Opinião: José Martino
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Das centenas
de milhões de
euros de fundos
comunitários
enviados para o
sector agrícola,
muito pouco
serviu para criar
riqueza e emprego
Numa altura em que estamos a negociar o novo Quadro Comunitário de
Apoio 2014/2020, proponho dar o meu contributo para que as ajudas
públicas ao investimento na agricultura possam traduzir-se num real
benefício para a economia real e para os agricultores.
Há dias, neste jornal, o ex-ministro da Agricultura Arlindo Cunha
escrevia um artigo em que suscitava a questão da instalação de jovens
agricultores e enunciava algumas propostas para que a taxa de sucesso
destes projectos pudesse ser maximizada, aumentando a eficiência na
utilização de verbas públicas.
Este é um ponto central: a instalação de jovens agricultores. Duvido
que o número de jovens agricultores que se instalam por mês seja o
critério mais eficaz para avaliar o sucesso das ajudas públicas.
Desde logo, é baixíssimo o número de jovens que se dedicam à
agricultura, por comparação com a média europeia. A taxa dos que se
mantêm em actividade ao fim de cinco anos é um indicador relevante,
mas tem de ser compaginada com o volume de negócios, a rentabilidade,
o emprego criado.
É preciso, desde já, colocar o dedo na ferida: o sistema de ajudas
públicas à agricultura que vigorou nos últimos 20 anos tem de ser
radicalmente alterado. Das centenas de milhões de euros de fundos
comunitários enviados para o sector agrícola, muito pouco serviu para
criar riqueza e emprego.
Um novo sistema precisa-se para incrementar a produção nacional com
vista a contribuir para a auto-suficiência alimentar, valorizando a
internacionalização como forma de aumentar o rendimento dos
agricultores.
Nos últimos anos, a agricultura portuguesa recebeu cerca de 600
milhões de euros/ano de fundos comunitários. Apesar disso, o
rendimento líquido dos agricultores tem decrescido.
Então, que novo modelo implementar?
A primeira medida seria separar as ajudas destinadas aos jovens
agricultores e às empresas (agricultura de mercado) do que é
canalizado para a produção de bens públicos (agricultura de
subsistência). Não faz sentido apoiar todo o tipo de projectos de
investimento.
Alguém sabe qual foi a distribuição por sectores das ajudas públicas
ao investimento? Aqui vai: 46,1% máquinas e equipamentos; 10,7%
plantações; 8,9% melhoramentos fundiários; 7,1% animais.
Esta pirâmide tem de ser invertida. A aquisição de máquinas e
equipamentos não deve ser apoiada ou deve ter um tecto máximo de 20%
do total elegível. Há subutilização das máquinas e equipamentos, bens
importados que não geram riqueza que contrabalance a saída de divisas.
Deve-se promover as economias de escala. O Proder [Programa de
Desenvolvimento Rural] tem de ter como objectivo promover o
investimento em explorações com superfície igual ou superior às
economias de escala (dimensão da exploração que promove os custos mais
baixos). Exemplo, dimensão que tira partido da mão-deobra a tempo
inteiro: na cultura do mirtilo ou do kiwi, quatro hectares é a
superfície mínima que justifica uma unidade de mão-de-obra a tempo
inteiro; no entanto, o Proder aceitou projectos que se rentabilizavam
com um hectare e 3/4 hectares, respectivamente. Pelo indicado,
facilmente se concluirá que o Proder estará a promover, a médio/longo
prazo, dimensões desajustadas para o mirtilo e mais sustentáveis para
o kiwi.
Face ao actual drama do desemprego, os apoios ao investimento via
Proder devem privilegiar as explorações que contratem trabalhadores a
tempo inteiro. Posso afiançar que em pequenas explorações há franca
melhoria dos resultados se existir trabalho a tempo inteiro, sobretudo
se se tratar de fruticultura, vinha, etc., sectores em que a
especialização da mão-de-obra permite fazer a operação certa na hora
certa — ou seja, fazê-la na melhor oportunidade técnica (com o mesmo
custo consegue-se um melhor resultado).
Por outro lado, os investimentos mínimos elegíveis deveriam ser 150 mil euros.
Só assim se promovem as economias de escala. Nestes casos, era
necessário abrir linhas de crédito, através da Caixa Geral de
Depósitos (CGD), para permitir que micro e pequenos agricultores se
possam transformar em médios empresários agrícolas.
Uma outra alteração ao sistema de ajudas ao investimento diz respeito
ao seu modelo. Sou de opinião que devia tratar-se de um modelo misto,
com a atribuição de incentivos reembolsáveis e incentivos não
reembolsáveis. Os primeiros deveriam cobrir entre 85% e 100% do
investimento e estes últimos devem atingir, no mínimo, 30% do total
das ajudas.
Este montante destina-se a cobrir o risco da actividade agrícola. O
prazo para devolução dos incentivos reembolsáveis deve estar em linha
com a curva de produção esperada ao longo do tempo para que o
reembolso não comprometa a viabilidade do investimento. Exemplo:
mirtilos (entre o 5.º e o 10.º ano); kiwis: (entre o 5.º e o 12.º
ano).
Tão importante, e às vezes mais, como ter um projecto que garantiu
financiamento, é ter uma linha de acesso ao crédito de apoio à
tesouraria, que vigore desde a concretização do investimento até à
estabilização da tesouraria.
A taxa de juro, neste caso, deve ter em conta o facto de este crédito
se destinar a microempresários que não têm poder negocial junto das
instituições bancária. Defendo, por isso, que o papel principal tem de
caber à CGD, por ser um banco público. Evita-se, assim, um disparar
dos custos com o crédito, que gerariam custos de produção
incompatíveis com o rendimento gerado pela actividade.
Na minha opinião, as instalações de jovens agricultores deveriam ser
realizadas em empresas, sendo obrigatória uma participação minoritária
de um capital de risco. Acresce que a instalação dos jovens
agricultores deve prever um ano de estágio na actividade escolhida,
com provas públicas no final do estágio para avaliar e garantir as
competências do jovem empresário. O estágio deve preceder a
apresentação do projecto, findo o qual o projecto será aprovado.
Não seria mais eficaz um modelo de candidaturas contratualizado entre
o Estado e a agro-indústria, as entidades de comercialização, as
organizações de produtores e, posteriormente, estas entidades
contratualizariam com os produtores as ajudas ao investimento?
O próximo envelope financeiro de Bruxelas tem de ser gerido com máximo
rigor. Nada pode ser como antes. Por isso, sublinho, deve
privilegiar-se um modelo que, em lugar de apoiar todo o tipo de
agricultor ou potencial agricultor, primeiro promova competências e
depois atribua as ajudas.
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Consultor, engenheiro agrónomo e empresário agrícola
http://www.publico.pt/opiniao/jornal/um-novo-modelo-de-ajudas-publicas-a-agricultura-26940809
1 comentário:
"com provas públicas no final do estágio para avaliar e garantir as competências do jovem empresário".
Sendo o júri constituído por funcionários públicos ou outros artistas reconhecidamente avessos a todo e qualquer risco.
Felizmente que a agricultura se vai libertando a pouco e pouco da tutela deste tipo de "consultores" "técnicos" e "empresários agrícolas por via de heranças".
Que azia que deve fazer a estes marmanjos uma nova categoria de empresas agrícolas de sucesso cujos empresários "não prestaram provas públicas para avaliar e garantir as suas
competências".
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