Pedro Santos Guerreiro - psg@negocios.pt
Pedro Santos
Guerreiro
Um produtor alentejano vende hoje uma saca de trigo mais barata do que há 20 anos. Mas um papo-seco custa várias vezes mais. Como? Sim, come. São os mercados, pá.
As praças que hoje ditam os preços dos alimentos que comemos não são as do Bolhão ou da Ribeira, mas as de Londres ou Chicago. É nessas bolsas que se transaccionam títulos, futuros, opções sobre grãos de café, barrigas de porco ou sumo de laranja. A globalização fez do planeta uma imensa mercearia - com cada vez mais clientela à porta. E, como sempre, onde há lucro há intermediários, cambistas e até golpistas.
A alimentação é um dos grandes sectores económicos do século XXI. O mundo não está apenas a exaurir os seus recursos financeiros e ambientais - mas também os alimentares. Porque somos cada vez mais. Porque os alimentos estão mal distribuídos, entre países e entre classes sociais. Mas, sobretudo, por causa do crescimento das classes médias nos países emergentes (centenas de milhões de chineses, brasileiros, etc. saíram da pobreza nos últimos anos). As suas dietas tornam-se mais exigentes, em quantidade e em proteínas. A carne, os cereais, tudo está mais caro.
Este fenómeno de procura e oferta global é viabilizado pelos mercados e faz dos países produtores grandes "empresas" com políticas agrícolas nunca vistas. O Brasil, o maior produtor de "commodities" mundial, multiplicou a sua produção de soja para vender para a China, quadruplicou a produtividade no açúcar com a mecanização e tem uma das maiores empresas do mundo (a Vale do Rio Doce) nos minerais ferrosos. Os Estados Unidos são hoje um dos países mais proteccionistas, com tarifas que protegem os produtores de milho (o famoso "corn belt") e que usam a sua rede de satélites para observar as plantações mundiais - e decidir que solos hão-de ser cultivados em cada ano em função da sua fertilidade (subsidiando os pousios).
É destes fenómenos globais de oferta, procura e proteccionismo que vive hoje a formação de preços de matérias-primas. Os incêndios da Rússia de há meses fecharam as fronteiras às exportações de trigo. A carência de arroz em 2008 levou ao mesmo no Bangladesh.
Portugal é um dependente. Os preços das matérias-primas agravam o nosso défice externo e prejudicam a nossa competitividade. O aumento do preço do algodão (mais de 80% este ano!) afecta todas as nossas empresas de têxteis. O preço da cola prejudica o calçado. O petróleo encarece tudo. E esta financeirização, que aumenta a eficiência global, introduz também volatilidade e "bolhas" especulativas semelhantes às bolsas de empresas.
A economia agrícola é dos fenómenos mais fascinantes de estudar. Salazar doutorou-se nos fluxos do trigo, Cunhal especializou-se na questão agrária. Mas os parolos dos governantes portugueses de há 20 anos decidiram que não era "cool" investir em Agricultura. Depois do desinvestimento com a reforma agrária dos anos 70 e das políticas de rendimento dos anos 80, com Cavaco a aceitar a iniquidade da subsidiação europeia, ficámos sem agricultura. Hoje, não temos factor trabalho nem capital (a maquinaria está obsoleta), e a produção que sobrou liquidou-se perante a concentração da distribuição. E assim estamos de fora de um dos grandes negócios do século: a alimentação.
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