Paulo Pimenta de Castro
De novo, reapareceram na Imprensa os anúncios bombásticos sobre a pretensão governamental em requisitar o desempenho dos beneficiários do RSI, dos desempregados e, porque não, dos reclusos nas florestas. Seja em ações de vigilância, na limpeza das matas ou na reflorestação. É a tradicional "gaffe" pré-estival. Aparece no presente ano, como apareceu em anos anteriores e em anteriores legislaturas, nada de novo portanto. No léxico político, os conceitos de "mudar Portugal", de "este é o momento", de "mudança", significam tanto ou tão pouco como manter o "status quo" da mediocridade.
A ligação dos beneficiários do RSI, dos desempregados, ou dos reclusos às florestas não passa de demagogia, de populismo, de politiquice. Em si, não passa de uma medida de operacionalidade irrealizável ou inadequada.
Por um lado, 98% da floresta portuguesa é privada, então porque não se insere a sua proteção no domínio dos privados, no âmbito de negócios entre privados, entre a oferta e a procura? Porque têm os cidadãos, a quem se recorre para a constituição dos fundos de desemprego ou do RSI, de intervir em encargos inerentes a negócios entre privados? Se os negócios florestais ocorrem em concorrência imperfeita, com domínio permitido governamentalmente pela procura, porque não intervêm os decisores políticos na regulação dos mercados?
Será por ser mais fácil fazer anúncios populistas do que "meter as mãos na massa"? Por exemplo, incentivando a concentração da oferta, a transmissão das propriedades com superfícies florestais, fomentando relações "win-win" nos mercados de produtos de base florestal. Relações que permitam custear uma gestão florestal que, entre outras ações, incorpore a defesa da floresta contra incêndios. De facto, a maioria não gosta de pagar a uma minoria que não contribui para as receitas do Estado. Será então intenção dos governantes criar conflitos sociais, aparecendo aqui as florestas como motivo sazonalmente disponível?
As operações florestais exigem qualificações apropriadas, quem as ministra aos desempregados, aos beneficiários do RSI ou aos reclusos? O IEFP não tem competências neste domínio. A Segurança Social menos ainda. O ICNF nem pessoal tem para se ocupar condignamente dos outros 2% de floresta pública.
E, para essa, a floresta pública, nós pagamos e bem. Não é um problema financeiro. Há dinheiro disponível, num fundo público reforçado de cada vez que abastecemos as nossas viaturas.
Os custos das necessárias formações serão pagos por quem? Pelos contribuintes? Essa formação terá desempenho prático durante quanto tempo? Um só ano? Para o ano virão outros? Não será isto despesismo? Se for para vários anos, porque não empregar varias destas pessoas em equipas permanentes? Reduzir-se-ia assim o número de desempregados e de beneficiários do RSI, ganharíamos todos.
Os eventuais beneficiários do RSI e os desempregados a coletar para intervir nas florestais serão selecionados em meios rurais ou urbanos? Gente estranha ao meio florestal, especialmente em período de maior risco, não será desaconselhável?
Por último lado, vamos nós contribuintes, através da utilização dos beneficiários do RSI, dos desempregados ou dos reclusos em intervenções nas florestas, fomentar a concorrência desleal, incentivada pelo Estado, a empresas privadas que se ocupam destas operações e que daí empregam e pagam os seus impostos? Não se corre o risco, por esta via, do Estado contribuir para o aumento do número de desempregados, neste caso já com as qualificações necessárias para intervir nas florestas?
Num plano mais técnico, as limpezas a concretizar serão de natureza intraespecífica, interespecífica ou mista? Concretizar-se-ão por métodos manuais, motomanuais, mecânicos, químicos, com gado ou por fogo controlado?
Com certeza, não se esgotam aqui as questões à demagógica medida anunciada, outras pertinentes haverá.
Notas finais:
1) Estes anúncios populistas não são exclusivos da presente governação, a presente não teve foi capacidade/vontade para alterar o "satus quo". Outros antes já tinham igualmente evidenciado sintomas de febre pré-estival.
2) As florestas não se prestam apenas a febres politiqueiras pré-estivais, preparemo-nos pois para as posteriores febres estivais e pós-estivais.
3) A febre estival carateriza-se pelo eclipse dos responsáveis do Ministério da Agricultura, deixando os bombeiros, a proteção civil e as forças policiais com "a criança nos braços".
4) A febre pós-estival é, por sua vez, caraterizada pelo anúncio bombástico de futuros pacotes de legislação repressiva sobre os proprietários florestais. Gente que migrou ou emigrou, que engrossou no passado e no presente a catástrofe do êxodo rural, fruto de políticas irresponsáveis de desenvolvimento rural, ou que permanece no meio, mas com idade avançada, fraca qualificação empresarial e sem perspetiva de negócios sobre os terrenos de que dispõem, fruto da incapacidade política em se impor a interesses financeiros específicos, como o comprova o Decreto-lei n.º 96/2013, de 19 de julho.
5) O frio invernal, por sua vez, aporta sintomatologias de amnésia política relativamente às florestas. Por exemplo, por onde andam as ameaças da "gaffe" pos-estival de 2013, protagonizadas publicamente pelo secretário de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural. Voltará de novo no período pós-estival de 2014? O processo de revisão da Estratégia Nacional para as Florestas, embora com incoerências fatais, foi inicialmente anunciada para estar concluída em finais de 2013, todavia está em maio, às portas de novo período estival, apenas e só na fase de auscultação pública. Outro exemplo, o cadastro rústico, anunciado publicamente como prioridade da presente legislatura, por onde anda. Ah, foi constituída uma comissão. Mensagem entendida. Para as calendas, portanto.
Lisboa, 19 de maio de 2014
Paulo Pimenta de Castro
Engenheiro Silvicultor
Publicado em 20/05/2014
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