08.03.2011 - 09:23 Por Manuel Carvalho
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No dia 28 de Janeiro deste ano, o agrónomo e ex-ministro da
Agricultura Armando Sevinate Pinto foi ao supermercado e, na banca da
fruta e dos legumes, tomou nota da globalização.
A queda da produção de cereal é compensada pelos hortofrutícolas
(Pedro Cunha/ arquivo)
322Lá estavam morangos ou mamão do Brasil, cogumelos da Holanda,
espargos do Peru, beringelas da Espanha, nêsperas da Guatemala, amoras
do México, mirtilos do Chile, romãs da Turquia ou pimentos do Uganda.
Sim, também havia maçãs e pêras de Portugal, mas esta "babel"
hortofrutícola que se encontra nas grandes superfícies está na origem
daquilo que o também ex-ministro Gomes da Silva designa por "mito
urbano". De acordo com esse "mito", Portugal deixou de ter
agricultura, importa tudo o que produz, abandonou terras, estoirou as
ajudas europeias na compra de jipes ou de casas em Cascais e é hoje um
sector marginal e incapaz de ajudar o país a sair da crise.
Verdade? Nem tanto. A agricultura nacional nunca foi capaz de garantir
abastança. Todos os anos, o país tem de importar quase um terço das
suas necessidades alimentares, uma factura que, em 2009, quase dava
para construir o novo aeroporto de Lisboa (a diferença entre o que
exportou e o que importou rondou os 4000 milhões de euros). Mas, feito
o registo, será que, como se ouve dizer com frequência, a dependência
externa se agravou? Não agravou. Mais: se a produção global estagnou e
a necessidade de importar comida se manteve foi principalmente por
causa da redução brutal da área e da produção de cereais. Sem essa
redução, o sector agrícola não seria hoje visto como um patinho feio
da economia, mas talvez como um herói da competitividade nacional.
Uma questão recorrente
O problema dos cereais é velho de 200 anos. O facto de ser a base da
alimentação humana confere-lhe sensibilidade política e todos os
governos desde o liberalismo tentaram o mito do auto-abastecimento - a
"Campanha do Trigo" de Salazar, lançada em 1929, destacou-se tanto
pelo fracasso dos seus fins como pelos danos ambientais que causou.
Quando os preços no mercado mundial atingiram um pico em 2008 e
voltaram a subir em Junho de 2010, esperava-se que os agricultores
reagissem. Nem isso. Em 1990, por exemplo, dedicaram cerca de 424 mil
hectares (um hectare é equivalente à área de um campo de futebol) à
cultura de trigo e do milho; mas, em 2009, essa área estava já
reduzida a 157 mil hectares. Em termos de produção, as quantidades
reduziram-se para um terço. E o país tem de comprar lá fora 75 por
cento dos cereais que consome.
Para a maioria dos especialistas, as condições do solo e do clima
impedem grandes ambições. "Não tenhamos ilusões a esse respeito", diz
Arlindo Cunha, doutorado em Economia Agrária e ex-ministro da
Agricultura. Francisco Avillez, professor universitário jubilado,
acredita que as novas áreas de regadio que estão a nascer no Alqueva
podem aumentar áreas de produção, mas sem grande impacte nas contas
gerais da cultura. António Serrano, ministro da Agricultura, admite
que a produção se eleve, mas dificilmente poderemos produzir mais de
um terço dos grãos do que consumimos.
O factor PAC
Esta convicção alargada depende, em última instância, de um factor
principal: a Política Agrícola Comum (PAC). Sem terem de semear para
receber subsídios, muitos agricultores constataram que entre o que
investiam e recebiam na colheita não era compensador; daí ao abandono
de terras mais pobres foi um passo.
Mas se é evidente que há uma crise grave nos cereais, nas outras
culturas a situação é mais favorável. A agricultura foi capaz de se
adaptar aos mercados e aproveitar a sua feição mediterrânica para
suprir as perdas. Se é verdade que, medido em preços correntes (não
actualizados pela inflação), o valor da produção de cereais caiu de
343 milhões de euros em 1986 para 155 milhões em 2009, os hortícolas
aumentaram de 371 para 1094 milhões, as frutas de 586 para 1082
milhões, o azeite de 590 mil euros para oito milhões e o vinho de 342
para 678 milhões de euros. Ou seja, hoje, o sector hortofrutícola, no
qual o país tem vantagens comparativas (é, por exemplo, capaz de
produzir legumes dois meses antes dos holandeses ou belgas), já
representa um terço do valor final da produção da agricultura.
O mesmo com menos terra
E este desempenho que contraria os "mitos urbanos" torna-se ainda mais
notável se considerarmos que a área agrícola é hoje muito menor. E que
é trabalhada por quase metade das pessoas que a cultivavam em 1986.
Gomes da Silva nota que o desaparecimento de explorações foi mais
veloz que a redução da área utilizada, o que triplicou a área média
das propriedades e reforçou a sua competitividade. Regra geral, os
agrónomos dizem que as terras abandonadas eram "pobres" ou
"marginais", incapazes por isso de sustentar uma produção agrícola
moderna. Francisco Avillez chama também a atenção para o facto de, em
muitos casos, não se poder falar de "abandono de terras", mas da sua
"extensificação". Por exemplo, quando um agricultor deixa de semear
batatas e passa a cultivar forragens para alimentação de bois e vacas.
Armando Sevinate Pinto, que foi alto-funcionário da Comissão Europeia
e ministro da Agricultura com Durão Barroso, vai no mesmo sentido e
diz: "Não conheço um único hectare de terra boa que esteja fora de
produção".
Redução persiste
Há quem não partilhe o optimismo. Em causa, receia o ministro da
Agricultura, pode estar já o abandono de áreas agrícolas boas. Os
dados estatísticos parecem dar-lhe razão, ao revelarem que a redução
da área agrícola persistiu na década passada, quando, entre 2003 e
2007, desapareceram 30,6 por cento das explorações (a maior razia na
UE a 27) e sete por cento das terras agrícolas (pior só na Roménia e
na Eslováquia, enquanto em Espanha a ocupação agrícola cresceu 1,6 por
cento no período).
Se é verdade que a produção agrícola, em valor bruto de produção,
estagnou, mas não caiu, ao contrário do que é ideia corrente, pode
acreditar-se que o sector "tem margem para reduzir a dependência
externa de alimentos", diz António Serrano. "Se nos deixarmos de
apostas erráticas, podemos aumentar as exportações em 15 por cento e
reduzir as importações em 25 por cento", diz Sevinate Pinto. "Temos de
organizar os sectores e seguir os bons exemplos, como o das frutas e
legumes", considera António Serrano.
Ainda assim, todas as expectativas, todas as projecções se baseiam na
crença de que se manterá um nível de protecção do sector no âmbito da
PAC, que, além de ter canalizado para Portugal no último ano cerca de
800 milhões de euros em ajudas ao rendimento, mantém uma protecção
alfandegária contra a concorrência externa. Se, como lembra Francisco
Avillez, a pecuária nacional tiver de concorrer com a da Argentina ou
do Brasil, se os cereais se abrirem à máquina produtiva dos Estados
Unidos, então pouco haverá a fazer.
http://economia.publico.pt/Noticia/portugal-importa-30-por-cento-dos-alimentos-por-produzir-poucos-cereais_1483722
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