Benedito Braga | DIREITOS RESERVADOS
O presidente do Conselho Mundial da Água, Benedito Braga, de nacionalidade brasileira, diz que é preciso investir na resiliência e segurança hídricas a nível global, com a construção de novos reservatórios nas regiões mais vulneráveis e com um uso mais eficiente da água,
A crise da água na Cidade do Cabo pode ser o início de algo mais global no contexto das alterações climáticas?
Há uma variabilidade excecional do clima, com muito menos precipitação em algumas regiões, a que temos de dar mais atenção. Vamos ter de aumentar a segurança hídrica usando mais barragens e reservatórios e fazer um uso mais racional da água.
O que é que isso implica?
Que não se desperdice água, e que se use apenas a necessária, tanto no consumo humano, não deixando a água a correr a lavar os dentes, por exemplo, mas também na agricultura. 70% do consumo global de água é para irrigação na produção de alimentos, e existem técnicas de irrigação mais eficientes, como o método gota a gota. Outra possibilidade é usar culturas mais resistentes à escassez de água, ou ainda transgénicos mais resistentes a essa situação.
O uso de transgénicos não é uma questão nada pacífica.
É uma opção para a utilização mais eficiente da água na agricultura, sem dúvida nenhuma.
Voltando à Cidade do Cabo, como se resolve a questão prazo?
Vão ter de aumentar a capacidade de armazenamento de água, criando novos reservatórios e novos sistemas, que sejam redundantes. No futuro teremos de considerar situações extremas como esta, e por isso são necessários mais investimentos na segurança hídrica, e é preciso vontade política para investir.
Essa vontade política existe?
Hoje já existe uma maior consciencialização em torno deste tema. Os fóruns mundiais da água, que temos realizado, têm contribuído para a discussão das soluções para o problema da água com a comunidade política e profissional, motivando-os a dar mais atenção ao tema. Desde que começámos o nosso trabalho, há 20 anos, no Conselho Mundial da Água, há mais consciencialização por parte da classe política. Ainda mais com estas crises, como na Cidade do Cabo. Está-se a fazer um caminho, e eu estou otimista.
O que considera mais crítico nesse caminho?
É o investimento. Precisamos de mais investimentos no setor hídrico e não só na questão da segurança hídrica mas também na do acesso à água potável e ao saneamento. Hoje ainda existem mais de 700 milhões de pessoas no mundo sem acesso a água potável, e mais de mil milhões sem acesso a saneamento básico. É preciso mais investimento, e os países mais ricos e desenvolvidos têm de encontrar forma de ajudar financeiramente os outros países nesse sentido.
Qual é o valor global estimado para esse investimento?
Os números variam muito, desde 500 mil milhões a um bilião de dólares para os próximos 20, 30 anos.
Quais são as regiões mais críticas do planeta em relação à água?
É uma distribuição bastante variada. Médio Oriente, e também algumas regiões mais vulneráveis em África, na América do Norte e na América do Sul.
E qual é o papel dos aquíferos nas soluções?
A água subterrânea é uma reserva estratégica e em muitos países chega a ser a única alternativa, e eles são utilizados para diferentes fins, nomeadamente para abastecimento humano. Quando se usa os aquíferos para irrigação temos situações de sobre-exploração, o que é um problema, como acontece no Médio Oriente.
É necessário fazer uma gestão integrada dos reservatórios superficiais e da água subterrânea?
Sem dúvida. É preciso uma gestão adequada da água à superfície, incluindo a bacia hidrográfica, e a do subsolo.
O que espera do Fórum Mundial da Água, que começa agora, dia 18, em Brasília?
O fórum é um espaço de discussão das questões-chave da água e da procura de soluções de gestão, de governança e de financiamento do setor, em que participam governantes, chefes de Estado, autarcas, profissionais, técnicos. Deste fórum esperamos que saia uma declaração política conjunta para uma gestão eficiente da água, de forma a aumentar a segurança hídrica nos países. O documento final vai ser discutido durante os trabalhos.
O fórum realiza-se pela primeira vez num país de língua portuguesa. Serão discutidas questões específicas dos países lusófonos?
Os países de língua portuguesa estão a participar muito ativamente. Vamos ter todos os ministros do Ambiente desses países, e uma participação muito forte de Portugal, com a participação do ministro do Ambiente português. Teremos reuniões multilaterais dos países lusófonos e vamos aproveitar a oportunidade para reafirmar a importância desta cooperação no âmbito da água.
Qual é a questão essencial da água para os países lusófonos?
É a segurança hídrica. É preciso aumentar a resiliência às mudanças climáticas e a segurança hídrica para a população. O acesso à água potável e ao saneamento ainda é um desafio muito grande.
Sem comentários:
Enviar um comentário