Histórias
Portugueses aderem à moda das estações meteorológicas caseiras para analisar fenómenos climatéricos em tempo real
08 de Fevereiro 2014, 10h17Nº de votos (0) Comentários (0)
Por:Isabel Faria
Na manhã de 17 de janeiro, quando algumas zonas de Lisboa acordaram cobertas de granizo, Hélder Neves, 53 anos, sentou-se em frente ao computador e seguiu a viagem daquele fenómeno. Pelas 12h00, a tempestade chegava a Abrantes, mas com menor intensidade. "A diferença de seis para sete graus de temperatura fez a alteração".
O interesse de Hélder Neves pelos fenómenos climatéricos começou em 1978, quando uma trovoada inesperada de verão o apanhou num barco avariado no meio da albufeira de Castelo de Bode. "O susto foi muito grande. Como era possível, num dia em que o céu estava limpo, de repente acontecer aquilo? Corri sério risco de vida, um senhor foi buscar-
-me e também para ele foi arriscado, pois podíamos ficar ali ‘assados'", recorda.
A partir daí, o professor de português "quis compreender todos os fenómenos meteorológicos e o tema tornou-se quase uma obsessão". Adquiriu a primeira estação meteorológica caseira nos anos 1990 e hoje, já reformado, alimenta a página meteoabrantes.pt e colabora com a proteção civil, pois tem um software de previsão de risco de incêndio.
O investimento não é grande: entre 180 a 500 euros é quanto basta para obter uma estação caseira. A isso soma-
-se um computador, software adequado e ligação à internet. A ‘moda', importada dos Estados Unidos, cresce entre nós e são cada vez mais as estações de dimensões reduzidas, que agregadas no site internacional Wunderground, fazem cobertura mundial do estado do tempo.
O site da Caranguejeira
Desde há um ano, os habitantes da Caranguejeira podem consultar o tempo que faz na sua aldeia, a cerca de dez quilómetros de Leiria. O site meteocaranguejeira.pt foi criado por Pedro Lopes, cozinheiro, de 31 anos, que adquiriu uma estação meteorológica para o ajudar no seu hobbie. "Sou praticante de Kitesurf e o desporto obrigou-me a conhecer mais o estado do tempo e a saber lidar com o vento e outros fenómenos. Como estou relativamente perto da costa, com esta estação posso estar melhor informado", diz.
Desafio escolar
Na escola Fernão Mendes Pinto, no Pragal/Almada, funciona uma estação meteorológica caseira criada por cinco alunos, hoje estudantes do 11º ano, que concretizaram o projeto na disciplina de educação tecnológica quando ainda estudavam no 9º ano. "Inicialmente o desafio foi lançado pelo professor José Abrantes, que deu a ideia, e nós garantimos que éramos capazes", explica Miguel, 16 anos, perito em programação. "Foi também uma forma de promover a tecnologia na escola", adiantam. Com os dados fornecidos pela estação analisam pressão atmosférica, precipitação, humidade relativa, ponto de orvalho, temperatura ambiente, vento e outros. "É bom para o surf", destacam Miguel e Diogo, praticantes de desportos náuticos, que costumam consultar os dados antes de se fazerem ao mar.
Atualmente, a estação do Pragal é controlada remotamente pelo professor José Abrantes, que no Colégio Campo de Flores, na estada do Lazarim, forma outros ‘meteorologistas'. No Clube de Robótica, os mais pequenos criam páginas onde inserem os dados avançados pela estação. Gonçalo Veríssimo, dez anos, aluno do 5º ano, mostra com orgulho a facilidade com que navega na internet. "Desde que aprendi isto fiquei com gosto e costumo ver o tempo, para saber se está bom ou mau", nota. A estação serve também de exemplo prático nas aulas de geografia. Guilherme Franco adianta que no dia 17 os seus alunos "puderam analisar, em tempo real, os dados que levaram à criação de fenómenos, como a tempestade de granizo, nomeadamente a descida muito rápida de temperatura". Duarte Almeida, 18 anos, aluno do 12º ano, quer ir mais longe e usar "os dados da estação para automatização na agricultura. O grau de humidade pode permitir acionar o sistema de rega e queremos um alerta de radiação, através da colocação de um espantalho que levanta e desce o chapéu consoante os níveis são baixos ou mais altos", refere.
Partilha de dados
Vasco Castro, engenheiro informático de 35 anos, destaca que "com uma estação meteorológica não é possível fazer previsões, eventualmente apontar para tendências e mesmo assim com margem de erro". O objetivo da estação que instalou em Melgaço "é ter informação em tempo real, registar dados para análise futura, assim como divulgar ao cidadão as informações meteorológicas em tempo real", indica. Os dados são depois postos na página meteomelgaco.com e consultados também na "maior rede de meteorologia amadora em Portugal, o MeteoPT (www.meteopt.com)".
Interessado desde cedo na meteorologia, geografia e astronomia, Vasco Castro já instalou duas estações (a primeira em 2007 e a atual em 2011) e acredita que os ‘dados caseiros' tendem a ganhar importância. "Ao estarem bastante disseminadas e serem em maior número que as estações oficiais, as estações caseiras permitem uma maior abrangência do território nacional na análise ao clima", nota, destacando o exemplo dos EUA, onde os organismos federais ligados à climatologia e meteorologia (NOOA) e (NWS) "recebem e integram os dados das estações meteorológicas amadoras, utilizando-os para previsão meteorológica, estudos climáticos, investigação científica".
Por cá, "o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) tem dado passos importantes com vista a explorar as sinergias com a comunidade amadora de meteorologia", avança, e destaca "a criação do projeto Meteoglobal, através do qual o cidadão pode registar a sua estação meteorológica, relatar ocorrências meteorológicas ou enviar fotografias".
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