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Carlos Neves
"Aviões", filme de animação da Disney, sucessor de "carros", estreou
nos cinemas a 15 de Agosto. O filme narra a história de Dusty (nome
que traduzido significa sujo, poeirento) , um avião pulverizador de
campos de milho americanos. Sem entrar em detalhes do filme e muito
menos contar o final, quero apenas revelar um fio condutor que
acompanha toda a história: Além de ter sido construído para pulverizar
e não para competir e de ter medo das alturas (os pulverizadores voam
baixinho...), "Dusty" tem de aguentar as "bocas" do principal
adversário: "agricultor", "campónio", "cheiras a estrume de vaca",
etc. Pois. Lá como cá!...
Este filme americano lembra uma cena portuguesa: alguns meses atrás,
numa cerimónia de captação de investidores para a região do Alqueva, o
presidente da associação local de agricultores apontou como
dificuldade na região a falta de mão-de-obra para a agricultura. Falta
de mão-de-obra num país com 20% de desempregados é sempre motivo de
espanto e admiração. O presidente do BES, Ricardo Espírito Santo,
comentou que os portugueses preferem receber o subsídio de desemprego
em vez de trabalhar. Levantou-se então a polémica habitual com as
intervenções "oportunas" dos banqueiros e esqueceu-se a agricultura.
Interveio bem a Ministra Assunção Cristas ao falar da necessidade de
valorizar socialmente a agricultura para que as pessoas aceitem entrar
na actividade.
Não se trata aqui do "jovem agricultor" que pode compensar o rótulo
negativo de "agricultor" com outros adjectivos de carga positiva como
"empresário" ou "empreendedor". Trata-se de ultrapassar o preconceito
de colocar o/a "trabalhador agrícola" na parte mais baixa da pirâmide
social. O trabalho agrícola, por si, já encerra um conjunto de
dificuldades naturais: trabalho ao ar livre (sol, calor, pó, frio),
sujidade, cheiros, esforço necessário, etc. Não precisa de ser
rebaixado pela crítica social que ignora a necessidade básica que é a
produção de alimentos e a responsabilidade que isso acarreta, por
exemplo, em termos de segurança alimentar. Que ignora os conhecimentos
necessários para tarefas complexas como conduzir um tractor, operar
máquinas com precisão (cada vez com mais equipamentos electrónicos),
aplicar produtos fitofarmacêuticos, alimentar, cuidar e ordenhar
animais. Ainda podemos encontrar algumas tarefas (limpezas, colheitas
de frutos) que exigem pouca formação, mas o tempo do trabalho agrícola
desqualificado já passou.
Os horários exigidos pela ordenha das vacas ou as madrugadas para
colher hortícolas são outra sombra que afasta os candidatos do
trabalho agrícola. Mas, atenção, horários "das 9 às 5" são cada vez
mais raros nas actividades alternativas. Todos conhecemos cada vez
mais gente a trabalhar por turnos, ao fim de semana e de noite.
Empresas que exigem disponibilidade total. Faz sentido fugir da
agricultura para receber o salário mínimo numa fábrica de confecções
ou na caixa do hipermercado? Apesar das dificuldades que o trabalho
agrícola ainda encerra, creio que em termos de "qualidade de vida"
evoluiu em sentido inverso de outros sectores. Temos hoje à disposição
ordenhas rápidas ou robots de ordenha, tractores com ar condicionado,
automotrizes para vindimar, ensilar ou debulhar milho, tudo muito
diferente do tempo em que uma multidão de trabalhadores agrícolas era
necessária para fazer manualmente o que agora faz uma máquina.
A valorização do trabalho agrícola, por último, não pode ser apenas
social, tem de ser económica. Para um trabalhador ser respeitado tem
de ser bem pago, e deve sê-lo se for competente, mas para isso é
preciso que os produtos agrícolas sejam valorizados. Para que o
trabalhador agrícola possa receber um valor justo pelo seu trabalho é
preciso que os produtos agrícolas sejam pagos a preço justo, e, já
agora, que os consumidores prefiram produtos nacionais, para que o
valor da sua compra possa chegar ao bolso dos "nossos" trabalhadores.
Carlos Neves
Publicado em 03/10/2013
http://www.agroportal.pt/a/2013/cneves6.htm
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