quarta-feira, 9 de abril de 2014

"A Ovibeja não dorme na forma"

Entrevista a Manuel Castro e Brito, presidente da ACOS - Agricultores do Sul


Clique para aumentar
Manuel Castro e Brito, presidente da ACOS-Agricultores do Sul


Todos os anos a Ovibeja parece a mesma, mas todos os anos se renova.
Este ano o lema principal da feira tem a ver com a inovação agrícola e o aparecimento de novos produtos, a chamada “Terra Fértil”. É uma aposta em novos conteúdos?

É uma outra fase que estamos a passar aqui no Alentejo. Por um lado, é a modernização das explorações agrícolas, com novas culturas, mas muitas vezes voltando ao que era antigamente. As explorações que não têm água terão que fazer agora com a nova PAC uma gestão mais ecológica, responder a mais exigências de boas práticas ambientais. E é esta a abordagem que temos de fazer, seja com a presença da água, com o regadio, seja devido à nova PAC onde o bem-estar e o ambiente têm muito peso.

É a água de Alqueva que já está a permitir novas culturas?

Sem dúvida. Na área das horto-industriais, frutícolas, mas sobretudo na cultura do olival o que fez com que sejamos já auto-suficientes em azeite e com uma perspectiva, a muito curto prazo, de sermos grandes exportadores de azeite. Também a cultura do milho tem avançado muito nesta região.

As culturas ligadas à água requerem normalmente grandes investimentos. Tem havido essa disponibilidade?

O investimento é brutal. Mudar uma exploração de sequeiro para regadio é um investimento muito grande para o agricultor. Aliás, o grande investimento que se está a fazer aqui no regadio do Alqueva é o investimento privado, que é feito pelos agricultores. São investimentos muito grandes, numa altura em que os juros estão muito altos. 

Ainda sobre Alqueva, considera que a promessa do Governo de ter a obra concluída em 2015 se vai cumprir?

Os agricultores têm que acreditar naquilo que foi dito pelo primeiro-ministro aqui na Ovibeja há dois anos, de que em 2015 o projecto está concluído. Aliás, as obras neste momento estão com uma grande dinâmica nos dois blocos de rega Baleizão-Quintos e Cinco Reis-Trindade.

Existe falta de mão-de-obra

Este tipo de culturas exige sempre mais mão-de-obra, pelo menos sazonal. Há, por vezes, o recurso a trabalhadores estrangeiros, em condições precárias e em más condições de trabalho.
Como é que a ACOS vê esta situação?

Não estou de acordo que se diga que existem más condições de trabalho. De facto existe alguma comunicação social que gosta de especular e com a necessidade que têm de vender as notícias e os jornais arranjam problemas onde, de facto, não os há. Mas também é verdade que se existirem alguns problemas nesta área terão que ser encarados como problemas legais e casos de polícia, que devem ser resolvidos, pelas entidades competentes.

Mas existe falta de mão-de-obra?

A verdade é essa. Não temos mão-de-obra. Não é nenhum drama, mas os portugueses, pelo menos nesta região, não respondem à oferta que existe no mercado de trabalho na agricultura.

…uma oferta sazonal…

Sim, é uma oferta sazonal, seja para apanhar azeitona, para fazer a poda das oliveiras, da vinha, para trabalhar nas estufas, enfim, existe uma oferta de trabalho sazonal , deslocalizada, não é sempre no mesmo sítio, e arriscamo-nos a não ter mão-de-obra. Neste momento o país que mais emigra para trabalhar na agricultura em Portugal é a Roménia. Em 2014, a Roménia passou a ter acesso a toda a União Europeia, com base na livre circulação e, como tal, poderão optar por outros países que possam oferecer salários mais altos. Por outro lado, não tem havido da parte do Estado português uma preocupação com este assunto, nomeadamente ao nível do ministério dos negócios estrangeiros de forma a fazer-se um planeamento do pessoal que precisamos para a agricultura, e procedimentos legais.

E porque é que isso não tem acontecido?

Penso que toda a gente anda distraída no meio disto. Do que se fala é que Portugal exporta, Portugal está muito bem na agricultura, o que não é verdade, embora se esteja um pouco melhor, mas está a ser feito um grande esforço por parte dos agricultores que precisam destes apoios. Não é só o dinheiro, ou ajudas, ou subsídios que são importantes. Este tipo de apoios também o são e, mesmo na parte fiscal, há coisas que podem ser feitas relativamente a este tipo de trabalhadores. Os agricultores, nesta região, contactaram os serviços de finanças para serem responsáveis pelo IVA que é cobrado pelas empresas que vêm aqui fazer empreitadas na área agrícola. Não tivemos qualquer resposta. Há, de facto, uma alienação da parte da administração para estes problemas. 

Este tipo de trabalhadores são sempre contratados através de empresas especializadas e não em nome individual?

Geralmente são empresas que contratam esses trabalhadores e que depois fazem contratos com os agricultores que precisam dos serviços.

O Alentejo está a ter mais dinâmica

O Alentejo hoje está mais rico, está melhor, do que antes de Alqueva?

Vai estando. Há zonas em que se nota algum desenvolvimento. Primeiro, em virtude das obras que trazem empresas e trabalhadores para aqui e que vão dando dinâmica à região. Depois, há empresas ligadas ao regadio que também têm vindo para cá, com maquinaria agrícola, e, de facto, começam-se a ver nesta região do Alqueva outras perspectivas. Também há gente nova que vai ficando nestes novos sectores e isso é muito importante.

Mas falta ainda outro patamar: será o do aproveitamento agro-industrial?

Esses investimentos também estão a chegar a pouco e pouco. Os lagares também são indústria. Nós temos muitos e óptimos lagares e adegas. Outros tipos de agro-indústrias chegarão a toda a hora, mas de qualquer maneira eu penso que se não fosse o regadio esta região estaria muitíssimo pior do que está neste momento.

Tem sido anunciado, desde há um ano e tal, uma grande entrada de jovens na actividade agrícola.
Já é possível fazer um balanço sobre os resultados deste movimento?

Eu não o consigo fazer. Quem o pode fazer é quem recebe os projectos de investimento de jovens agricultores, seja o PRODER ou o Ministério da Agricultura. No entanto, o que noto é que houve uma grande especulação sobre este assunto. E penso que não é de bom gosto estar a embandeirar com frases como “a agricultura vai ser solução para o desemprego dos jovens”, ou “venham para a agricultura porque é um sector que compensa”. A agricultura é um negócio complicado, porque requer “know how”, requer capital como todos os negócios, mas está muito dependente do tempo e ninguém controla o clima. É preciso que haja bom senso, alguma prudência neste aspecto dos jovens na agricultura. Eles fazem falta, é bom que estejam, mas não é uma propaganda que se possa fazer de ânimo leve.

Já há pouco se referiu à reforma da PAC. A reforma da Politica Agrícola Comum vai trazer alterações à actividade dos agricultores?

Em 2015 ela estará no terreno e traz um novo modelo, numa lógica que junta a produção com as obrigações ambientais.

Mas é uma boa reforma?

Na nossa visão é a reforma possível, já que cada vez há mais países e o orçamento é o mesmo ou tende a diminuir.

A Ovibeja criou uma matriz para as feiras

Olhando agora para a Ovibeja, esta é já uma feira com o seu lugar bem definido no panorama nacional?

Sim, mas a Ovibeja não “dorme na forma”. Todos os anos temos mais desafios, todos os anos temos mais investimentos, todos os anos procuramos uma diferenciação comparando com o geral das feiras. Sem falsa modéstia, tenho muito orgulho em dizer que a Ovibeja criou uma matriz para as feiras de norte a sul do país. Não havia rocks’n’rolls nem espectáculos à noite em nenhuma feira. A Ovibeja pôs isso no terreno e hoje em dia há em todas. Não havia dj’s, a Ovibeja apareceu com dj’s, não havia exposições temáticas… De há 15 anos para cá a Ovibeja faz sempre exposições de vários temas, da produção, à água, ao ambiente, ao azeite e ao vinho, etc., numa atitude pedagógica para quem a visita, sejam novos ou velhos. De facto a Ovibeja presta um serviço não só à agricultura, mas sim à população, ao consumidor em geral, que aqui tem a possibilidade de aprender muita coisa e saber aquilo que come. Por outro lado, a Ovibeja continua a ser a maior concentração de gado exposto numa feira e vem muita gente de todo o lado para mostrar às crianças um animal vivo. É aqui que vêm ver os animais que vivem no campo.

A Ovibeja tem conseguido dar também outra imagem mais positiva, mais dinâmica do Alentejo?

Sem dúvida nenhuma. A Ovibeja, por si só, é um exercício de dinâmica, de coragem, de ir para a frente. A Ovibeja nunca teve um discurso lamechas. A Ovibeja tem sim reivindicado aquilo a que a agricultura, e as regiões do interior têm direito. É muito fácil dizer que o Estado vai deixar de investir em estradas porque já se construiu muito. Claro que é fácil para quem tem auto-estrada à porta e linha de caminho-de-ferro electrificada diga isso, porque já tem. Mas os que não têm nada disso, como é o nosso caso, não podem ficar calados. Estas coisas têm que ser abordadas pelo bom senso e não pelo lado da propaganda política. Estamos todos fartos disso.

Turismo também em alta

Mas a verdade é que quando se olha para o Alentejo há dois sectores que se estão a destacar pela positiva. Um é a agricultura, outro o turismo. E no campo turístico a Ovibeja também tem desempenhado um papel importante.

Isso é verdade, porque há muitos portugueses que descobriram agora a América, e a América aqui é o Alentejo. As pessoas não sabiam que de manhã quando comiam o papo-seco isso vinha de qualquer lado e que quando comiam as batatas elas não nasciam nas mercearias nem nos supermercados. Penso que as pessoas evoluíram, têm mais cultura e começam a atribuir mais valor às coisas simples, à génese das coisas. Com o turismo passa-se exactamente o mesmo, penso que já se ultrapassou aquela fase pacóvia dos casinos e dos grandes aglomerados nas praias superlotadas e começa a haver uma procura mais evoluída, mais jovem, para o interior do país e aqui para o Alentejo. Por outro lado, a especulação imobiliária que houve, com todos esses yuppies e com todos os negócios na área dos serviços, deu aquilo que deu e, finalmente, começa-se a olhar para o sector primário como um investimento e um trabalho sério, que não especula, até porque está assente na terra que, muitas vezes, vem já de há gerações na mesma família.

Na Ovibeja, este ano, vamos ter o espaço Terra Fértil, que é um espaço dedicado à inovação e aos novos produtos da terra, que outras novidades se podem encontrar?

As novidades são trazidas, a maior parte delas, pelos nossos expositores. Eu costumo dizer: a Ovibeja é sempre a mesma coisa, mas sempre também com novidades. Mas já há pouco por inventar, não há dúvida. Por isso fazemos um esforço, sempre com a ajuda dos nossos expositores. No ano passado demos já um salto com um novo espaço onde existe alguma experimentação de culturas, onde está a maquinaria agrícola, e a que chamámos o Campo da Feira. Este ano vamos melhorá-lo, já temos as culturas no terreno… Esta é uma feira muito grande e é preciso muito tempo para quem a quer visitar em pormenor.

A Ovibeja é também, em geral, uma feira que serve de palco para os vários discursos políticos se fazerem ouvir. Este ano a feira realiza-se pouco tempo antes das eleições europeias e essa característica vai manter-se, por certo…

Todos os políticos que aqui vierem são bem vindos. A Ovibeja faz-se sempre, com ou sem a classe política. Se a classe política vier, a organização fica muito satisfeita e muito agradecida porque é necessário que eles vejam o que se passa no Alentejo. E a Ovibeja, quer se queira ou não, é a montra do Alentejo. Temos tido a sorte de muitos políticos serem adeptos da Ovibeja, mas há também alguns que não gostam muito da Ovibeja.

Os 40 anos do 25 de Abril

Outra marca da Ovibeja são os concertos à noite, virados para um público mais jovem. Este ano o cartaz integra, entre outros, Gabriel, o pensador, e os Buraka Som Sistema…

Nós temos sempre uma grande afluência para os espectáculos da noite. São sempre bons grupos, bons artistas e a organização investe nessa área. A Ovibeja não fecha, funciona 24 horas por dia. Há aqui uma grande descontracção, mas também uma grande responsabilidade porque, felizmente, não têm acontecido problemas de monta.

E sentem que a noite e os concertos são um dos grandes momentos de atracção da feira?

Sem dúvida. Aliás nota-se que os mais jovens começam a invadir, no bom sentido, a feira a partir das 7 horas da tarde. Nota-se imediatamente a afluência, o que é também muito positivo para todos os expositores.

A realização desta Ovibeja é quase coincidente com as comemorações do 25 de Abril de 1974. Embora seja uma obra de uma associação de agricultores, uma feira deste género só pode existir num contexto de liberdade como o actual ou poderia ter existido noutro contexto político?

O 25 de Abril passou-se há 40 anos. Foi o que foi, é o que é, tem vertentes muito positivas e a principal é a liberdade, é o eu poder estar aqui a dizer coisas sem estar com problemas de que poderei ser perseguido pelo que estou a dizer. E essa foi uma grande conquista também da minha geração, porque eu sou exactamente da geração do 25 de Abril. Foi um movimento que os partidos políticos tentaram monopolizar, mas antes do mais foi um movimento das pessoas, dos cidadãos, principalmente dos jovens e também daqueles que passavam os melhores anos da sua vida na guerra, na chamada nessa altura guerra do ultramar e o movimento do 25 de Abril partiu daí. Eu fui um desses jovens, estive mais de dois anos em Angola. É inegável que o 25 de Abril trouxe mais justiça e melhores condições de vida para os mais pobres e também o acesso aos direitos primários como a alimentação, a saúde e a educação, houve um grande desenvolvimento e melhoria de vida que hoje é evidente nas gerações mais novas. Também houve injustiças tremendas e a destruição de muitas infra-estruturas, tanto da agricultura, como da indústria, como outras, e a pilhagem de várias pessoas e de várias empresas. Aconteceu, foi há 40 anos e felizmente foi uma revolução pacífica. Há várias efemérides que até já deixaram de ser feriado. O 25 de Abril, por enquanto, ainda é.

Fonte:  Ovibeja

Sem comentários:

Enviar um comentário