OPINIÃO MANUEL TAVARES
Publicado ontem
Esta é a época do ano em que o espaço público é dominado pelo debate
em torno das circunstâncias em que ocorrem os grandes incêndios
florestais, como se tal praga pudesse ser resumida a um jogo de forças
entre pirómanos e bombeiros. Fosse esse jogo o único em causa e talvez
pudéssemos resolver ou até erradicar a praga, oferecendo mais homens,
mais equipamento, mais qualificações, mais condições apelativas para
os nossos soldados da paz.
Infelizmente, a praga não se pode resumir a tal binómio, porque o eixo
do mal reside na desertificação das terras agrícolas, que deixaram de
constituir garantia de ganha-pão e por isso foram sendo abandonadas,
deixando de ser limpas de todo. Eis o que pode transformar a mais
pequena faúlha em gigantesco incêndio.
Em boa verdade, com ou sem pirómanos, as terras ardem muito mais
facilmente quando não estão ordenadas segundo a partilha lógica das
serventias industrial, pecuária e agrícola, ou seja, entre zonas de
floresta, mato, sequeiro e regadio, cuidadosamente separadas por
galerias e corta-fogos que interrompem a propagação das chamas e
facilitam o acesso aos bombeiros.
E também falta cartografia. Não saber, como geralmente não sabemos,
onde está a biomassa (o combustível do fogo) é como atirar bombeiros
às chamas.
Mas houvesse ordenamento rural e certamente que não estaríamos a
discutir, ano após ano, a dimensão e formato do dispositivo nacional
de combate aos incêndios, particularmente nesta época em que as
condições climatéricas mais os propiciam.
Parece, pois, que, sendo o abandono das terras a causa central do
elevado número de grandes incêndios, deveríamos falar de políticas
agrícolas. Tanto mais que o défice da nossa balança alimentar anda na
casa dos quatro mil milhões de euros e um dos problemas que a crise e
a troika nos trouxeram para resolvermos é o de tentar colmatar o nosso
défice estrutural substituindo o mais possível importações em setores
de atividade nos quais tenhamos condições de o fazer.
Ora, para obter uma inversão de atitude no setor agrícola, parece
óbvio que não chegarão proclamações civilizacionais como as das
vantagens ecológicas para as gerações futuras de um regresso à mãe
natureza. Simplesmente porque ninguém plantará uma nogueira, um
castanheiro, ou um carvalho, sabendo que dessa árvore só tirará
rendibilidade daqui a dezenas de anos, quando ela tiver crescido o
suficiente para poder servir de matéria-prima à nossa importante e
qualificadíssima indústria de mobiliário.
Se tudo se resumir à iniciativa privada, ninguém terá força, anímica
sequer, para plantar uma nogueira que só daqui a 80 anos lhe
rendibilizará o investimento. E, no entanto, somos o país da Europa
que mais importa madeira.
http://www.jn.pt/opiniao/default.aspx?content_id=3385183
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