segunda-feira, 8 de julho de 2013

“Trabalhar na terra já não implica andar com a enxada na mão”

Paula Casaca Pedro, diretora do curso de Produção Agrária na EPDR de Grândola



"As pessoas olhavam para a atividade agrícola como um trabalho menor e
sujo", mas tem aumentado o interesse por parte de alguns jovens até
porque "a visão que se tinha da agricultura mudou completamente", uma
vez que a tecnologia tem evoluído e "em muitos trabalhos agrícolas não
há a necessidade de andar no campo". O curso de Técnico de Produção
Agrária da Escola Profissional de Desenvolvimento Rural de Grândola é
"muito prático" e "exige muita produção", uma vez que a escola possui
"uma exploração muito grande". Paula Casaca Pedro, diretora do curso,
em entrevista ao "Setúbal na Rede", garante que "a escola trabalha no
sentido de fazer com que os alunos levem alguma bagagem" pelo que
podem optar por "dar continuidade aos estudos ou ingressar no mercado
de trabalho".


"Setúbal na Rede" – Qual é o perfil dos alunos que procuram o curso de
Técnico de Produção Agrária?



Paula Casaca Pedro – O curso de Técnico de Produção Agrária é
procurado quer por jovens que estão mais vocacionados para esta área,
porque os pais têm explorações agrícolas e, por já terem contacto com
essa realidade, querem adquirir mais conhecimentos e investir numa
formação, quer por jovens que desejam prosseguir os estudos na
universidade neste sector. Muitas vezes, mesmo os alunos que acabam
por não conseguir arranjar trabalho nesta área, mais cedo ou mais
tarde, vão buscar conhecimentos que adquiriram em disciplinas como a
Química, Matemática e Biologia, porque o curso também tem uma
componente científica.



SR – Geralmente, o ensino profissional é visto como uma via rápida
para o mercado de trabalho. Há quem procure este curso tendo em vista
já o prosseguimento de estudos?



PCP – Sim, temos vários antigos alunos já licenciados e alguns até com
mestrado. Quando os alunos querem prosseguir os estudos, nós
facultamos-lhes sempre duas aulas de apoio, ao fim do dia, na
disciplina em que vão fazer o exame. No último mês, fazem simulações
de exames e todo o tipo de preparação. Ou seja, todos os alunos que,
no início do 12.º ano, manifestem vontade de fazer os exames nacionais
serão sempre acompanhados por um professor que lhes é atribuído.



SR – Aqueles que apenas no final do curso manifestam esse interesse,
estarão em desvantagem em relação aos alunos do ensino regular?



PCP – Esses alunos podem sempre ingressar no grupo dos que começaram
mais cedo a sua preparação para os exames. No entanto, enquanto
diretora do curso, tenho sempre o cuidado de falar com eles desde o
10.º ano para saber quem está realmente interessado, porque queremos
que tenham bons resultados, de modo a somarem uma boa média nos três
anos. Se os alunos realmente quiserem ingressar na universidade,
normalmente, no início do 12.º ano, faço sempre reuniões com eles,
porque este curso é ligeiramente diferente dos outros que aqui temos,
uma vez que vem de uma junção de dois cursos, Técnico de Gestão
Agrária e Técnico de Produção Animal, atualmente extintos.



Com este curso, no 12.º ano, os alunos têm que escolher entre duas
variantes, a de produção vegetal ou produção animal. Nós temos vários
protocolos com algumas explorações e empresas agrícolas e os nossos
alunos vão para lá estagiar, fazem uma formação em contexto de
trabalho e depois desenvolvem a prova de aptidão profissional, onde
fazem um pequeno projeto. Desta forma, tudo isso acaba por lhes dar
algum conhecimento sobre o mercado de trabalho.



SR – Os estágios permitem também aos alunos uma reflexão sobre aquilo
que pretendem para o seu percurso?



PCP - Claramente. Isso nota-se mesmo nos alunos mais tímidos, que,
quando estão perante um júri, apresentam o projeto de forma explícita,
porque foram eles que o fizeram e, portanto, dominam o tema e
conseguem desenvolver as suas ideias. Os alunos que já acabaram o
curso afirmam que, através dos conteúdos que aqui lecionamos e da
prova de aptidão que fazem no curso profissional, seria possível
entregar, apenas com alguns arranjos, um trabalho final de curso
igual.



SR – Estes alunos que saem daqui e entram na universidade estão em
igualdade de circunstâncias com os outros?



PCP - Nós acompanhamos sempre os nossos alunos e, muitas vezes,
facultamos-lhes matérias quando eles precisam. Por um lado, em termos
práticos, nas disciplinas técnicas, eles vão muito melhor preparados.
Por outro lado, em termos científicos, os conteúdos são dados,
fundamentalmente, de acordo com aquilo que eles necessitam depois para
as disciplinas técnicas. Portanto, aí são capazes de ter dificuldades
em alguns conteúdos, mas não em todos, visto que têm muitos trabalhos
práticos, mesmo na matemática e na biologia. Apesar de terem menos
horas do que os alunos do ensino regular nas matérias científicas, os
nossos estudantes aprendem os conteúdos e depois aplicam-nos em
situações reais.



SR – Há alunos com vontade de continuar a trabalhar na terra?



PCP - Há, sim. Durante dois ou três anos, tivemos algumas dificuldades
nesse aspeto, pois os jovens preferiam optar por outros cursos, como,
por exemplo, o de Técnico de Turismo Ambiental. No entanto, neste
momento, estamos a conseguir trazer muito mais alunos para o curso de
Técnico de Produção Agrária. Esta escola começou por ser agrícola, só
tinha cursos de agricultura, pelo que chegámos a ter três turmas
abertas nessa área. Depois passámos por um período de estagnação e
houve um ano em que não chegámos sequer a abrir o curso, mas agora
estamos a notar mais procura e, normalmente, a turma do curso de
Técnico de Produção Agrária fica logo completa.



Há muitos alunos que, mesmo não tendo pais agricultores, também
procuram este curso, porque se interessam pela parte científica da
escola, que engloba Matemática, Biologia e Química, e, portanto,
permite-lhes também prosseguir os estudos noutras áreas. Aqui nesta
escola, também lhes damos a carta de tratorista, o que é um valor
acrescentado para o mercado de trabalho. Portanto, no final do 12.º
ano, têm a disciplina de mecanização, que contém um módulo de código e
outro de condução. Por conseguinte, passando nos dois módulos, os
alunos podem candidatar-se para fazer o exame de condução de trator.



SR – Podemos dizer que a crise, com o desemprego que lhe está
associado, faz muita gente voltar a procurar a atividade agrícola como
uma solução profissional?



PCP - Empiricamente, sim. Como lhe disse, as pessoas olhavam para a
atividade agrícola como um trabalho menor e sujo, mas agora temos
jovens que se interessam, que optam pelo curso e sabem que trabalhar
na terra já não implica, necessariamente, andar com a enxada na mão.
Lembro-me que, há dois anos, fomos a uma visita de estudo à Lourinhã
ver um viveiro de plantas e os alunos estranharam, porque, quando lá
entraram, viram três ou quatro pessoas de bata branca a fazer a
sementeira. Portanto, em muitos trabalhos agrícolas não há a
necessidade de andar no campo.



SR – Tem havido, nos últimos anos, uma reforma na maneira como se
processam as atividades agrícolas. Esta escola acompanha essa
evolução?



PCP - Tentamos sempre acompanhar toda essa evolução e conseguimos
fazer adaptações aos nossos próprios programas, tendo em conta o
desenvolvimento da tecnologia. Para além disso, fazemos também visitas
de estudo para que os alunos possam perceber como é que os
agricultores estão a proceder e, portanto, procuramos sempre visitar
entidades ou explorações que trabalhem também com métodos inovadores.
À partida, tentamos estar sempre atualizados com as novas tecnologias,
pelo que alguns colegas que lecionam economia fazem várias formações
precisamente para acompanharem essa evolução.



SR – Os alunos quando terminam aqui os estudos estão preparados para
lidar com esses desafios?



PCP - Dos alunos que terminaram o curso no ano passado, muitos estão a
trabalhar na área, outros estão na universidade ou emigraram. É claro
que também temos alguns antigos alunos que não estão a trabalhar na
sua área de formação e outros que abandonaram os estudos, mas, de uma
maneira geral, estão todos bem colocados. Para alcançarem o sucesso, a
escola trabalha no sentido de fazer com que eles levem alguma bagagem
e temos alunos que saem daqui muito bem apetrechados, pelo que podem
dar continuidade aos estudos ou ingressar no mercado de trabalho.



SR – Existem casos de abandono escolar?



PCP - Desde há dois anos que temos tido mais abandono. Essa situação
deriva do facto de serem alunos que, muitas vezes, os pais perdem o
emprego e ficam sem dinheiro. No entanto, tentamos combater essas
dificuldades e, como somos financiados pelo POPH,damos subsídios de
alimentação e de transporte. Se forem alunos que vivam a mais de 50
quilómetros da escola, têm também um subsídio de alojamento. Em média,
se não faltarem, os estudantes chegam a ganhar cerca de cem euros por
mês para o almoço. Porém, alguns alunos têm que usar esse dinheiro
para ajudar a família e, a dada altura, optam por ir trabalhar.



SR – É uma percentagem significativa de alunos?



PCP - Sim. No ano passado tivemos uma taxa de abandono de cerca de 13
por cento. Este ano, na turma de 10º ano, no curso de Técnico de
Produção Agrária, também já perdemos alguns alunos, quase todos por
esse motivo.



SR – Em relação aos que continuam o percurso, há casos de dificuldades
com reflexo no dia-a-dia dos alunos?



PCP - Normalmente, quando detetamos que os alunos vêm com fome, e como
a escola tem receitas da sua exploração, damos-lhes os
pequenos-almoços, para além de outros subsídios. Mais do que isso
também não podemos fazer. Neste curso, os alunos trabalham muito na
exploração agrária e, uma vez que temos estufas e animais, vendemos
tudo o que produzimos. Para além disso, no 10.º e 11.º anos, têm uma
disciplina, que é a transformação de produtos agrícolas, na qual fazem
compotas, gelados, apanha da azeitona, entre muitas outras coisas. Ou
seja, temos uma série de actividades que os alunos vão fazendo ao
longo dos três anos e esses produtos são vendidos em feiras e
certames, pelo que esse dinheiro, de receitas próprias da escola,
reverte sempre a favor dos alunos.



SR – Este curso tem também uma componente virada para a gestão das
explorações e não apenas para o trabalho agrícola tradicional.



PCP - Sim, os alunos saem daqui com capacidade para fazer uma gestão
de recursos, pois aprendem a fazer mapas de tesouraria ou planos de
cobrições, no caso da produção animal, e, desta forma, ficam a
conhecer tudo o que se pode fazer na organização de uma exploração
para poderem colocar as coisas em prática. Ou seja, através da
realização de projetos, aprendem a implantar no terreno.



SR – Há alguma relação entre este e os outros cursos desta escola?



PCP - Normalmente, quando planificamos as nossas atividades, fazemos
em conjunto com as turmas do mesmo ano. Ao longo dos três anos, alguns
trabalhos são feitos entre todos os cursos, porque, por exemplo,
quando vamos para uma feira, estamos a representar a escola e,
normalmente, os técnicos de produção agrária fazem todo o plano de
Marketing e os de Turismo dão a cara e vendem os produtos. O curso de
Técnico de Turismo Ambiental e Rural também faz a ponte entre esses
dois cursos, pois os alunos trabalham na parte da divulgação dos
produtos.



SR – Que argumentos utilizaria para atrair um jovem a integrar este curso?



PCP - Primeiro, teria que saber quais eram as expectativas do aluno.
Se ele tivesse, realmente, apetência por um trabalho mais ao ar livre,
pelo "saber fazer", nesse caso, talvez o que lhe diria é que este é um
curso muito prático, que exige muita produção, uma vez que temos uma
exploração muito grande. Mas é preciso gostar do que se está a fazer,
porque muitas das avaliações que fazemos resultam da motivação do
aluno.



SR – O trabalho prático não é um trabalho duro, tendo em conta que
esta é uma geração conhecida por gostar de estar no sofá a jogar
consola?



PCP - Há atividades que são mais duras do que outras, mas isso é como
tudo na vida. Portanto, tem que haver espírito de sacrifício e o que
eu digo aos meus alunos é que, quando forem para o mercado de
trabalho, não irão conviver apenas com pessoas de que gostam e, muitas
vezes, terão que fazer trabalhos que não sejam do seu agrado e,
normalmente, eles acabam por perceber e não fazem reclamações. Outra
ideia importante a reter é que, com os avanços tecnológicos, a visão
que se tinha da agricultura mudou completamente, porque, atualmente,
os tratores têm ar condicionado, GPS e variadíssimas novidades.


Pedro Brinca e Soraia Neto - 04-07-2013 17:54

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