domingo, 15 de dezembro de 2013

CEO do Crédito Agrícola: "Os agricultores são das pessoas mais cumpridoras para a banca"

O presidente do Crédito Agrícola, em entrevista ao Dinheiro Vivo, fez
o balanço do seu primeiro ano à frente da instituição financeira



Licínio Pina, do Crédito Agrícola
D.R.
09/12/2013 | 14:46 | Dinheiro Vivo

O presidente do Crédito Agrícola, Licínio Pina, acredita que o crédito
malparado poderá ter estabilizado e olha para os sinais económicos de
forma positiva. Em entrevista ao Dinheiro Vivo, o banqueiro fez o
balanço do primeiro ano à frente da instituição financeira e revelou
quais os objetivos para o Crédito Agrícola.


Como define o Crédito Agrícola?
O Crédito Agrícola é um grupo financeiro de índole nacional, de
princípios cooperativos que pratica uma banca de proximidade e de
relação com as pessoas. É constituídos por 83 Caixas e Caixa Central e
um conjunto de empresas associadas como seguradoras e gestoras de
activos e outras empresas relacionadas com a prestação de serviços ao
grupo. Este é o grupo Crédito Agrícola.

O que o difere dos restantes bancos?
São as 83 Caixas que são geridas de forma autónoma mas em regime de
solidariedade em que uma é responsável por todas e todas por uma,
agregadas na Caixa Central e que não têm accionistas, têm associados.
São cooperativas de crédito associadas entre si e valem pelo conjunto.

Os depósitos dos depositantes do Crédito Agrícola estão garantidos por
um fundo diferente. Pode explicar?
Nós não somos associados do Fundo de Garantia de Depósitos. Temos o
nosso próprio fundo de garantia. O Fundo de Crédito Agrícola de
Garantia Mútua que tem desde sempre uma componente de resolução que
foi agora instituída para os outros bancos e da qual também
participamos. Digamos que o Crédito Agrícola contem dois fundos. Tem o
fundo de resolução e tem o seu fundo de garantia, que para além de
garantir os depósitos a clientes, garante também uma componente de
resolução das Caixas Agrícolas.

E a garantia é a mesma?
O nosso fundo de garantia está muito mais capitalizado do que a
restante banca. É em função do activo. A relação do activo versus
componente depositada no fundo, que não sei agora a percentagem mas
que é muito superior à relação activo versus depósito do fundo de
garantia. E garante até 100 mil euros como os outros.

Como correram os nove primeiros meses para o Crédito Agrícola?
O Crédito Agrícola não está sozinho no mercado, não actua isoladamente
e segue as regras que estão instituídas no país quer de mercado quer
de regulação. Com base nessa conjuntura actual as dificuldades que os
outros sentem também são sentidas por nós ao nível de mercado. Estamos
é com uma situação economico-financeira boa, que nos permite encarar o
futuro com mais solidez e com mais esperança. Os nove meses foram
difíceis. Em termos de resultados do grupo foram positivos, ainda que
o valor seja relativamente marginal mas mesmo assim positivo.

Houve necessidade de reforço de imparidades?
Não temos nenhum indício de necessidades de reforço de imparidades
porque já estão constituídas há algum tempo.

Como tem evoluído o crédito malparado?
O crédito malparado atingiu valores elevados tal como a restante
banca, provocados pela conjuntura socio-economica, e tem crescido.

Acha que a tendência será para continuar a subir ou podemos estar a
bater no fundo?
Eu penso que poderemos estar a bater no fundo.Nós temos projectado
para 2014 uma redução do rácio de crédito vencido que é absolutamente
necessário para incorporar valor no grupo.

Estamos a falar de um rácio de crédito vencido de quanto?
De 8%.

Qual o objectivo?
É reduzir 1,5%, ou seja, passar para 6,5%.

Como pretendem fazê-lo?
Nós temos projectado para o próximo exercício vários vectores de
atuação, entre os quais nesta matéria da recuperação de crédito
vencido o vector de minimização de perdas no valor da carteira.
Através de um processo de standardização do processo de concessão de
crédito e acompanhamento das carteiras de pré contencioso. Estamos a
fazer para as Caixas agrícolas a instalação de novas ferramentas
informáticas para controlar o crédtio vencido. Isto é, tem de haver
mais proactividade na recuperação da carteira.

Vão fazê-lo dentro do grupo?
Sim, dentro do grupo. Não temos prevista nenhuma venda de carteira,
nós não fazemos nada dessas coisas. Não fazemos nada que não seja com
os nossos instrumentos internos de modo a recuperarmos por nós
próprios a carteira de crédito vencido. Evidentemente que as
execuções, os acordos com clientes no sentido de encontrar prazo e
condições para conseguir planos de pagamento mais suaves, nós fazemos
tudo isso.

Não sente necessidade de abrir um programa especial, como outros
bancos já fizeram?
Não. No Crédito Agrícola possívelmente teremos alguma vantagem em
relação a outros concorrentes, na medida em que as nossas carteiras de
crédito estão concentradas em particulares e empresários em nome
individual. Nós somos um banco que detém atualmente 22,6% de crédito à
agricultura. Também temos crédito à habitação, sempre o fizemos e
continuaremos a fazer. Os agricultores são das pessoas mais
cumpridoras ao nível da banca. É um segmento de actividade que menos
problemas cria à banca. Embora o Crédito Agrícola não seja um banco
exclusivamente de agricultores tem na sua génese a vertente agrícola,
alguns encontraram agora essa vertente, e começam a fazer grandes
campanhas viradas para o segmento agrícola. Nós já cá estamos há 100
anos. Portanto conseguimos que esses clientes nos sejam fidelizados
tendo numa relação de proximidade.

Além da agricultura, o resto da carteira de crédito está exposto a
mais algum sector em particular?
Está distribuído por vários sectores, onde nunca nos deviamos ter
metido, por exemplo na construção. A maior massa de crédito é
concedida a particulares e empresários em nome individual. Esse é o
nosso core de clientela.

Qual é a exposição ao setor da construção?
A exposição não é grande.

A reestruturação do Crédito Agrícola, com a fusão de caixas, pode
implicar fecho de balcões ou redução de trabalhadores?
Não. O Crédito Agrícola não tem nenhum projecto de fecho de balcões.
As nossas caixas agrícolas mantém a sua rede. Aliás recentemente ainda
se abriu mais um balcão de uma determinada caixa e fazem reconversão
de instalações antigas para modernas. O programa que existe de redução
de quadros é um programa de reorganização da Caixa Central e em que
está prevista a redução de algumas pessoas e que já se fez, sem
qualquer perturbação.

Foram quantos?
Quarenta pessoas. Num universo de 4500 não é nada de significativo.

Essas 40 pessoas foram no decorrer deste ano?
Sim, foi desde Junho.

E decorre apenas desta reestruturação?
Sim, desta restruturação e organização interna da Caixa Central,
sempre com negociação para pré-reformas. Não houve nenhuma perturbação
nem necessidade de envolver sindicatos para negociação. As pessoas têm
os seus direitos, a instituição reconhece-os e portanto não há
qualquer perturbação.

Está previsto este número crescer ou haver mais algum reajuste?
Pode haver algum. No ciclo de vida de trabalho de uma pessoa há
determinados momentos em que eles entendem que chegou ao fim o seu
ciclo e aproximam-se da instituição dizendo "estou disponível para
econtrar uma solução", e vamos encontrar uma solução. Nada de
despedimentos porque temos de fazer redução de rede, nada de
despedimentos porque necessitamos de capitalização.

Quantos balcões têm atualmente?
683

Mas até ao final do ano têm previsto ou fecho ou abertura de algum balcão?
Não, nenhuma. Nem até ao final do ano, nem até ao final de dois anos
que é o fim deste mandato. Nós somos um banco de proximidade. Estamos
em muitas localidades sozinhos. São 250 localidades em que o Crédito
Agrícola tem o seu balcão exclusivamente nessa localidade e presta
além do serviço bancário, um serviço social muito importante.

Mas estão previstas fusões de caixas?
Esse é outro programa. As fusões entre caixas, que continuam e que
está prespectivado que a velocidade de fusão entre caixas seja na
ordem de quatro por ano, é fundir caixas, não é eliminar nenhum
balcão. É fundir as instituições em si. De duas nasce uma e mantém-se
os balcões e pessoas reorganizadas numa nova estrutura. Para quê? Nós
temos caixas muito pequenas que não conseguem por si só cumprir com as
obrigações regulamentares, nomeadamente a segregação de funções. Não é
possível numa caixa com oito empregados conseguir fazer uma segregação
de funções de análise de risco de comercial e de decisor. Não sendo
possível num universo tão pequeno temos de lhe criar dimensão.

Qual o objectivo final de fusões de caixas?
Eu acho que era razoavel que o Crédito Agrícola pudesse atingir na
ordem de 60 a 70 caixas.

Como tem corrida a atividade seguradora?
Ao longo desta ano a actividade seguradora, e já nos últimos anos, tem
corrido bem em termos de resultados líquidos. Houve tempos em que
actividade seguradora era um problema para a actividade bancária. Hoje
inverteu-se a situação. Os seguros evoluem com uma fatia importante
nos resultados financeiros que praticam bancassurance, que é o nosso
caso. O resultado das nossas duas companhias contribuíram para o
resultado positivo em setembro que embora marginal, em cerca de 4,8
milhões de euros, as companhias de seguro contribuíram com mais que
esse valor para os resultados.

O crescimento tem se verificado no ramo vida e também no não vida?
Nós temos uma politica de relacionamento com as companhias de
aproveitar o negócio segurador para aumentar a margem complementar das
caixas agrícolas e, consequentemente, do grupo Crédito Agrícola. A
margem complementar vem das comissões, portanto com mais seguros se
venderem mais comissões se recebem. Essas nossas companhias têm
políticas diferentes porque são diferentes, uma é vida e outra não
vida, mas sempre numa perspectiva de beneficiar quem produz. Não o
acionista, mas beneficiar quem trabalha, quem produz: as caixas
agrícola que produzem mais.

Com a privatização da Caixa Seguros e movimentos de interesse no
sector segurador, o Crédito Agrícola tem algum interesse neste
segmento?
Nós não temos nenhuma perspectiva de fazer aquisições exteriores ao
grupo de qualquer companhia de seguros, nem alienações.

Com os bancos a reduzirem custos, rede de balcões, pessoal, há
possibilidades de ocorrerem movimentos de consolidação na banca?
É provável que haja consolidação na banca portuguesa e eu diria
europeia, advinda da insituição da União Bancária. A União bancária
vai ser uma realidade e, portanto, o modo como se faz banca vai
alterar-se porque os concorrentes vão aumentar, a concorrência vai
aumentar e é natural que haja algumas fusões nas instituições de
crédito.

Foi aprovado, recentemente, a criação de um banco de fomento. Qual a
sua posição?
Eu já tinha assumido uma posição. Tudo depende da missão que querem
dar ao banco de fomento, da sua utilidade ou não para actividade.
Parece-me que a ideia é fazer através do banco de fomento canalizar os
fundos estruturais para a economia. Nós já temos um banco público que
podia e devia ter essa missão. A existência de mais um banco de
fomento não vejo que venha substituir aquilo que, na prática, outros
já poderiam fazer. Estou expectante. Não me preocupa absolutamente
nada que seja mais um 'player' no mercado, e que nos faça concorrência
porque nós não temos desses problemas. Vivemos bem com a concorrência,
aliás a concorrência é de salutar e é bom que exista porque faz as
pessoas agirem mais rápido e com mais determinação.

Acha que deveria ser utilizada a Caixa para fazer isso?
Sim, porque não? É um banco público. Em tempos já houve um banco de
fomento. Aliás, acho que licença desse banco de fomento, ou a marca
pelo menos, é de outro banco que entretanto fez uma fusão há muitos
anos. Esse banco de fomento já existiria. Vamos ver quais os
propósitos do governo sobre a criação do banco de fomento.

Mas há uma ideia de que falta financiamento há economia...
Não falta financiamento à economia. Há imensa disponibilidades nos
bancos para financiar a economia. Aliás, o Banco Central Europeu (BCE)
fez injecções massivas de fundos para os bancos, para a economia, até
a taxas muitos baixas. Há muita disponibilidade no mercado.

O problema então não é crédito?
O problema não é crédito. O problema é que as empresas viviam numa
situação de financiamento que agora não existe. A análise de risco, as
condições, a análise de performance de cada uma das empresas não
permite financiamento sem garantias. E neste propósito das garantias
queria dizer o papel fundamental e importantíssimo que tem sido
desempenhado pelas sociedades de garantia mútua que têm contribuido de
facto para o financiamento às Pequenas e Médias Empresas (PME),
aportando para os bancos garantias financeiras que doutro modo as
empresas dificilmente conseguiriam. Este tipo de instrumentos é que é
necessário dotar o país para que eles, de facto, consigam promover o
desenvolvimento económico, não é criar mais um banco ou menos um
banco. Acho que não tem interesse de momento. Interessava criar
instrumentos de financiamento às empresas.

De capitalização?
De capital, e de garantias de crédito.

Acha que Portugal vai precisar de um programa cautelar?
Anda muita gente a falar do programa cautelar e no que vai contecer no
final quando a troika se for embora. O que penso é que no final do
programa da troika as contas públicas ainda não estarão devidamente
equilibradas para deixar o país ser governado exclusivamente pelos
nossos governantes. Para cumprirmos os critérios que estão definidos
nos acordos com a união monetária, o país irá concerteza de algum
apoio e ajuda, uma monotorização, não sei se é cautelar ou não mas irá
precisar concerteza de alguma coisa.

E no regresso aos mercados?
Na questão de regressar aos mercados eu tenho uma perspectiva muito
própria. O regressar aos mercados ou não é pouco relevante. É apenas
relevante por uma questão de preço do financiamento. Mas não deixa de
ser dívida. Ir ao mercado é ir buscar a acrescentar dívida. Eu
preferia que não houvesse mais recurso a dívida e que o país fosse
cumprindo as obrigações que já tem.

Para isso a economia tem de crescer...
Sim. É preciso se criem as tais medidas de apoio à economia efectivas
para que as empresas consigam produzir e competir com as outras
externas.

Acha que os recentes dados económicos podem significar mesmo uma
inversão? São sustentáveis?
O que eu lhe pode referir prentede-se com a experiência no Crédito
Agrícola e o que se está a passar. Isso é um sinal de que a confiança
melhorou. Há alguma procura de crédito, há algum investimento, em
especial no sector primário, na agricultura, nota-se procura de
crédito. Teve aqui um papel importante os serviços que gerem o PRODER,
no sentido de abrirem as linhas do PRODER para que os agricultores
apresentassem as candidaturas e recorressem aos subsídios que estavam
encerrados. Há alguma dinâmica de aquisição do imobiliário. Isto
indicía haver uma inversão na confiança do país.

O que pode ser feito na agricultura para ajudar mais o setor?
Duas coisas fundamentais. Nós temos o país dividido em dois enquanto à
sua estrutura fundiária. Temos uma parte de minifúundio e uma parte de
latifundio. Nós precisavamos com alguma urgência que se decidisse
sobre questões de imparcelamento na pequena propriedade. Só com alguma
dimensão é que as empresas agrícolas se tornam rentáveis. Outra
questão fundamental prentede-se com a titularidade da propriedade. Há
propriedades cujos donos não se sabe quem são, nem os donos conhecem
as próprias propriedades e estão ao abandono. E o que acontece é o
flagelo dos incêndios no verão porque ninguém trata das priopriedades
porque não têm dimensão, porque não sabem quem são. Portanto a
agricultura de minifundio não se consegue praticar. Tem de ter uma
dimensão mínima para ser rentável.

Os CTT foram recentemente privatizados. O que achou desta
privatização? Qual o impacto para o Crédito Agrícola?
A privatização não causou qualquer constrangimento ao Crédito
Agrícola. Trata-se de uma empresa pública que tinha uma missão social
e empresarial, sendo que com a privatização a missão social
esbateu-se, assumindo uma missão empresarial. O Crédito Agrícola
continua a assegurar o serviço bancário e social nas comunidades onde
está inserido, não abandonamos as populações nem fechamos balcões para
continuar a prestar um bom serviço

Qual é o seu projecto para o Crédito Agrícola?
Nós temos como foco, e evidentemente queremos fazer muito, que as
nossas caixas agrícolas sejam o melhor banco nos seus mercados. Para
isso é preciso trabalhar muito. Se é certo onde temos muitas regiões
onde as caixas têm uma forte presença e têm uma quota de mercado de
mais de 30%, há outras localidades onde não estamos. O Crédito
Agrícola quer se afirmar com qualidade junto dos seus mercados para
ser reconhecido pelo mercado e restantes 'players' como o melhor
naquela região.

Qual o balanço que faz do primeiro ano à frente do Crédito Agrícola?
É de muito trabalho. De resolução de muito problemas que obviamente
existem sempre numa instituição com estas características mas com
vontade de atingir os objectivos que nos propusemos.

http://www.dinheirovivo.pt/Mercados/Artigo/CIECO303038.html?page=0

Sem comentários:

Enviar um comentário