
barril subiu 43% entre dezembro de 2008 e dezembro de 2010, mas está,
ainda, longe dos máximos de junho e julho de 2008, que se situaram
acima de 130 dólares de preço médio mensal. As causas desta
volatilidade do preço do barril de crude continuam a encher muitas
páginas de artigos científicos.
O mais recente trabalho de Serhan Cevik e Tahsin Saadi Sedik,
especialistas do Fundo Monetário Internacional, aponta para duas
razões de peso que surgem estatisticamente com significado: a mudança
na procura agregada mundial com a dinâmica imprimida pelo crescimento
do consumo de petróleo pelas economias emergentes, que são menos
eficientes do que as economias avançadas, e a especulação financeira
gerada pelo excesso de liquidez global.
Os dois autores sublinham que o papel do aumento da procura
representará 2/3 da explicação do disparo dos preços entre 1998 e
2010, mas não deixam de acentuar o papel crescente da financeirização
dos mercados de commodities, incluindo o célebre mercado dos 'barris
de papel'.
Recorde-se que as economias emergentes já representaram 47% da procura
do petróleo em 2009 e que o consumo dessas economias entre 1990 e 2008
implicou 69% do aumento mundial de consumo dos barris de crude,
referem os dois autores em "A barrel of oil or a bottle of wine: how
do global growth dynamics affect commodity prices", divulgado esta
semana.
http://aeiou.expresso.pt/alimentos-escalada-de-precos-vai-continuar=f625100
Sem comentários:
Enviar um comentário