Cavaco Silva demorou a perceber a importância do sector primário na
riqueza do país, que apresenta um défice de 1,3 mil milhões de euros
Olhem para o que eu digo e não para o que eu fiz. O Presidente da
República aproveitou o 10 de Junho para apontar alguns desígnios para
o país pós-troika, elegendo a agricultura e o mar como dois dos
sectores que mais podem contribuir para a saída da crise. "O mar,
desde logo", e a agricultura, "que alguns sustentam ter sido destruída
depois da adesão de Portugal às Comunidades", durante a governação
cavaquista, mas que agora "constitui um domínio crucial para a
sustentabilidade da soberania económica, para o desenvolvimento
harmonioso do território e para a qualidade de vida das populações".
Cavaco olhou também para o último boletim estatístico do INE sobre o
sector para salientar ainda que "hoje temos um nível elevado de
auto-suficiência alimentar, situado nos 81 por cento".
CAVACO 2012 O discurso foi radicalmente diferente daquele que fez em
2012, no qual reconheceu que "é necessário olhar para o que esquecemos
nas últimas décadas e ultrapassar os estigmas que nos afastaram do
mar, da agricultura e até da indústria, com vista a produzirmos, em
maior gama e quantidade, produtos e serviços que possam ser dirigidos
aos mercados externos".
CAVACO 2011 Nesse ano, o antigo primeiro-ministro, igualmente no
discurso do 10 de Junho, todo ele marcado por um tom de que os
portugueses devem ser realistas, o presidente foi ainda mais longe,
referindo que "há que dar uma especial atenção ao mundo rural. Ninguém
pense que Portugal pode ser um país auto- -suficiente do ponto de
vista agro-alimentar. Aliás, nunca o foi ao longo da sua história".
Ainda nesse ano, o cenário de Cavaco para o sector era negro. Num
artigo de opinião publicado no "Expresso" a 10 de Junho, refere que
apesar de todos os partidos políticos referirem como objectivo a
agricultura nos seus programas, "os resultados, completamente
contrários aos objectivos, estão à vista. Os jovens agricultores com
menos de 35 anos representam apenas 2% e com menos de 45 anos apenas
10% do número total de agricultores portugueses. Além disso, estes
valores têm-se vindo a agravar de ano para ano. Entre 1999 e 2009
(entre os dois últimos recenseamentos) a redução dos jovens até 35
anos foi de 60% e entre 35 e 45 anos foi de 51%. Alguma coisa estará,
portanto, a impedir o sucesso das políticas públicas nesta matéria e a
merecer uma atenção aprofundada, de modo que possamos rapidamente
inverter a tendência e melhorar a situação".
OS 81% DE AUTO-SUFICIÊNCIA Contradições à parte, no discurso de
segunda-feira, Cavaco omitiu uma parte da realidade. A importância
dada aos 81% de auto -suficiência alimentar sobrepôs-se ao facto de o
saldo da balança comercial dos produtos agrícolas ter apresentado um
défice de 1,3 mil milhões de euros e uma taxa de cobertura de apenas
48,4% entre 2006 e 2011. E que se mantém uma elevada dependência
externa em cereais e oleaginosas, representando as importações destas
commodities 42,4% do valor global das importações de bens agrícolas.
Em simultâneo, a dependência externa destes produtos tem-se agravado,
com as importações a aumentarem em média 10,3% ao ano para os cereais
e 12% para as oleaginosas.
IMPORTAM-SE MAIS ANIMAIS VIVOS Nesses cinco anos registaram-se também
aumentos, ainda que menos acentuados, nas importações de animais vivos
(4,9% ao ano, em média) e de batata (1,7% ao ano, em média), sendo os
frutos frescos e o azeite a nota positiva do lado das importações, com
as transacções a diminuírem de 2006 para 2011.
Neste período, ainda segundo o boletim do INE, observaram-se
crescimentos médios anuais em ambos os fluxos do comércio
internacional (6,3% para as importações e 7,7% para as exportações),
particularmente significativos no mercado extra-UE.
No entanto, apesar de o ritmo de crescimento das exportações ter sido
superior ao das importações, o saldo da balança comercial dos produtos
agrícolas agravou-se nesse período devido à diferença de nível
absoluto entre os dois fluxos.
http://www.ionline.pt/artigos/dinheiro/agricultura-exportacoes-so-cobrem-484-das-importacoes
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