terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O ministro e a papaia

Opinião
00h33m
O preço dos bens alimentares atingiu, em Janeiro, o valor mais elevado
dos últimos 20 anos. Por razões várias, o tema não tem merecido
destaque. É pena, porque os factores que justificam esta escalada
(especulação, falta de coordenação entre países, ausência de
regulação, catástrofes naturais, só para citar alguns) são de muito
difícil, ou mesmo impossível, controlo. De modo que os aumentos, que
mais cedo ou mais tarde chegam ao bolso dos consumidores, vieram para
ficar.
Sofrerão mais os países mais dependentes das importações desses bens
alimentares, como está bom de ver. Na Europa, apenas a Bulgária,a
Roménia, a Ucrânia e a Letónia são mais vulneráveis do que Portugal.
Ou seja: é melhor começar a dar novo aperto nos orçamentos familiares,
para acomodar mais um custo que está na lista dos incontornáveis.

Estando elencadas as causas e consequências de um tão sério problema,
o que deve fazer-se é exigir aos responsáveis europeus que concertem
estratégias para minimizar os danos. E minimizar os danos significa,
no caso, evitar que a cadeia produtiva seja totalmente estrangulada,
por ter as margens absolutamente esmagadas. António Serrano, o nosso
diligente ministro da Agricultura, deu ontem, em entrevista à TSF, uma
ideia para apaziguar o fenómeno: como "não há nenhum país que consiga
controlar o movimento dos preços", resta apostar nos produtos
nacionais, coisa que está apenas e só nas mãos do consumidor.
Instando a citar exemplos, o ministro citou: em vez de pedirmos carne
argentina no restaurante, peçamos carne portuguesa; em vez de
finalizarmos a refeição com papaia, finalizemos com fruta nascida e
crescida no nosso país. Já algumas empresas se haviam lembrado deste
amor pelo "made in Portugal", que, é, reconheçamos, um amor bonito.
Mas padece de um pequeno problema: comprar o que é nosso fica mais
caro (às vezes bastante mais caro) do que comer o que vem lá de fora.
Ou seja: o apelo ao apego nacional esbarra com o preço que o
consumidor pode pagar.
Não é, seguramente, por acaso que, quando chamados a comparar o custo
dos produtos de marca branca com os mesmo produtos de marca
industrial, o povo entende que a poupança chega a ser de 50%, quando
se opta pelos primeiros em detrimento dos segundos. Não é,
seguramente, por acaso que as marcas brancas atingiram uma quota de
mercado a rondar os 40%.
Conclusão: o problema, bicudo como é, não pode, por razões que bem se
entendem, ser chutado para cima dos consumidores. Por muito que custe
ao ministro Serrano, não vamos deixar de comer papaia.
http://www.jn.pt/Opiniao/default.aspx?content_id=1778295&opiniao=Paulo%20Ferreira

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