terça-feira, 27 de agosto de 2013

Estado gasta quase quatro vezes mais no combate do que na prevenção dos fogos

MARIANA OLIVEIRA

26/08/2013 - 00:00

Especialistas lamentam que não haja "vasos comunicantes" entre
prevenção e combate A prevenção dos fogos é "invisível" e, por isso,
tende a ser esquecida DATO DARASELIA


Governo prevê gastar 74 milhões de euros no combate aos fogos e apenas
20 milhões na prevenção. Para os especialistas, maior aposta na
prevenção permitiria diminuir a despesa e aumentar a eficácia

O Estado gasta quase quatro vezes mais no combate aos incêndios
florestais do que na prevenção. A Autoridade Nacional da Protecção
Civil (ANPC) indica que este ano o dispositivo de combate aos fogos
tem um custo previsto de 74 milhões de euros, enquanto o Ministério da
Agricultura e do Mar estima que vai gastar perto de 20 milhões na
prevenção estrutural.

Somados, são 94 milhões de euros atribuídos aos incêndios florestais,
79% dos quais destinados ao combate e apenas 21% à prevenção.

Esta proporção pode vir a pender ainda mais para o dispositivo de
combate, já que, alerta a ANPC, o valor previsto para este ano "está
sempre sujeito a alguns ajustamentos tendo em conta, essencialmente, o
peso associado às despesas extraordinárias".

O ano passado, a situação não foi muito diferente, tendo o dispositivo
de combate custado 75 milhões de euros e a prevenção estrutural 18
milhões. Isto significa que 81% da verba foi gasta no combate contra
19% na prevenção.

O relatório anual relativo aos incêndios de 2012, um documento do
Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas e da ANPC,
explica as parcelas incluídas nos 18 milhões de euros. A maior fatia
(10,6 milhões de euros) destinou-se a financiar parcialmente as 278
equipas de sapadores florestais (1390 elementos) e os Grupos de
Análise e Uso do Fogo (GAUF).

Nas infra-estruturas de defesa da floresta contra incêndios foram
gastos perto de 3,8 milhões de euros, que incluem a beneficiação de
pontos de água, a manutenção da rede viária florestal e a execução de
faixas de gestão de combustível. Para a comparticipação dos gabinetes
florestais das autarquias foram destinados 3,19 milhões, tendo ainda
sido atribuídos 400 mil euros a acções de sensibilização.

Francisco Rego, antigo director-geral dos recursos florestais, lamenta
a discrepância de gastos e defende um maior equilíbrio na distribuição
de verbas entre a prevenção e o combate. Mas, acima de tudo, o
professor do Instituto Superior de Agronomia realça que é necessário
articular as duas estruturas para que as medidas se tornem mais
eficazes. "Não há vasos comunicantes entre o sistema de prevenção e o
de combate. São estruturas muito separadas", sublinha. E exemplifica:
"A abertura de faixas de combustíveis deve ser feita tendo em conta os
acessos que permitem realizar o combate. Mas isso nem sempre
acontece."

O professor universitário lembra que os GAUF tinham esse objectivo,
trazendo mais conhecimento para o combate aos grandes fogos, e lamenta
que os grupos tenham sido praticamente desmantelados. "O que existe
são umas equipas montadas à ultima hora só para se dizer que não se
acabou com isto", diz Francisco Rego.

Desde 2011 que estes grupos sofreram uma mudança radical de
funcionamento, tendo-se reduzido o número de equipas e também alterado
a sua composição. Estas passaram a contar com menos técnicos
florestais especializados na análise do comportamento do fogo e no seu
uso para combater incêndios.

Pedro Carrilho, técnico florestal na Tapada de Mafra, não se
surpreende com a discrepância de gastos. "A gestão florestal e a
prevenção é um trabalho mais difícil que não tem tanta visibilidade",
justifica. E acrescenta: "Não há muita gente que queira trabalhar na
floresta. Não é bem pago, nem valorizado socialmente." O engenheiro
lamenta, por exemplo, a míngua no novo Instituto de Conservação da
Natureza e das Florestas. "Nos serviços florestais existe um técnico
por distrito que não tem mais ninguém abaixo de si."

Francisco Rego não contesta a fusão entre o Instituto de Conservação
da Natureza e a Autoridade Florestal Nacional, mas lamenta que os
fogos tenham sido menorizados na nova estrutura. "Antes havia uma
direcção autónoma para tratar desta área, agora ela está integrada com
as doenças florestais", critica. O antigo director-geral dos recursos
florestais considera que esta desvalorização resulta ironicamente do
sucesso das medidas tomadas após os anos trágicos de 2003 e 2005.
"Quando há um relativo sucesso, assiste-se a um desinvestimento no
problema como se ele tivesse desaparecido. Por isso é que ele se torna
cíclico", acredita.

Paulo Fernandes, professor do Departamento de Ciências Florestais da
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), defende que a
proporção de gastos está invertida: "Devia-se gastar muito mais na
prevenção. E a longo prazo isso iria permitir gastar menos no
combate." O universitário atribuiu o pouco investimento na floresta à
invisibilidade deste trabalho e diz que, por isso, é mais fácil
apostar no combate. "A área florestal é extensa. As intervenções
significam um esforço imenso. É um trabalho que nunca acaba e que é
preciso manter continuamente."

Como Francisco Rego, o docente da UTAD considera que há uma separação
das estruturas de combate e da prevenção que não faz sentido. "Muitas
vezes, o combate não sabe tirar partido da prevenção, usando, por
exemplo, zonas com menos combustível que foram sujeitas a acções de
fogo controlado", exemplifica. Paulo Fernandes sustenta que "os
bombeiros se limitam a esperar pelo fogo na estrada", tendo muita
renitência em intervir no espaço florestal o que torna inúteis muitas
infra-estruturas de defesa da floresta contra incêndios.

http://www.publico.pt/incendios-florestais/jornal/estado-gasta-quase-quatro-vezes-mais-no-combate-do-que-na-prevencao-dos-fogos-27004091

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