27 de Novembro, 2010Por Susana Branco (texto) e Humberto Almendra (fotografias)
Na praia de Castelo do Neiva, em Viana do Castelo, fomos ao encontro
da última sargaceira da região. Com os pés na areia, recuperámos a
tradição quase extinta e assistimos à apanha das algas.
No Núcleo Museológico do Sargaço, que ocupa a antiga escola de Castelo
do Neiva, João Alpuim Botelho escreve: «O sargaço fez, durante anos, a
união entre a terra e o mar e permitiu o cultivo do solo, junto às
praias, que o vento tornava demasiado arenoso. Assim os agricultores
tornavam-se também homens do mar, porque só recorrendo a este
fertilizante natural que o mar oferecia, puderam cultivar estas
terras».
Das janelas do edifício o horizonte delimita-se pela linha azul do
mar, embora no nosso olfacto tenha já entranhado o cheiro a maresia do
amontoado de algas guardadas dentro do pequeno museu desta que é uma
das freguesias mais antigas do concelho de Viana do Castelo.
A apanha do sargaço faz parte da história do Litoral Norte, rochoso e
rico em algas que as águas do mar empurram para a costa. «No foral
atribuído pelo rei D. Dinis à Póvoa de Varzim, em 1308, existem
registos de disputas de sargaço e são referenciadas algumas regras de
apanha», conta a guia Isabel Sousa.
As alfaias do sargaço, as branquetas (nome da lã grossa de cor natural
dos trajes usados nesta actividade), a jangada rudimentar de madeira
carcomida e o palheiro feito de algas são testemunhos da dureza de uma
tradição que deixou marcas profundas. «Todos viviam do sargaço. Era
miúdo e lembro-me que semanalmente saía daqui um camião TIR carregado
para o Japão. Do mar saíam, em média, 60 jangadas de algas», lembra o
presidente da junta de freguesia Augusto Bandeira.
Na década de 70 ainda muitas famílias se governavam à conta das algas,
depois com o aparecimento dos fertilizantes as gentes abandonaram esta
lida.
As palavras no Núcleo Museológico ganham rosto nas imagens de Maria
Emília, com os pés mergulhados na água, a arrastar as algas, e da sua
filha. Céu é uma das últimas sargaceiras tradicionais de Castelo do
Neiva.
Em direcção à praia, «vamos entrar na zona mais rural da freguesia
atravessada por um dos caminhos de Santiago de Compostela», anuncia
Isabel. Embrenhámos por veredas estreitas e empedradas, contornando o
casario que permite vislumbrar apenas uma nesga de mar. O silêncio da
manhã é interrompido, ora pelo canto do galo, ora pelo latido dos cães
que passeiam livremente.
Entre as casas e o mar, espalham-se alguns terrenos baldios e campos
de cultivo, sobretudo de milho e de batata. Estamos a poucos metros do
estuário e abrandamos o passo a convite da nossa guia, que nos
emprestou os binóculos para uns breves instantes de bird watching.
«Não nos limitamos à temática dos passeios mas damos a conhecer os
recursos culturais e socio-económicos da região», refere o responsável
pela empresa promotora, Nuno Barbosa.
Transposto o pinhal, alcançámos as dunas, sob o passadiço, e o mar
revelou-se em toda a sua extensão. Os condomínios de luxo contrastam
com as casas humildes da comunidade piscatória. No quintal de uma
delas, vimos cinco palheiros, cada vez mais invulgares.
Junto ao pequeno molhe, os barcos de pescadores aguardam em terra a
próxima faina. O chão é agora uma mistura arenosa de redes, bóias e
pedaços de marisco. No alto de uma duna uma bicicleta solitária
acelera o ritmo do grupo. «É a bicicleta da dona Céu», assegura
Augusto.
Deserto, o areal protegido por uma fortaleza dunar está coberto por um
manto castanho de algas. Debaixo do sol de Outono a pino, Céu
espera-nos de forquilha na mão: «Vou- me embora, a vaca está
cansada!», atira. Guiada pelo irmão de Céu, Fidalga já puxou a carroça
carregada de algas, umas oito vezes, desde as sete da manhã. Há 15
anos que a sargaceira 'varre' a praia todas as manhãs para estender as
algas ao sol, no meio das dunas.
As primeiras algas dão à costa em inícios de Maio e a apanha decorre
até meados de Novembro. «No Verão, com esta vaca, apanho 10 a 12
carroças. Mas isto não é nada comparado com antigamente», lembra. As
gentes locais continuam a apanhar sargaço apenas para consumo próprio.
Céu vai vendendo, mas pouco. «Já foi um bom sustento, agora só disto
já não se vive», desabafa. Ainda assim, continua a apanhar e a
estender sargaço, com esforço, por uma causa maior: «Nunca gostei do
mar, a minha mãe sim e é por ela que continuo. Todos os dias fala da
praia, deixar de apanhar sargaço foi como tirar-lhe a vida», confessa
a filha da sargaceira, viúva de um pescador - sina de muitas mulheres
da região.
O sargaço ficou a corar ao sol. Ao longe, Fidalga regressava da praia.
Ainda passamos junto aos 18 palheiros de Céu , conscientes de que este
é um 'oásis' de uma tradição perdida.
SOL
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