15 de Abril, 2014por Sónia Balasteiro
© José Sérgio
Podíamos falar do croché dos bagos. Ou dos plásticos que lhes servem de guarda-chuva. Ou dos cuidados, que implicam cobrir com plásticos ou redes cada variedade, para que produza uvas de qualidade. Mas comecemos pelo essencial. Ou seja, pelo que esta uva não tem: grainha. São as uvas do Vale da Rosa, no coração do Alentejo, que o exigente Marks & Spencer definiu como as melhores do mundo. Sem senão.
Na herdade, 100 dos 230 hectares dedicados à produção de uva de mesa já são de uva sem grainha. Entre Junho e Novembro, cerca de 700 pessoas trabalham na vinha, retirando cerca de 5.700 toneladas de uva de mesa dos cachos. Mas a produção requer cuidados o ano inteiro, por isso o Vale da Rosa tem 400 empregados fixos. "Temos de ter uvas de grande qualidade, por isso têm de ser cuidadas, é necessária muita selecção", explica o administrador e fundador da empresa, António Silvestre Ferreira, que levou este modo de produzir uvas dos EUA para o Brasil, onde então vivia, e daí para Portugal, já no ano 2000. "O Marks & Spencer só importava uvas sem grainha e rapidamente comecei a fazer testes para ver quais as variedades ideais para Portugal", conta. E acrescenta de imediato: "As pessoas pensam que uva sem grainha é um cavalo com duas caudas, mas não é, sempre existiu. Mas era muito pequenina e era destinada para passas. Começou a haver interesse nas uvas 'em natura' e apareceram organizações que fizeram o melhoramento, o mesmo que nas outras. E investi nessa área".
Sempre com todos os cuidados do mundo. "Em 300 bagos, cortamos cerca de 150, para que os outros fiquem mais resistentes e mais saborosos". E há o croché, que é "tirar bagos do cacho de uma forma organizada e que implica o trabalho de muita gente".
De resto, tudo na produção é pensado ao pormenor. Desde a fertirrigação, com adubos ideais para ter a qualidade desejada, aos plásticos que antecipam a produção de determinadas castas e às redes para proteger do granizo as variedades mais tardias. "Estes cuidados permitem-nos colocar as uvas no mercado fora de época, ora atrasando a produção, ora adiantando", conta o fundador do Vale da Rosa, explicando que conseguir ter as uvas à venda durante sete meses num ano "é uma mais-valia muito grande".
António Ferreira caminha, sorridente, entre as videiras e exclama: "Está ver esta verdura? Está tudo a começar! Dentro de algum tempo, vai ser um mar de uvas, umas rosadas, outras pretas… É muito bonito ver isso". Depois explica: "As variedades mais tardias são cobertas em Agosto com plásticos que lhes servem de guarda-chuva em Setembro. Assim aguentam mais um mês e meio, ou seja, o dobro do tempo do que se não utilizássemos os plásticos". A seguir, é só colocar as uvas em câmaras frigoríficas, garantindo que se mantêm em condições até ao final de Janeiro.
Os clientes, sobretudo o Marks & Spencer, o mais antigo, asseveram a qualidade do fruto. Da China ao Vietname, passando por Angola, para onde já exportam 100 mil euros por ano, ou pela Alemanha, Bélgica, Suíça ou Inglaterra, claro está. "Agora estamos a começar a experimentar a Noruega, o Leste, a Rússia, que é um mercado muito interessante", diz o responsável. Este ano, começarão a exportar também para o Brasil.
O objectivo é aumentar a produção - e há terreno já a ser preparado com "adubação verde" contíguo ao Vale da Rosa para o fazer -, e "rentabilizar a produção". O que também passa por encontrar os clientes ideais: "Quando se produz um Mercedes, não queremos vendê-lo a alguém que procure um carro, mas a alguém que procure um Mercedes".
Mas o trabalho de promoção não tem estado propriamente parado. "No ano passado, a Mcdonalds vendeu uvas do Vale da Rosa, foi muito bonito. E o Santini fez um gelado com uvas do Vale da Rosa também. Estas coisas dão muito charme ao nosso trabalho", diz António. "E o Lidl festejou o 18.º aniversário também com as nossas uvas".
Falta apenas contar a história da propriedade: "Chamava-se tudo Herdade do Pinheiro e foi dividida entre três. A do Pinheiro, que ficou com os meus sobrinhos, manteve o nome por causa do vinho. Tive de encontrar um nome para esta. E havia uma horta muito bonita, maravilhosa, para onde vinha tomar banhos nos tanques, que se chamava Vale da Rosa. Era o nome daquela horta maravilhosa da minha infância", conta o fundador.
O futuro também já tem história: dois dos filhos de António Ferreira têm projectos de jovens agricultores, de produção de uvas de mesa em terrenos próximos: "É o futuro. E é muito bonito", orgulha-se o progenitor.
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