MERCADO INTERNACIONAL DISPARA
por Vera Monteiro
Portugal importa 100% do açúcar e produz apenas 50% da carne de vaca
que consumimos. A dependência do exterior colocou o País muito
vulnerável às oscilações de preços que se registaram em Dezembro nos
mercados internacionais.
Os preços dos alimentos atingiram novos máximos em Dezembro,
ultrapassando os níveis da crise alimentar registados em 2007/2008. Os
dados apresentados pela Organização das Nações Unidas para a
Agricultura e Alimentação (FAO) são mundiais, mas deverão ter reflexos
graves em Portugal, que importa boa parte dos alimentos que consome.
A situação é "alarmante", diz o economista da Organização, Adbolreza
Abbassian, citado pelo Financial Times. Apesar de não considerar a
situação um cenário de crise, o responsável adianta que "seria pouco
inteligente assumir que é o pico", porque os preços vão aumentar mais.
Depois de aumentar durante seis meses consecutivos, o índice da FAO
subiu quase 4,2% no último mês do ano, alcançando 214,7 pontos, o
valor mais alto desde o início das medições, em 1990, e bem acima dos
níveis atingidos durante o Verão de 2008, que resultaram numa crise
alimentar em diversos países, com protestos e vítimas mortais. Segundo
o relatório, a subida de Dezembro foi provocada pelo aumento da carne,
açúcar e cereais (motivado pelas más colheitas do trigo), valendo o
facto de o preço do arroz, um dos cereais mais importantes da
alimentação mundial, se manter estável.
A FAO acredita que os países mais pobres terão de pagar mais 11% para
importar alimentos, mas o aumento vai atingir também as economias
desenvolvidas. Para já, a subida de preços está a reflectir-se no
índice de inflação para valores superiores ao desejado pelo Banco
Central Europeu (BCE).
Para Portugal, o cenário é considerado "muito preocupante", de acordo
com a secretária-geral adjunta da Confederação Nacional de
Cooperativas Agrícolas e do Crédito Agrícola de Portugal (Confagri),
Maria Antónia Figueiredo, que considera Portugal muito vulnerável à
oscilação de preços por ser demasiado dependente do exterior.
"Se somos muito dependentes, somos muito vulneráveis a qualquer
aumento de preços que haja ao nível do mercado internacional",
afirmou. A também presidente do Observatório dos Mercados Agrícolas e
das Importações Agro-Alimentares (OMAIAA) sublinha que Portugal não
produz açúcar, depende muito das importações para produzir pão,
produz apenas 50% da carne de vaca que consumimos e está apenas
próximo da auto-suficiência no caso dos suínos e das aves, que têm
sido também afectados pela subida dos preços, porque a base das rações
são os cereais.
"Só somos auto-suficientes no vinho e no leite", aponta Maria Antónia
Figueiredo. A engenheira apela, por isso, a que Portugal encare "a
agricultura como um sector estratégico". "Metade do País está
desertificada e despovoada" e é preciso promover a produção nacional,
mantendo "um mínimo de segurança na alimentação".
Portugal é auto-suficiente:
- Leite
Portugal regista um grau de auto-suficiência superior a 100% nas
bebidas à base de leite e na quase generalidade dos produtos com menor
grau de diferenciação como o leito de consumo (107%) e em particular
na manteiga (139%) e no leite em pó (137%). Por outro lado, o nível de
auto-suficiência nos produtos de alto valor acrescentado, como os
queijos e os iogurtes, apresenta valores muito baixos (de cerca de 78
e 45%, respectivamente). Os excedentes são normalmente escoados para a
União Europeia, com excepção do queijo, onde o mercado específico de
emigração nos EUA e o de países em desenvolvimento, como Angola, tem
uma forte expressão.
- Vinho
Historicamente ligada a Portugal como actividade agrícola relevante, a
produção de vinho corresponde a 14% do ramo agrícola nacional, tendo
contribuído, entre 2004 e 2006, com uma média de mil milhões de euros
por ano. As exportações concentram-se no vinho de mesa, com o vinho do
Porto a gerar os maiores montantes, sempre acima dos 330 milhões de
euros por ano desde 2000 e representando em 2007 55% do valor total. A
UE absorve 70% das exportações, em particular os mercados francês e
inglês. Já o vinho da Madeira tem sobretudo quatro mercados: França,
Reino Unido, EUA e Japão.
- Carne aves e suínos
A situação relativa à carne de suínos e aves é diferente da da carne
bovina já que Portugal é praticamente auto-suficiente naqueles dois
segmentos, segundo as declarações da presidente do Observatório dos
Mercados Agrícolas e das Importações Agro-Alimentares. Na carne suína,
Espanha é o principal cliente: em 2007, absorveu cerca de 58% das
vendas.
A produção de aves tem registado ao longo dos últimos anos um
crescimento bastante sustentado, correspondendo agora a um valor de
auto-aprovisionamento a nível da auto-suficiência com um valor de 95%.
Portugal é grande importador:
- Açúcar
Portugal importa actualmente 100% das matérias-primas para
transformação deste produto. Apesar de Portugal ter uma quota de
produção de açúcar a partir de beterraba sacarina da ordem das 70 mil
toneladas em 2004, o excesso do produto a nível europeu levou ao
encerramento de inúmeras unidades de produção. "Centenas de produtores
abandonaram a beterraba e a fábrica agora produz a partir da
cana-de-açúcar, que tem de importar a preços elevados", explica João
Machado, presidente da Confederação dos Agri- cultores. O preço do
açúcar no mercado internacional continua a subir impulsionado pelo
aumento do consumo nos países emergentes e da produção de
biocombustíveis.
- Cereais
Apesar das previsões iniciais favoráveis, a produção mundial de
cereais deve contrair 2% em 2011 e não se expandir mais de 1%, como
foi anunciado. A par, está prevista uma contracção do stock de 35%
para a cevada, 12% para o milho e 10% para o trigo. Apenas o arroz
deve subir 6%. As recentes inundações na Austrália, depois da seca do
Verão passado na Rússia, que levou à limitação das exportações por
parte do Governo, prometem continuar a fazer subir o preço dos
cereais. Dependente da importação de cereais em cerca de 70%, o preço
pode reflectir-se também no preço do pão.
- Carne de vaca
Assegurando actualmente apenas 50% do consumo de carne de vaca,
Portugal tem razões para ficar duplamente preocupado. Apesar de
grande parte das importações portugueses serem maioritariamente
provenientes de Espanha, as cheias na Austrália, segundo produtor de
carne bovina a nível mundial, vai fazer subir o preço do produto nos
mercados de matérias-primas. Por outro lado, a subida dos cereais,
usados na alimentação do gado, encarece também a produção nacional,
para além da internacional. Os efeitos já estão a fazer-se sentir, com
os custos da produção a aumentar cerca de 30% em 2010.
http://dn.sapo.pt/bolsa/interior.aspx?content_id=1756913&page=-1
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