15 de Abril, 2014por Sónia Balasteiro
© José Sérgio
O francês Le Figaro chamou-lhe a 'febre azul' num artigo recente. Atribuiu-a à falta de emprego que grassa no país e ao interesse da Europa no pequeno fruto. A verdade é que o mirtilo se assumiu nos últimos anos como a segunda opção de investimento em Portugal na fruticultura. E não é para menos, garante Sofia Freitas, da Associação para os Pequenos Frutos e Inovação Empresarial (AGIM), em Sever do Vouga. "É uma cultura interessante, que não requer um investimento a tempo inteiro", explica Sofia, uma das responsáveis pelo 'boom' da produção do mirtilo no país, que tem acontecido sobretudo a partir de Sever do Vouga, desde 2008. Lá iremos.
A história do mirtilo em Portugal conta já com uma vintena de anos. Foi em 1991 que o engenheiro holandês Lockorn decidiu numa das suas visitas à Fundação Bernardo Barbosa de Quadros, instalada em Sever, experimentar se o mirtilo vingava. "Espantou-o a agricultura de subsistência que então se praticava", conta Sofia. O arbusto gostou dos solos e do clima da região e vingou mesmo. "Então, o engenheiro Lockorn vislumbrou que, pelo pH do solo, pelo sol, água e temperaturas, a região, e Portugal, poderiam produzir mirtilo antes que o resto da Europa o conseguisse".
Portugal consegue, hoje, produzir mirtilo entre Maio e Junho, quando a restante Europa só inicia em meados de Julho.
Logo se estabeleceram 11 produtores na região e, através de apoios à instalação, não tardaram a ser 42. Foi este 'núcleo duro' que criou, já em 1995, a Mirtilusa, uma sociedade para a comercialização do pequeno fruto azul. "Até 2008, houve um aumento ténue que não ultrapassou os 70 a 80 produtores".
Dois anos antes, tinha surgido na história do mirtilo a AGIM, fruto de uma parceria entre a associação empresarial de Sever e a câmara local. "Soubemos de imediato que o mirtilo era o factor de diferenciação, o motor de desenvolvido da economia local". E é em 2008 que acontece a parceria com a Mirtilusa, com o projecto para a instalação de 42 novos produtores, dos quais 14 eram jovens agricultores, de Sever, mas também de concelhos vizinhos, como Vale de Câmara, São Pedro do Sul, Vouzela e Águeda. Logo nesse ano, é organizada a primeira feira do mirtilo, com o intuito de dar a conhecer o pequeno fruto ao país. "Com o desemprego e a crise, proliferaram as candidaturas", conta a responsável da AGIM. Até porque esta é uma cultura fortemente apoiada pelo PRODER, que financiava até Dezembro de 2013 cerca de 100% do investimento. "Sempre em minifúndio, em áreas de um, dois hectares". Mas Sofia é peremptória: "É sempre necessário ter algum dinheiro para investir no início, cerca de 20 a 25%".
Outro dos motivos que levaram os jovens a interessar-se pela cultura é o facto de o mirtilo ter garantia de escoamento do produto, com uma "procura muito superior à oferta". E 25% já vai para o mercado nacional.
Se, no ano passado, havia 900 hectares plantados, nos próximos anos a área chegará aos 2.000 ha. Em Sever do Vouga, a capital do mirtilo, estão plantados 45 ha e há projectos para instalar mais 30. O sucesso é tal que o mirtilo representa já 9 milhões de euros na balança das exportações nacional e estima-se que chegará aos 90 milhões em 2020.
Os objectivos, agora, são aumentar a área plantada, a produtividade dos pomares e ganhar rentabilidade. "Até porque pode haver uma quebra no preço", avisa Sofia.
Interessados em tentar não faltam. Frederico Barbosa, que vai explorar 1,4 hectares instalados na herdade da Fundação Bernardo de Quadros, é um deles. "Já estou a explorar 1,6 ha. O objectivo é chegar aos cinco", conta o técnico de informática de 33 anos. "É uma fonte de rendimento extra". Outro incentivos essenciais são a bolsa de terras criada pela AGIM - e que este ano se estendeu a todo o concelho - e o apoio técnico da organização: "Faz-nos sentir que não estamos sozinhos e ganhamos economia de escala".
Filipe Costa, produtor de três hectares em Romariz, na vizinha Santa Maria da Feira, também aderiu à febre azul. "Queria diversificar culturas", diz o também produtor de kiwi. Afinal, o mirtilo é uma cultura em expansão. "Se plantássemos Portugal inteiro de mirtilos, haveria procura suficiente", garante. O seu objectivo passa por aumentar a produção.
Em Dornelas, uma localidade próxima, Custódio Borges começa a falar na polinização e de como "é fundamental". Aos 78 anos, garante que já só faz isto "como um passatempo agradável". Produz quatro das 77 toneladas anuais vendidas pela Mirtilusa, da qual é sócio fundador. Curioso pela natureza, passa os serões a pesquisar tudo sobre cultura de mirtilo na internet. "Visito muitos sites sul-americanos e ingleses. São os melhores", conta, bem-disposto. "Pesquiso pelo menos duas horas por dia. Gosto de conhecimento. Agora, estou a estudar a baga de Maio".
Mostra a planta colocada em vasos, devido à falta de qualidade do solo da zona, e protegida por redes. "O mirtilo dá logo no primeiro ano. E a planta produz durante 40 anos".
Ali perto, fica a Mirtilusa, presidida por José Sousa, dono de um hectare de exploração. "No ano passado, comercializámos 50 toneladas e a maioria foi para o mercado nacional". Hoje a Mirtilusa lidera o "Projecto Myrtillus, em parceria com a Frulact, que experimentou vários produtos com mirtilo". Que, como diz Sofia, "pode ser utilizado em quase tudo". É a febre azul e está a alastrar.
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