quinta-feira, 5 de julho de 2012

Carmenère, a casta que se julgava extinta e que renasceu no Chile

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Por Pedro Garcias
23.06.2012
A história da casta Carmenère tem um lugar especial no admirável mundo
da viticultura. A filoxera fê-la desaparecer da sua região de origem,
Bordéus. Mas cerca de século e meio depois viria a ser descoberta
acidentalmente no Chile, onde encontrou o <em>terroir</em> perfeito e
o reconhecimento mundial.
O Chile é um país excelente para muitas castas europeias, nomeadamente
para as francesas Cabernet Sauvignon, Syrah, Pinot Noir, Merlot,
Chardonnay e Sauvignon Blanc. Mas é verdadeiramente único para a
variedade Carmenère, uma casta que, depois de ter desaparecido de
França, viria a ser descoberta por um acaso naquele país da América do
Sul, no outro lado do mundo. Se há vinhos chilenos que vale a pena
conhecer, pela sua exclusividade e singularidade, são precisamente os
tintos dessa casta.


Há também uma variedade étnica que alguns enólogos conhecidos estão a
tentar revalorizar, a uva País, uma das mais plantadas no Chile.
Durante os primeiros 300 anos de viticultura chilena foi quase
exclusiva. Mas os vinhos que origina são delgados e muito diluídos,
difíceis de vender no mercado da exportação, continuando, por isso, a
ser muito orientada para o consumo interno.

A Carmenère é diferente. De aroma muito singular (vegetal, terra
húmida e futa vermelha), tem mais cor e corpo e os taninos são macios,
produzindo vinhos diferentes e apetecíveis. A Carmenère beneficia
ainda do romantismo associado à sua própria história, testemunho vivo
da Teoria da Evolução das Espécies.

Originária da região de Bordéus, onde chegou a ter um peso
significativo, a casta acabou por desaparecer na segunda metade do
século XIX, na sequência da filoxera, praga provocada por um insecto
originário da América do Norte que sugava a seiva das videiras,
provocando a sua morte. Em 1994, o ampelógrafo francês Jean-Michel
Boursiquot descobriu no Chile, em vinhedos da empresa Carmen, no vale
Alto Maipo, umas plantas de Merlot com um comportamento estranho, uma
vez que amadureciam mais tarde do que as restantes. E depois de as
estudar chegou-se à conclusão que as videiras em causa não eram de
Merlot mas sim de Carmenère, que se julgava extinta. Por um daqueles
acidentes de que é feita a história da humanidade e da vida na Terra,
algumas plantas de Carmenère foram plantadas de forma inadvertida
juntamente com outras de Merlot e acabaram mais tarde por voar também
rumo à América do Sul, quando as castas europeias começaram a
expandir-se para o Novo Mundo.

Essa expansão coincidiu também com a crise da filoxera. A destruição
dos vinhedos franceses deixou muitos técnicos desempregados e livres
para iniciarem novos projectos no Chile. Com eles levaram as castas
que melhor conheciam e que mais reputação tinham no mundo.
Inversamente, do Chile foram enviadas para a Europa alguns dos
porta-enxertos (conhecidos como "americanos") que conseguiam resistir
à filoxera. Graças ao efeito barreira exercido pelos Andes, pelo
Pacífico, pelo deserto de Atacama e pelas águas frias do Pólo Sul, o
Chile sempre esteve livre daquele insecto. Na actualidade, é o único
país do mundo imune à praga.

Planta frágil, a Carmenère acabaria por encontrar no Chile, em
particular em Apalta, no vale de Colchagua, o solo e o clima ideais
para sobreviver, ganhar uma nova identidade e conquistar uma reputação
que não tem parado de crescer. Ainda não é comparável ao do Cabernet
Sauvignon, a casta com mais valor comercial. Mas alguns dos melhores
vinhos chilenos resultam de lotes em que a Carmenère domina ou entra
em percentagem significativa.

Sogrape também tem
O primeiro vinho de Carmenère (lote com Cabernet Sauvignon) foi
produzido em 1996, pela Carmen, sob a designação Grande Vidure. Nos
anos seguintes, empresas como Concha Y Toro, Casa Silva, de Martino,
Errazuris, Von Sibenthal, Casa Rivas, Odfjell e Terra del Fuego, entre
outras, começaram também a apostar na casta, produzindo vinhos que têm
obtido classificações acima dos 90 pontos nas principais revistas
internacionais da especialidade. Carmim de Peumo (Concha Y Toro),
Terrunyo (Concha Y Toro), Microterroir los Lingues (Casa Silva) e Kai
(Errazuris), Carmem Gran Reserva (Carmen) são alguns dos vinhos mais
afamados.

Los Boldos, a empresa chilena da Sogrape, também produz um
monovarietal de Carmenère, bem representativo da casta (Los Boldos
Momentos de Chile). Está à venda em Portugal por seis euros. A
colheita disponível é de 2010. O aroma evoca imediatamente pimento
verde, característica vegetal muito típica da casta. Também são
perceptíveis notas terrosas de beterraba, de alguma especiaria e, em
maior grau, de fruta vermelha. Na boca, é um vinho de algum volume mas
pouco musculado, com um perfil gustativo relativamente austero e
elegante que associa sabores vegetais a outros mais frutados
(groselha, goiabada).

Muitos vinhos Carmenère pecam por ser demasiados frutados e doces.
Este Los Boldos revela um equilíbrio muito curioso e interessante
entre a componente vegetal, mais fresca, e a frutada, mais doce. Não é
um vinho de topo, nem é capaz de causar arrebatamentos memoráveis.
Mas, na sua simplicidade e pureza, pode ser o vinho perfeito para uma
primeira abordagem a uma das castas que têm feito do Chile um dos
países com mais êxito no mercado global do vinho.

http://fugas.publico.pt/Vinhos/307114_carmenere-a-casta-que-se-julgava-extinta-e-que-renasceu-no-chile?pagina=-1

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