sábado, 14 de setembro de 2013

Há quem não saiba e fala demais. Há quem saiba e não é ouvido

Os períodos estivais são pródigos em acontecimentos mediáticos de
oportunismo (pessoal e institucional) e de populismo.

A pretexto da destruição e das mortes causadas pelos incêndios
florestais montam-se estratégias pessoais e institucionais que
aparentam necessitar destes acontecimentos catastróficos para
sobreviver. Será também a isto que se apelida de "indústria do fogo",
ou serão muitos destes protagonistas os porta-vozes desta "indústria"?

O facto é que se papagueiam alarvidades em cada Verão.

Veja-se apenas e só, sobre a famigerada limpeza das florestas:

1. No próprio conceito e operacionalização de limpeza, estes
protagonistas parecem confundir limpeza das florestas com a limpeza do
pó doméstico, ou mesmo com ações de voluntariado para a recolha de
lixo doméstico ou industrial, irresponsavelmente depositado por
indivíduos sem escrúpulos nos espaços florestais.

No que respeita às florestas, não se percebe se a referência é a
limpezas interespecíficas ou intraespecíficas, ou ambas. Nas
interespecíficas será removida qualquer coisa, ou há que evitar a
remoção de certas espécies florísticas, p.e. as protegidas? Nas
intraespecíficas, quais as habilitações necessárias para decidir que
plantas são removidas ou são deixadas intactas no local?

Sobre a operacionalização dessas limpezas em florestas, os apologistas
mediáticos referem-se a limpezas por meios manuais (talvez), por meios
motomanuais (menos provável), por meios mecânicos (só se forem
proprietários das máquinas), por meios químicos (desaconselhável à
pele), ou pelo pastoreio (como se controlam os bichos?) ou pelo fogo
controlado (de potencial efeito 2 em 1, em caso de descontrolo, limpa
a floresta e o "limpador")?

2. Na designação de determinados grupos sociais no envolvimento em
ações de limpeza das florestas, é comum a designação dos
desempregados, dos beneficiários do RSI ou dos reclusos.

Ora, por um lado importa ter em conta que estes grupos não são
homogéneos, designadamente quanto às motivações, às qualificações e às
experiências dos seus integrantes.

Por outro, não se assemelhando a uma limpeza do pó doméstico, quem
custeia a formação destas pessoas para ações de limpeza florestal e
por quantas vezes essa formação terá desempenho prático? Gastar fundos
públicos para formar e aproveitar só um ano é facilmente classificado
como despesismo. Formar-se-íam equipas permanentes? Os Serviços
Florestais tinham-nas em tempos que lá vão!

3. Em que terrenos ocorrerão tais operações de limpeza e quem as custeia?

Em matas públicas? Bom, são apenas e tão só 2% da área florestal
nacional. Se carecem de intervenção neste domínio? Efetivamente
carecem, neste e noutros. E até existe dinheiro público para tal,
suportado por todos nós, enquanto consumidores de combustíveis nas
nossas viaturas. Parte do custo por litro reverte para o Fundo
Florestal Permanente. E daí? Da cartola têm saído só coelhos!

Será para limpeza em superfícies florestais privadas? Bom, mas estas
têm dono e este tem direitos salvaguardados na Constituição. Não se
discute aqui se bem ou mal, é um facto!

E quem custeia estas intervenções? Os próprios proprietários privados,
esmagadoramente famílias e comunidades rurais, ou os contribuintes?

Bom, para serem os proprietários rurais, pressupõe-se que o façam face
a rentabilidade dos negócios de que possam usufruir nas suas terras,
seja na produção de bens (madeira, cortiça,...), seja na produção de
serviços (lazer, paisagem, combate à erosão, regularização dos regimes
hídricos – vulgo, segurar as margens de linhas de água para evitar
cheias, no sequestro de carbono, ...). A este respeito, menciona o INE
que a atividade silvícola está em declínio progressivo.

Os mercados tradicionais de produtos silvícolas evidenciam uma
concorrência imperfeita, dominados que estão por oligopólios
industriais, com estratégias empresariais extrativistas.

O rendimento líquido dos proprietários decresce há décadas, o
resultado é o abandono e a migração para o litoral ou a imigração
(vejam-se os vários Census).

Para ocorrerem operações de limpeza e necessário que ocorra uma gestão
florestal ativa. E o que é a gestão florestal ativa? É,
sinteticamente, a aplicação de métodos comerciais e de princípios
técnicos na administração de uma propriedade florestal.

O que temos nós crescentemente em Portugal? Uma situação de abandono
da gestão, quase generalizada em regiões onde predomina o minifúndio,
coincidentemente as de maior risco no que respeita à propagação dos
incêndios.

Importa ter presente que, a ausência de gestão não é mais do que uma
forma de gestão adequada às expectativas de rentabilidade do negócio.
Se estas são negativas ou nulas, o resultado é a não gestão, o
abandono e os incêndios cíclicos.

Desta forma, importa ouvir quem sabe, especialistas em florestas, em
economia agrária, em sociologia rural, em ordenamento do território,
em conservação da Natureza e autarcas. Estes curiosamente, ao
contrário dos habituais, não têm sido apologistas dos circos
mediáticos estivais.

Lisboa, 11 de setembro de 2013

A Direção da Acréscimo

http://www.agroportal.pt/x/agronoticias/2013/09/12a.htm

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