ANA GERSCHENFELD
06/09/2013 - 00:00
As secas extremas têm graves consequências socioeconómicas NELSON GARRIDO
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Estudo liderado por cientista português confirma que as emissões de
gases com efeito de estufa de origem humana estão a contribuir para o
aumento da frequência destes eventos climáticos extremos
A revista Bulletin of the Meteorological Society publicou ontem um
número especial dedicado aos eventos climáticos extremos do ano de
2012. Da seca extrema no Midwest norte-americano, às ondas de calor na
Europa e no Leste do EUA, passando pelo furacão Sandy que assolou Nova
Iorque e as chuvas diluvianas na China, Nova Zelândia, Austrália ou
Japão, são um total de 19 análises, feitas por 18 grupos de cientistas
e utilizando variadas metodologias, a tentar explicar as causas de 12
eventos extremos desse ano.
Um dos estudos, da autoria de uma equipa luso-espanhola liderada por
Ricardo Trigo, do Centro de Geofísica da Universidade de Lisboa,
foca-se na seca extrema que se verificou em toda a Península Ibérica
no Inverno de 2011-2012.
Não foi a maior seca do século a afectar Portugal e Espanha, mas andou
perto disso. "A de 2004-2005 foi ligeiramente mais forte", disse ao
PÚBLICO Ricardo Trigo, acrescentando que aquele evento de há quase uma
década é provavelmente o recordista dos últimos 100 anos. Seja como
for, "entre Setembro de 2011 e Agosto de 2012, a precipitação
acumulada sobre a Península Ibérica desceu para cerca de 50% da média
climatológica de pluviosidade, de 1950 a 2000, sobre o Sudoeste da
Península", escrevem estes cientistas no seu artigo (ver mapa). E os
quatro meses de Dezembro a Março, que normalmente são os de maior
pluviosidade nesta região, foram excepcionalmente secos. Tal como a de
2004-2205 (e a de 1998-1999), a seca de 2011-2012 atingiu toda a
Península Ibérica, ao contrário das secas mais comuns, que costumam
afectar apenas 20 a 30% do território.
Isto aconteceu, segundo o estudo, devido a uma configuração
desfavorável dos fenómenos climáticos naturais que controlam a força e
a direcção dos ventos, tais como as flutuações da diferença de pressão
atmosférica entre a Islândia e os Açores - mecanismo designado por
Oscilação do Atlântico Norte, NAO na sigla em inglês -, que influencia
os ventos de Oeste. Por sua vez, isso provocou uma brutal diminuição
da humidade normalmente transportada até à Península Ibérica a partir
do Golfo do México, das Caraíbas e do Atlântico Norte.
Todavia, a questão central não é a existência esporádica de secas
extremas, mas a de saber se a frequência das secas extremas está ou
não a aumentar. E esta é precisamente a principal conclusão do estudo.
De facto, ao passo que, nos anos 1960, o intervalo de tempo entre duas
secas desta dimensão era superior a 40 anos, hoje ela está mais perto
dos 30 anos. "Três das maiores secas dos últimos 60 anos [na Península
Ibérica] aconteceram nos últimos 15 anos", resume Ricardo Trigo.
Ora, quando se verifica um aumento de frequência de um evento
climático extremo, salienta, torna-se essencial conhecer as suas
causas. "Esta é a novidade aqui", diz Ricardo Trigo: "Tentar separar a
variabilidade climática natural das alterações climáticas associadas
às actividades humanas."
E esta era também uma das perguntas a que todos os estudos ontem
publicados em conjunto queriam responder. Resultado: "Cerca de metade
das análises encontraram indícios de que as alterações climáticas de
origem humana estão a contribuir para a ocorrência do evento extremo
em causa", lê-se na revista científica, na introdução aos artigos. Sem
esquecer, contudo, que "os efeitos das flutuações naturais do tempo e
do clima também desempenharam um papel crucial em muitos destes
eventos extremos."
Uma das análises que deu resposta positiva à pergunta foi justamente o
estudo da seca extrema de 2012 na Península Ibérica: se essas emissões
não fossem tidas em conta nos modelos que os cientistas utilizaram
para simular a evolução do clima, o aumento observado na frequência
das mega-secas na Península Ibérica não teria surgido nos resultados
das simulações. "A frequência das mega-secas na Península Ibérica está
de acordo com o facto de terem sido emitidos gases com efeito de
estufa e o seu aumento decorre em parte do aquecimento global devido a
essas emissões, porque quando corremos os modelos sem as emissões,
esse aumento de frequência [observado na realidade] não se verifica",
conclui Ricardo Trigo.
http://www.publico.pt/ciencias/jornal/a-frequencia-das-megassecas-na-peninsula-iberica-esta-a-aumentar-27054758
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