Carlos Neves
Na conferência de abertura das Jornadas de “Empreendedorismo agrícola – cultivar o futuro”, cujo vídeo pode ser acedido através das páginas internet do Jornal de Notícias e Diário de Notícias, Nuno Amado, Presidente do Millennium BCP, começou por anunciar o objetivo de emprestar mais dinheiro à agricultura. Depois, a principal comunicação esteve a cargo de João Miranda, CEO da Frulact, empresa líder em preparados de fruta para a indústria alimentar. São mais de 500 funcionários em fábricas em Portugal, França, Marrocos, África do Sul, Estados Unidos e uma forte aposta na inovação. Uma boa intervenção analisando casos de sucesso na agricultura portuguesa (por exemplo, a pêra rocha) e outros com potencial não aproveitado. A empresa só compra 10% da fruta em Portugal, em alguns casos porque as fileiras não estão organizadas para concentrarem os produtos (foi referido o caso do morango).
Mais tarde, no debate moderado pelo jornalista António Perez Metelo, O Diretor Regional de Agricultura do Norte, Manuel Cardoso, referiu, e muito bem, ser necessário haver melhor divisão da margem de lucro ao longo da cadeia produção – indústria – distribuição. Questionado sobre como isso poderia ser feito, sublinhou o apoio à criação de organizações de produtores, para concentrar oferta, ganhar escala e poder negocial. Todos de acordo, mas Luis Mira, Secretário-geral da CAP, lembrou que num passado recente a LACTOGAL, empresa de base cooperativa e líder no setor de laticínios não conseguiu evitar a importação de leite pelas grandes superfícies; Jorge Dias, da Gran Cruz (empresa de Vinhos do Porto e Douro), apontou a falência de muitas adegas cooperativas na região do Douro. E nós sabemos de mais cooperativas falidas e outras que não faliram ainda porque se enterraram lá dinheiros que poderiam/deveriam ter ido parar ao bolso dos agricultores. Como fazer então para que a “boa ideia” das organizações de produtores não se torne um pesadelo?
A pergunta ficou quase sem resposta. Quase, porque João Miranda já abordara o assunto ao dizer que essas organizações precisam de gestores profissionais e não podem depender apenas da boa vontade das direcções eleitas. Tem razão? Muita, mas não toda. Mandar um gestor para uma cooperativa falida, sem crédito, confiança e participação dos sócios chegará? E não terá havido por aí cooperativas que faliram porque a direcção confiou em gestores que foram “competentes” na gestão do seu bolso pessoal em detrimento dos cooperantes? Ou empresas que até são bem geridas, mas cujo resultado não chega aos produtores? Precisamos, portanto, de gestores profissionais, sérios, solidários e integradores dos cooperantes nas organizações.
Para chegarmos a 2020 com uma economia agrícola mais justa, rentável e sustentável, precisamos investir já numa segunda geração de organizações de produtores. Investir dinheiro do futuro programa de desenvolvimento rural” sim, mas com “conhecimento”. E para esse conhecimento precisamos de investigação. Quem a fez? Quem quer fazer? Onde estão os investigadores e as universidades dispostos a estudar e divulgar em tempo útil os casos de organizações de sucesso a copiar e os erros a não repetir?
Quem se dispõem a compilar, tratar e divulgar os dados que permitam fazer “benchmark” (marca de referência), rankings de organizações de produtores, não apenas ordenadas pelo volume de negócios mas também pelo resultado, sustentabilidade, valor acrescentado e valor passado ao agricultor, para que possamos saber quem são os melhores com que devemos aprender e para que possamos estimular uma competição saudável entre organizações?
Quem se dispõem a formar e motivar novos líderes para organizações agrícolas participadas por associados com capacidade de intervenção e crítica construtiva?
Se não aplicarmos estas ideias e outras melhores que possam resultar dessa investigação, desse benchmarking e dessa participação dos associados, em 2020 os sobreviventes voltarão a dizer o mesmo que se diz agora: estamos mal, temos que nos “organizar” … e muitas organizações também estão mal!...
Carlos Neves
Publicado em 23/03/2014
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