Jeffrey D. Sachs - © Project Syndicate, 2008. www.project-syndicate.org
Jeffrey D.
Sachs
A cimeira do G20 em Seul foi notável pelo crescente peso político das economias emergentes.
Não só teve lugar numa economia emergente, como, em muitos aspectos, foi dominada por elas.
Em duas áreas cruciais - macroeconomia e desenvolvimento económico global -, a visão das economias emergentes prevaleceu. E uma excelente proposta para ligar as duas questões saiu da cimeira e deveria ser implementada em 2011.
Uma característica importante da actual economia mundial é que ela avança a duas velocidades.
Os Estados Unidos e parte da Europa continuam atolados nas consequências da crise financeira que surgiu no Outono de 2008, com desemprego elevado, fraco crescimento económico e problemas no sector bancário. Os mercados emergentes, por outro lado, conseguiram, no geral, superar a crise.
Ao passo que 2009 foi um ano difícil para a toda a economia global, os mercados emergentes recuperaram fortemente em 2010, ao contrário do que aconteceu com os países ricos.
Dados recentes do World Economic Outlook do Fundo Monetário Internacional contam a história.
Em 2010, os países mais ricos devem registar um modesto crescimento anual de 2,7%, enquanto as economias emergentes do G20, em conjunto com o restante mundo em desenvolvimento, deverão crescer a uma taxa robusta de 7,1%. O crescimento das economias asiáticas em desenvolvimento está a disparar, com uma taxa média de 9,4%. As estimativas indicam que a América Latina cresça 5,7%. Mesmo a África subsaariana deverá crescer 5% em 2010.
Esta economia global a duas velocidades reflecte, em grande parte, o facto da crise financeira de 2008 ter começado devido ao excessivo endividamento dos próprios países ricos. Duas economias desenvolvidas encontraram-se em dificuldades. Os Estados Unidos, onde os consumidores - ajudados pela imprudente concessão de crédito a famílias insolventes - se endividaram fortemente para comprar casas e carros, foram os principais culpados. Os países periféricos da União Europeia - Irlanda, Portugal, Espanha e Grécia - começaram igualmente uma orgia de endividamento há uma década, que impulsionou um "boom" imobiliário que terminou em depressão.
A maioria das economias emergentes evitou o endividamento excessivo. Uma das razões, certamente, é a memória da crise financeira asiática de 1997, que mostrou a necessidade de colocar limites aos empréstimos bancários e às entradas de capitais. Em geral, as economias asiáticas emergentes foram geridas de forma mais prudente durante a última década. O mesmo pode ser dito do Brasil, que aprendeu com a sua própria crise de 1999, tal como de África e de outras regiões.
No período anterior à cimeira de Seul, o governo dos Estados Unidos propôs que os países excedentários aumentassem a procura doméstica - principalmente o consumo - para impulsionar as importações e, assim, ajudar as regiões deficitárias (incluindo os Estados Unidos) a recuperar. As economias emergentes do G20 não se deixaram impressionar e a sua resposta foi muito directa: "a crise começou com o excessivo endividamento dos Estados Unidos, então cabe aos Estados Unidos, e não a nós, resolver o problema". Os Estados Unidos deviam reduzir o seu défice orçamental, aumentar a taxa de poupança e, em geral, colocar a casa em ordem.
As economias emergentes reagiram de forma semelhante a uma segunda iniciativa dos Estados Unidos: a chamada "facilidade quantitativa" da Reserva Federal. Mais uma vez, as economias emergentes falaram quase em uníssono. Pediram aos Estados Unidos para não aumentar a oferta monetária de forma artificial, já que esta medida pode gerar uma nova bolha financeira, desta vez nas economias emergentes e nos mercados de matérias-primas. Mais uma vez, a clara mensagem para os Estados Unidos foi para que parassem de usar truques como os estímulos orçamentais ou o aumento da oferta monetária e, em vez disso, realizassem uma séria reestruturação económica de longo prazo para aumentar as poupanças, os investimento e as exportações líquidas.
Pela sua parte, as economias emergentes queriam mudar o tema dos estímulos e desequilíbrios macroeconómicos de curto prazo para questões de desenvolvimento de longo prazo. O governo anfitrião, a Coreia do Sul, foi, neste ponto, particularmente dinâmico. A Coreia do Sul pediu aos membros do G20 para se centrarem em desafios como os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio das Nações Unidas, o aumento da produção agrícola e a construção de infra-estruturas sustentáveis nas economias em desenvolvimento. Esta foi a primeira vez que questões de desenvolvimento de longo prazo surgiram tão claramente na agenda do G20, e é um sinal do crescente peso geopolítico dos membros emergentes.
O resultado das deliberações é um novo marco nas relações do G20 com o resto dos países em desenvolvimento, conhecido por Consenso de Desenvolvimento de Seul para um Crescimento Partilhado (Seoul Development Consensus for Shared Growth). O G20 decidiu, correctamente, centrar-se nas áreas de desenvolvimento global onde as maiores economias têm uma vantagem comparativa: financiamento de infra-estruturas como estradas e energia: desenvolvimento empresarial; apoio à melhoria da agricultura nos países mais pobres. Outras partes da agenda do desenvolvimento - por exemplo, saúde e educação - não vão estar entre as prioridades do G20.
A nova agenda do desenvolvimento do G20 oferece uma via excelente de combinar as preocupações com os desequilíbrios globais com a necessidade de acelerar o ritmo de desenvolvimento nos países mais pobres. Os Estados Unidos têm pressionado a China, a Alemanha, o Japão e outros países para aumentar o consumo e, assim, impulsionarem a procura. Mas há uma forma melhor de usar as elevadas taxas de poupança destes países. Em vez de pressionar as famílias a consumir mais, o G20 devia trabalhar mais para canalizar estas poupanças para os países mais pobres, de forma a financiar investimentos em infra-estruturas urgentes e necessárias.
O primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh, expressou esta questão de forma perfeita, ao afirmar que a África subsaariana está, actualmente, em posição de absorver mais entradas de capital para construir infra-estruturas. Manmohan Singh defendeu que os excedentes do G20 fossem canalizados para esses países, e outros países pobres, para financiar esses investimentos. "Por outras palavras", disse Singh, "deveríamos alavancar os desequilíbrios de um tipo para resolver outros desequilíbrios".
Ao canalizar as poupanças da China, Alemanha, Japão e outros países excedentários para investimentos em infra-estruturas em países pobres, as economias mundiais poderiam, verdadeiramente, trabalhar em harmonia. A cimeira do G20 em Seul pode muito bem ter dado início a esse importante processo.
Jeffrey D. Sachs é professor de Economia e director do Instituto da Terra na Universidade de Columbia. É também conselheiro especial do secretário-geral das Nações Unidas para os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio.
© Project Syndicate, 2010.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques
Não só teve lugar numa economia emergente, como, em muitos aspectos, foi dominada por elas.
Em duas áreas cruciais - macroeconomia e desenvolvimento económico global -, a visão das economias emergentes prevaleceu. E uma excelente proposta para ligar as duas questões saiu da cimeira e deveria ser implementada em 2011.
Uma característica importante da actual economia mundial é que ela avança a duas velocidades.
Os Estados Unidos e parte da Europa continuam atolados nas consequências da crise financeira que surgiu no Outono de 2008, com desemprego elevado, fraco crescimento económico e problemas no sector bancário. Os mercados emergentes, por outro lado, conseguiram, no geral, superar a crise.
Ao passo que 2009 foi um ano difícil para a toda a economia global, os mercados emergentes recuperaram fortemente em 2010, ao contrário do que aconteceu com os países ricos.
Dados recentes do World Economic Outlook do Fundo Monetário Internacional contam a história.
Em 2010, os países mais ricos devem registar um modesto crescimento anual de 2,7%, enquanto as economias emergentes do G20, em conjunto com o restante mundo em desenvolvimento, deverão crescer a uma taxa robusta de 7,1%. O crescimento das economias asiáticas em desenvolvimento está a disparar, com uma taxa média de 9,4%. As estimativas indicam que a América Latina cresça 5,7%. Mesmo a África subsaariana deverá crescer 5% em 2010.
Esta economia global a duas velocidades reflecte, em grande parte, o facto da crise financeira de 2008 ter começado devido ao excessivo endividamento dos próprios países ricos. Duas economias desenvolvidas encontraram-se em dificuldades. Os Estados Unidos, onde os consumidores - ajudados pela imprudente concessão de crédito a famílias insolventes - se endividaram fortemente para comprar casas e carros, foram os principais culpados. Os países periféricos da União Europeia - Irlanda, Portugal, Espanha e Grécia - começaram igualmente uma orgia de endividamento há uma década, que impulsionou um "boom" imobiliário que terminou em depressão.
A maioria das economias emergentes evitou o endividamento excessivo. Uma das razões, certamente, é a memória da crise financeira asiática de 1997, que mostrou a necessidade de colocar limites aos empréstimos bancários e às entradas de capitais. Em geral, as economias asiáticas emergentes foram geridas de forma mais prudente durante a última década. O mesmo pode ser dito do Brasil, que aprendeu com a sua própria crise de 1999, tal como de África e de outras regiões.
No período anterior à cimeira de Seul, o governo dos Estados Unidos propôs que os países excedentários aumentassem a procura doméstica - principalmente o consumo - para impulsionar as importações e, assim, ajudar as regiões deficitárias (incluindo os Estados Unidos) a recuperar. As economias emergentes do G20 não se deixaram impressionar e a sua resposta foi muito directa: "a crise começou com o excessivo endividamento dos Estados Unidos, então cabe aos Estados Unidos, e não a nós, resolver o problema". Os Estados Unidos deviam reduzir o seu défice orçamental, aumentar a taxa de poupança e, em geral, colocar a casa em ordem.
As economias emergentes reagiram de forma semelhante a uma segunda iniciativa dos Estados Unidos: a chamada "facilidade quantitativa" da Reserva Federal. Mais uma vez, as economias emergentes falaram quase em uníssono. Pediram aos Estados Unidos para não aumentar a oferta monetária de forma artificial, já que esta medida pode gerar uma nova bolha financeira, desta vez nas economias emergentes e nos mercados de matérias-primas. Mais uma vez, a clara mensagem para os Estados Unidos foi para que parassem de usar truques como os estímulos orçamentais ou o aumento da oferta monetária e, em vez disso, realizassem uma séria reestruturação económica de longo prazo para aumentar as poupanças, os investimento e as exportações líquidas.
Pela sua parte, as economias emergentes queriam mudar o tema dos estímulos e desequilíbrios macroeconómicos de curto prazo para questões de desenvolvimento de longo prazo. O governo anfitrião, a Coreia do Sul, foi, neste ponto, particularmente dinâmico. A Coreia do Sul pediu aos membros do G20 para se centrarem em desafios como os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio das Nações Unidas, o aumento da produção agrícola e a construção de infra-estruturas sustentáveis nas economias em desenvolvimento. Esta foi a primeira vez que questões de desenvolvimento de longo prazo surgiram tão claramente na agenda do G20, e é um sinal do crescente peso geopolítico dos membros emergentes.
O resultado das deliberações é um novo marco nas relações do G20 com o resto dos países em desenvolvimento, conhecido por Consenso de Desenvolvimento de Seul para um Crescimento Partilhado (Seoul Development Consensus for Shared Growth). O G20 decidiu, correctamente, centrar-se nas áreas de desenvolvimento global onde as maiores economias têm uma vantagem comparativa: financiamento de infra-estruturas como estradas e energia: desenvolvimento empresarial; apoio à melhoria da agricultura nos países mais pobres. Outras partes da agenda do desenvolvimento - por exemplo, saúde e educação - não vão estar entre as prioridades do G20.
A nova agenda do desenvolvimento do G20 oferece uma via excelente de combinar as preocupações com os desequilíbrios globais com a necessidade de acelerar o ritmo de desenvolvimento nos países mais pobres. Os Estados Unidos têm pressionado a China, a Alemanha, o Japão e outros países para aumentar o consumo e, assim, impulsionarem a procura. Mas há uma forma melhor de usar as elevadas taxas de poupança destes países. Em vez de pressionar as famílias a consumir mais, o G20 devia trabalhar mais para canalizar estas poupanças para os países mais pobres, de forma a financiar investimentos em infra-estruturas urgentes e necessárias.
O primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh, expressou esta questão de forma perfeita, ao afirmar que a África subsaariana está, actualmente, em posição de absorver mais entradas de capital para construir infra-estruturas. Manmohan Singh defendeu que os excedentes do G20 fossem canalizados para esses países, e outros países pobres, para financiar esses investimentos. "Por outras palavras", disse Singh, "deveríamos alavancar os desequilíbrios de um tipo para resolver outros desequilíbrios".
Ao canalizar as poupanças da China, Alemanha, Japão e outros países excedentários para investimentos em infra-estruturas em países pobres, as economias mundiais poderiam, verdadeiramente, trabalhar em harmonia. A cimeira do G20 em Seul pode muito bem ter dado início a esse importante processo.
Jeffrey D. Sachs é professor de Economia e director do Instituto da Terra na Universidade de Columbia. É também conselheiro especial do secretário-geral das Nações Unidas para os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio.
© Project Syndicate, 2010.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques
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