domingo, 8 de setembro de 2013

Alimentos (e um planeta) para todos

05.09.2013 Por Duarte Torres, nutricionista

Os recentes desenvolvimentos no cultivo de frutas, carne e vegetais
trazem esperança revigorada no futuro.

As estimativas convergem: nas próximas quatro décadas será necessário
pelo menos duplicar a produção de alimentos. Ao mesmo tempo, urge
preservar os ecossistemas naturais e a biodiversidade que ainda
existem no planeta. Para isso é preciso produzir mais sem aumentar ou
mesmo reduzir a superfície terrestre cultivada, ou seja, aumentar o
rendimento global da produção agrícola. Se nos países mais
desenvolvidos a margem de crescimento do rendimento da produção
agrícola é hoje pequena - porque o rendimento já é alto - em zonas
menos desenvolvidas, concentradas sobretudo em África, América do Sul,
Leste Europeu e Ásia, um investimento sério na formação dos
agricultores e no fornecimento de sementes, fertilizantes, pesticidas
e infraestruturas adequadas aumentará o rendimento agrícola entre duas
a cinco vezes.

Mas não chega aumentar a eficiência na utilização do solo, é
necessário utilizar a água e os agroquímicos de forma mais
inteligente. Um conjunto emergente de práticas agrícolas, conhecido
como agroecologia, combina os saberes das ciências agrárias e
florestais, da hidrologia, da ecologia, entre outras, de forma a
implementar sistemas de produção agrícola que mimetizam os
ecossistemas naturais. Comprovadamente produz-se assim mais alimentos
em menos terra e, ao mesmo tempo, preservam-se os ecossistemas,
promove-se a biodiversidade e diminui-se as necessidades de água,
pesticidas e fertilizantes.

Para dar uma ajuda estão em marcha projectos que visam tornar perenes
algumas culturas anuais utilizando técnicas de engenharia genética.
Daqui a duas ou três décadas poderemos colher cereais, oleaginosas ou
leguminosas (culturas actualmente anuais) como quem colhe maçãs ou
azeitonas. Ou seja, a mesma planta permanecerá no campo durante vários
anos permitindo colheitas periódicas. O impacto desta tecnologia será
enorme já que as plantas perenes são mais resistentes ao clima e às
pestes e a sua manutenção requer menos água e energia.

Os campos de cultivo estão a mover-se para as cidades onde vive a
maior parte da população. Já existem e continuarão a aparecer
explorações agrícolas verticais (ou quintas verticais) em várias
cidades do globo. Plantas cultivadas por hidroponia ou aeroponia
crescem em altos edifícios transparentes concebidos para optimizar a
exposição solar. Em dias mais nebulados ou de noite as plantas recebem
luz artificial. Assim, pode-se colher alfaces 20 vezes por ano em vez
das tradicionais uma ou duas colheitas anuais! Este tipo de cultivo
permite um aumento de várias ordens de grandeza da produção reduzindo
em 80% a área de cultivo, em 90% o consumo de água e em 100% o uso de
pesticidas. Por diminuir a distância (e o tempo) que separa o local da
produção alimentar dos consumidores os custos de transporte e
armazenamento diminuem para quase zero e as perdas por deterioração
são menores.

Até agora falamos de produção vegetal. Mas continuamos com um
problema. Para uma boa saúde precisamos de uma boa quantidade de
proteínas (entre 10 e 35% da energia consumida deve provir de
proteínas). Existem ricas fontes proteicas no reino vegetal se
combinarmos adequadamente leguminosas e cereais. No entanto, uma
grande parte da população mundial prefere a carne ou o peixe como
fontes proteicas primordiais. O crescente consumo global de pescado
tem sido assegurado por uma também crescente quantidade de pescado
produzido em aquacultura, que já fornece perto de 50% do mercado. Para
salvar os sistemas marinhos, extremamente debilitados por práticas
piscatórias intensivas, a aquacultura continuará a substituir a
captura. As rações utilizadas incluirão fontes proteicas vegetais,
subprodutos animais e insetos (que serão também criados em larga
escala e alimentados com resíduos agroalimentares). Os detritos
produzidos pelo cultivo do pescado serão transformados em ricos
fertilizantes para a agricultura, diminuindo assim o impacto ambiental
desta prática.

Em 1932, Winston Churchill disse "daqui a 50 anos devemos conseguir
evitar o absurdo de criar uma galinha para consumir o peito ou as asas
cultivando estas partes isoladamente num meio de cultura apropriado".
Os recentes desenvolvimentos no cultivo de carne em laboratório vêm
confirmar esta premonição. A produção em larga escala de células de
uma vaca em reatores biológicos, seguida da montagem de um bife com as
características desejadas numa impressora 3D, é algo que alguns
cientistas e investidores almejam comercializar nas próximas duas
décadas. Uma penetração plena desta tecnologia na cadeia alimentar
permitirá reflorestar os 30% da superfície terrestre actualmente
utilizada para criação animal, direcionar mais de 30% dos cereais
cultivados, utilizados actualmente para alimentar gado, para a
alimentação das pessoas e poupar a vida de quarenta mil milhões de
animais abatidos anualmente.

Um mundo de abundância alimentar para todos é possível hoje e será
possível no futuro. O cultivo de sementes melhoradas em sistemas
agroecológicos, a diminuição do impacto ambiental da produção de
proteínas (aquacultura optimizada e cultivo de carne), o
desenvolvimento de tecnologias auxiliares (robótica, inteligência
artificial, etc.) e a necessária consciencialização social e
governamental dos reais impactos e desafios do nosso sistema
agroalimentar permitirão proteger o planeta e fornecer alimentos
seguros e nutritivos a toda a população humana.



Nutricionista e professor
Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação Universidade do Porto
dupamato@fcna.up.pt

http://lifestyle.publico.pt/nutricao/324609_alimentos-e-um-planeta-para-todos

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