21 de Agosto, 2013por João Madeira
Em muitas aldeias e vilas alentejanas, já era habitual ver as ruas
repletas de asiáticos em alguns meses do ano. Com dificuldade em
contratar pessoas em Portugal, recrutar vietnamitas ou tailandeses
para as colheitas e outros trabalhos agrícolas tornou-se um expediente
comum dos proprietários das explorações, sobretudo do Centro e Sul do
país.
Mas o recurso à mão-de-obra importada está a acabar. Com o aumento do
desemprego, a disponibilidade para trabalhar é outra e os
trabalhadores estrangeiros estão a ser substituídos por portugueses.
Pela primeira vez na última década, a Confederação dos Agricultores de
Portugal (CAP) não recebeu este ano solicitações de empresas agrícolas
para a vinda de contingentes de trabalhadores asiáticos.
Segundo explicou ao SOL João Machado, presidente da confederação que
representa os proprietários agrícolas, as requisições de trabalhadores
eram intermediadas pela CAP, que agregava os pedidos das empresas e
formalizava as solicitações junto do Governo português e das
embaixadas.
O número de trabalhadores variava consoante a produção e a oferta de
mão-de-obra, mas "houve anos em que chegaram contingentes de 10 mil
trabalhadores estrangeiros", lembra. Agora, há uma reviravolta. "O
desemprego faz com que haja mais mão-de-obra disponível e este ano não
houve necessidade de fazer esses pedidos".
João Machado garante que a dificuldade em contratar portugueses não
era o que se pagava aos trabalhadores. "Ao contrário do que muitas
vezes se diz, a agricultura não tem baixos salários. Pode ser um
trabalho duro, mas chega-se a receber seis, sete, oito euros à hora",
afirma.
Trabalhar um mês, por vezes com sábados incluídos, pode dar um salário
de mil euros ou mais. Aos tailandeses e vietnamitas era oferecida a
mesma remuneração. "O objectivo dos contingentes estrangeiros não era
reduzir os custos salariais", assegura João Machado.
A substituição de trabalhadores estrangeiros por portugueses nas
colheitas de Primavera terá sido um dos principais factores a
impulsionar a evolução do emprego na agricultura, no segundo
trimestre.
O maior aumento em 22 anos
Os dados revelados na semana passada pelo Instituto Nacional de
Estatística (INE) deixaram muitos economistas sem saber o que dizer. O
desemprego no país desceu de forma bastante mais acentuada do que se
previa e o maior contributo vinha de um sector específico: a
agricultura, com 46 mil postos de trabalho criados em três meses.
Segundo dados históricos solicitados pelo SOL ao INE, há 22 anos que
este sector não gerava tantos empregos no segundo trimestre, em
comparação com o anterior. É preciso recuar a 1991, quando foram
criados 96 mil postos de trabalho em três meses, para um aumento tão
expressivo.
Embora haja novos projectos agrícolas que começam agora a gerar
emprego (ver caixa), o misterioso aumento do trabalho do campo deverá
explicar-se sobretudo por uma maior disponibilidade de portugueses
para trabalharem nas colheitas de Primavera.
A presidente do Observatório dos Mercados Agrícolas e Importações
Agro-Alimentares, Maria Antónia Figueiredo, frisa que em Maio e Junho
há colheitas de frutas e legumes que necessitam de mão-de-obra
intensiva. É o caso da cereja e do mirtilo, por exemplo. "São produtos
agrícolas frágeis e que têm de ser colhidos à mão, sem meios
mecânicos, para não serem danificados", explica.
Este ano, diz Maria Antónia Figueiredo, estas duas colheitas foram
positivas em termos de qualidade e de volume de produção, pelo que
poderá ter havido um efeito positivo sobre o emprego.
Ainda assim, a responsável do observatório olha com prudência para os
números do INE. "Esta sazonalidade sempre existiu", sublinha,
admitindo que o efeito sazonal sobressai mais este ano porque os
restantes sectores de actividade do país estão estagnados ou a perder
emprego.
Fiscalidade criou 'novos' agricultores
Outro factor que pode estar a fazer aumentar o número de pessoas com
actividade oficial na agricultura são os impostos. O Orçamento do
Estado para 2013 previa um conjunto de novas obrigações fiscais para
os trabalhadores do sector.
A obrigatoriedade de passar facturas em todas as transacções, por
exemplo, forçou muitos agricultores a abrirem actividade na Autoridade
Tributária e Aduaneira. "Hoje é preciso estar colectado para vender um
ramo de salsa", diz ao SOL João Dinis, dirigente da Confederação
Nacional da Agricultura (CNA), que representa pequenos e médios
agricultores.
"As famílias que vivem da agricultura já não têm capacidade para
contratar trabalhadores, por isso não poderá haver apenas factores
sazonais a explicar o emprego", frisa, considerando que os números do
INE podem estar empolados com o registo de trabalhadores que já
exerciam actividade informal na agricultura.
joao.madeira@sol.pt
http://sol.sapo.pt/inicio/Economia/Interior.aspx?content_id=82881
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