quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Também exportamos bombeiros

Publicado às 00.08


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A superficialidade da análise do primeiro-ministro não pode
neutralizar a procura da responsabilidade pelas mortes dos bombeiros e
do alastrar de tantos incêndios. Porque Pedro Passos Coelho tem razão
em dizer que é precipitado e absurdo procurarem-se os culpados em
concreto, mas parecer ignorar que o Governo a que preside tem pronta
uma legislação que liberaliza a plantação de eucaliptos, deitando
gasolina em cima deste território despovoado, desertificado e pronto a
arder que é Portugal.

Se o primeiro-ministro tivesse um pouco mais de profundidade no que
diz - e não apenas esta ligeireza endémica que o caracteriza -,
saberia que é possível uma resposta concreta e séria: olhar para o
território de outra maneira e travar este ciclo infernal de plantação
de espécies que tornam a floresta num barril de pólvora.

Porque, evidentemente, Pedro Passos Coelho sabe que não é por acaso
que o "Jornal de Negócios" considera Pedro Queirós Pereira, presidente
da principal holding das celuloses portuguesas, a Semapa, como o 11.o
homem mais influente de Portugal. As celuloses instalaram em Portugal
fábricas de tamanha capacidade que, naturalmente, fomentaram o
alastrar de povoamentos de eucaliptos que se espalharam como uma
doença. Não apenas por ser uma espécie de origem australiana que
atualmente já é invasora, ou seja, que se multiplica a si própria e
alastra como mancha de óleo, mas também porque foi muito fácil seduzir
os proprietários florestais a alinharem no cultivo de uma droga
natural: deixar os eucaliptos crescerem sozinhos e de sete em sete ou
de dez em dez anos mandar alguém cortá-los e receber um dinheiro certo
(ainda por cima pouco).

Porque, na nossa pobreza endémica, restam poucas vias à maioria dos
proprietários dos terrenos: ou se vende o terreno às celuloses (e aí
não há incêndios); ou se plantam eucaliptais para lhes vender a seguir
a matéria-prima; ou ficam abandonados até arderem e chegar o eucalipto
espontâneo. Mesmo a indústria da biomassa, que foi "vendida" como
solução para a limpeza das matas, falhou. Não há quem vá buscar os
resíduos da limpeza porque são volumosos e não chegam para
rentabilizar o custo do transporte.

Mandar limpar um hectare de mata custa mais de mil euros. A maioria
dos proprietários não quer ou não pode gastar esse dinheiro. Aliás,
vai fazê-lo para quê? Para repetir essa operação de dois em dois anos
a bem da nação? E se arder, qual é o problema, se as árvores que estão
no terreno não servem para quase nada? Portanto, que arda.

Diz o ministro da Administração Interna que em parte é "natural" que a
floresta arda. O que é verdade - a floresta mediterrânica sempre ardeu
de tempos a tempos como fator de regeneração natural. Mas o drama
destes incêndios do nosso tempo não é apenas o fogo, é a sua
velocidade. O eucalipto tem no fogo um amigo: ao arder propaga-se cada
vez para mais longe e ocupa o terreno das espécies naturais que não se
refazem com a mesma rapidez. Muitos destes fogos não são então
"naturais". São uma sucessão de erros governativos, década após
década, no território.

Poderíamos ir atrás dos teorizadores da indústria do petróleo verde do
cavaquismo e da via para esta monocultura florestal. No essencial, o
modelo funciona - é um êxito - e há quem aplauda exportarmos muito
papel. Nessa medida, morrerem bombeiros é um dano colateral, como em
qualquer país subdesenvolvido morrer gente em atividades de risco. Mau
para as famílias das vítimas mas apenas uma circunstância de negócios.
Portugal vende floresta (e bombeiros). Com um orgulho anacrónico. A
Portucel já é a terceira maior exportadora nacional.

Mudar algo, sr. primeiro-ministro? É melhor não perguntar ao seu novo
ministro do Ambiente. Não vá ele dizer-lhe que o melhor é desistir da
ideia de liberalizar a plantação de eucaliptos em qualquer área do
país. Não vá acontecer daqui a 10 anos estarmos a perguntar como
arderam vilas inteiras, já despovoadas, rodeadas de "desertos" de
árvores sem ecossistemas, em cima de campos outrora agrícolas, junto a
leitos de rios com algas geradas por sucessivas vagas de cinzas. Um
país ainda mais miserável no interior e com cada vez com menos água
limpa nas cidades. Culpados, sr. primeiro-ministro? Não. Nenhum.
Nunca.


http://www.jn.pt/Opiniao/default.aspx?content_id=3392483&opiniao=Daniel+Deusdado

1 comentário:

Anónimo disse...

Mias uma naálise lúcida sobre a miserável política florestal. Infelismente são tidas como vozes incómodas clamadas no deserto da política nacional para as áreas da floresta e do ambiente.

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